Às 15h30 de sexta-feira, 49 mil pessoas estavam conectadas ao maior bate-papo virtual do país, com capacidade para 375 mil internautas. Escondidas atrás de apelidos, elas falavam de amenidades, escreviam sobre sexo ou até xingavam umas às outras. Na semana passada, DeleGata, advogada de 30 anos que espalhou faixas em Belo Horizonte à procura de Bonito, que ela conheceu no bate-papo, resolveu sair desse mundo virtual. Ao se revelar, Flávia – que prefere não dizer o sobrenome – trouxe à tona o universo dos chats, onde o anonimato fala mais alto, mesmo em tempos de exibicionismo nas redes sociais.
O professor de pós-graduação em linguística da Universidade Federal do Ceará (UFC) Júlio Araújo é autor de tese de doutorado sobre o assunto e diz que a tendência é de crescimento dos chats. “É como se fosse um baile de máscaras, uma grande praça”, diz. Pare ele, os apelidos são proteção e apontam o que os usuários querem. Na sexta-feira, lá estavam piradinha, kasada34, hquersexo em várias salas do bate-papo.
Há salas por cidade, faixa etária, opção sexual. Os interesses variam, com espaços para amantes, sexo e amizade colorida. “As pessoas entram nos chats para trocarem ideias, namorar, buscar informações ou para serem ‘ouvidas’”, diz Araújo. Protegidas por apelidos, não há como diferenciar mentira e verdade, mas revelações acabam ocorrendo. “O lugar de fala assumido pelas pessoas é o da fantasia, mas acabam mostrando desejos e segredos que a sociedade não permitiria”, afirma. “Muitas estão ali para conversar honestamente, mas outros querem realizar fantasias”, acrescenta.
A psicóloga Suzana Veloso Cabral, pesquisadora de mídia, concorda. “Vínculos virtuais são diluídos, sem forma e abrem espaço para encontros, mas são da fantasia, da criação de personagens”, avalia. Para ela, o interesse de boa parte das pessoas em ambientes virtuais está relacionado com as cobranças da sociedade. “As pessoas cobram a viabilização de um encontro amoroso e a inserção nesse espetáculo do desejo”, opina.
PAIXÃO Focada nos estudos para concursos, DeleGata entrou no bate-papo para descansar e se divertir com as conversas engraçadas. Trocou mensagens por duas horas com Bonito, advogado, de 34 anos, do Bairro Santo Antônio, em BH. Acabou se apaixonando e iniciou na terça-feira a busca pelo amado, com faixas no bairro estampadas com o próprio telefone. Flávia recebeu uma ligação daquele que parecia ser o Bonito. “Ele foi seco e muito grosso”, contou.
Embora tenha estabelecido prazo para terminar a busca pelo verdadeiro Bonito, ela não conseguiu desistir de achar o amado. Anteontem, foram 94 ligações, sós das 7h50 às 12h. Ela já está exausta, mas não abandona o telefone. “E se ele ligar?”, pergunta.