Ouro Preto – Paisagem colonial mutilada pelo asfalto. O caminho de acesso ao Museu Casa dos Inconfidentes, na Vila Aparecida, teve suas pedras cobertas pelas máquinas da prefeitura e se torna alvo de inquérito do Ministério Público (MP) de Minas Gerais. Como a Rua Engenheiro Correa está no entorno da área tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o promotor de Justiça Domingos Ventura de Miranda Júnior , da 4ª Vara da Comarca, investiga o caso e quer saber porque a autarquia federal deu sinal verde para a intervenção que gera polêmica no município.
“O calçamento dialogava com o monumento do século 18. Além de valorizar e proteger o local onde os inconfidentes se reuniam, as pedras davam harmonia ao cenário”, disse Domingos, que atua em parceria com o coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC), Marcos Paulo de Souza Miranda. Na semana passada, a analista em arquitetura e urbanismo da coordenadoria, Andréa Lanna Novaes, esteve em Ouro Preto para fazer um laudo sobre a situação. O casarão administrado pela prefeitura pertenceu a José Álvares Maciel, capitão-mor de Vila Rica, que era pai e genro de dois envolvidos no movimento liderado por Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes: José Álvares Maciel, o filho, formado em filosofia na Universidade de Coimbra, e tenente-coronel Francisco de Paula Freire, militar da Capitania de Minas e inconfidente.
Quem chega ao casarão, conhecido como Chácara dos Inconfidentes, não deixa de tomar um susto. Várias ruas da Vila Aparecida foram pavimentadas, com um choque profundo entre a paisagem e o asfalto. “Foi um absurdo, fizeram tudo à revelia da comunidade, sem planejamento. A obra provocou a descaracterização do bem cultural. Não há passeio e só quero ver quando vier a chuva”, disse um jovem, que o anonimato.
O promotor instaurou o inquérito e já enviou ofício à Prefeitura de Ouro Preto e ao Iphan. No documento, está anexada fotografia do momento em que as máquinas terminavam o serviço na porta do museu. “Por que asfaltar este trecho, que não é corredor de trânsito nem local de movimento?”, indaga o promotor que quer saber se o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural e Natural de Ouro Preto foi ouvido. A presidente do conselho, Débora Queiroz, diz que não houve qualquer comunicação.
Proibição
O titular do CPPC, Marcos Paulo, lembra que Ouro Preto foi a primeira cidade do país protegida por decreto federal, em 1933. Além da questão história, há a ambiental. Ele esclarece que, pela legislação urbanística de Ouro Preto, o caminho do museu está em Zona Especial de Proteção Ambiental (Zepam), pela qual é vedada a impermeabilização das vias públicas: “Trata-se uma área em topo de morro e o asfalto impede a absorção da água pelo solo.” Marcos Paulo acrescenta que houve precedente em Mariana, onde a Justiça determinou a retirada do asfalto.
O secretário de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto, José Alberto Pinheiro, informou que o serviço foi feito com autorização do Iphan, o que é confirmado pelo pelo chefe do escritório local, João Carlos Cruz de Oliveira. João Carlos explicou que o acesso ao museu tem 200 metros e não fere regulamento do patrimônio.
Para os defensores do patrimônio cultural de Ouro Preto, o asfaltamento da Rua Engenheiro Correa foi uma aberração e uma porta de entrada para a degradação. Preocupada, a pesquisadora e doutora em demografia Kátia Maria Nunes Campos teme que Ouro Preto esteja condenada a um fim trágico e inevitável. “Essa decisão não demandou audiência. Houve uma completa descaracterização da região”, lamenta.
Os moradores da Vila Aparecida ou Morro da Aparecida, comemoram a chegada do asfalto. “Foi muito bom e não atrapalha em nada o visual”, disse o assistente de laboratório Márcio Francisco Braga Fortes, de 57 anos, que vê falhas, como a falta de limpeza de bueiros e de obras na rede pluvial.
O desmatamento de uma área no antigo Jardim Botânico de Ouro Preto, implantado no século 19 às margens da Rua Padre Rolim, também está na mira do Ministério Público. Segundo o promotor Domingos Miranda Júnior, a obra foi embargada pela Polícia Militar do Meio Ambiente, que fez uma ocorrência. No local, a prefeitura pretendia construir um depósito para material e equipamentos de obras públicas. Ele explica que a recuperação do Jardim Botânico é uma bandeira do MP, tanto pela história como importância na vida da cidade. No local ficaram as ruínas e o objetivo é fazer parceria com o curso de farmácia para dinamização do espaço e produção de mudas.