Sandra Kiefer
Marília Rodrigues Silva Martins, de 29 anos, de família de classe média alta de Uberlândia, morava havia 10 anos na Itália. Cheia de planos, estava radiante com os cinco meses de gravidez e se preparava para tirar o brevê de piloto feminino de helicóptero. No fim de agosto, porém, foi encontrada morta na empresa de aviação onde trabalhava. A promotoria italiana acusa de assassinato o empresário italiano Claudio Grigoletto, que reconheceu ser o pai do filho que a brasileira esperava. Ele foi preso no dia seguinte e admitiu que brigou com Marília, mas nem a atenção que autoridades dão ao caso foi o suficiente para confortar a mãe, Natália Silva.
O caso de Marília expõe a agonia de familiares quando a morte ocorre no exterior. O processo fica ainda mais dolorido, cansativo e nem sempre é possível contar com a disposição de autoridades de outros países em investigar a fundo as ocorrências. “Você pode imaginar o que é organizar dois velórios para a própria filha? Um para os amigos estrangeiros da escola e do trabalho e outro para os familiares daqui?”, pergunta Natália. Mais de 20 dias depois do crime, ela enterrou a filha em Uberlândia na última quarta-feira. “Não sei o que é dormir mais de duas horas por noite nos últimos 20 dias. Estou exaurida”, revela.
Segundo o Itamaraty, nem todas as mortes de brasileiros chegam a ser comunicadas oficialmente ao governo, mas apenas os casos que necessitam da interferência das embaixadas como forma de agilizar a tramitação dos documentos entre dois países. A grande maioria dos registros de óbito feitos já vem com a especificação de morte natural. “O que preocupa não são os casos famosos ou de brasileiros que moram lá fora, mas as pessoas comuns. São milhares”, compara o deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP), autor de projeto, em tramitação nas comissões, que obriga o governo a arcar com as despesas para o traslado dos corpos de brasileiros cujas famílias não tiverem recursos financeiros.
O deputado lembra que, além do sofrimento e da enorme burocracia internacional, muitas famílias são obrigadas a fazer campanhas de arrecadação de fundos para trazer o corpo de parentes. O projeto também estabelece que as mortes de brasileiros em outros países deverão ser comunicadas ao consulado brasileiro do local. “Houve caso de uma família em que um dos parentes juntou R$ 5 mil para passar cinco dias de férias na Disney e acabou morrendo. A família é obrigada a deixar a pessoa congelada até conseguir arrecadar os recursos para transportar o corpo, o que pode custar de R$ 20 mil a R$ 50 mil, dependendo da situação”, compara Vaccarezza.
Consulado No caso de Marília, encontrada morta em 30 de agosto na cidade de Gambara, em Bréscia, na Itália, o consulado de Milão acompanhou o desdobramento do caso e tomou todas as providências burocráticas, com a interferência do governo de Minas, que se encarregou da interlocução com o Itamaraty junto com a mãe, fluente em italiano. Marília tinha ido morar na Itália com a mãe há 10 anos. Natália voltou há três anos, deixando a filha estabelecida em Milão.
As despesas do traslado do corpo ficaram a cargo da família. “Penso que o que aconteceu com a minha filha pelo menos teve o propósito de ajudar a mudar a imagem das brasileiras lá fora. O caso dela teve uma enorme repercussão na Itália, porque Marília era bonita, trabalhadora e sabia se comportar corretamente. O que aconteceu com ela poderia ter acontecido no Brasil, na França ou na Suíça. Gente do mal existe em todos os lugares”, desabafa Natália.
Mortes
1.457
número de brasileiros que morreram no exterior em 2012, aumento de 36% em relação a 2011
688
número de mortes de brasileiros fora do país comunicadas ao Itamaraty até setembro