Um dia depois de a Câmara de Dirigentes Lojistas da Savassi (CDL/Savassi) cobrar providências da prefeitura para os moradores de rua, equipes de reportagem do Estado de Minas conversaram com mendigos, usuários de crack e portadores de sofrimento mental sobre os motivos de insistirem em permanecer debaixo de viadutos, marquises, calçadas e terrenos vagos de Belo Horizonte. Ontem, diversas barracas de lona já estavam de volta aos locais de onde foram retiradas por agentes da prefeitura na segunda-feira. Em 2005, o censo da população de rua indicou cerca de mil pessoas. O número dobrou em oito anos, segundo a percepção da Pastoral de Rua de BH, passando de 2 mil.
“O que eu mais quero é sair da rua”, afirma Sebastião Soares do Amorim, de 53 anos. Depois ele se cala, o rosto enrubesce e, apesar do esforço em se mostrar forte, ele começa a chorar. “Com o dinheiro que ganho, não sobra nada”, diz. Sentado em um banco na Praça da Savassi, Centro-Sul de BH, ele conta que trabalha há 12 anos como catador de material reciclável e costuma pernoitar perto dali, numa esquina da Rua dos Inconfidentes.
Sebastião morava com a mãe e os irmãos em Divinolândia de Minas, no Vale do Rio Doce. “A gente passava muita fome”, relata. Quando tinha 12 anos, a avó o trouxe para morar com ela no Alto Vera Cruz, Região Leste. Um dia, na hora do almoço, foi buscar comida na cozinha e a avó o repreendeu. “Disse que eu só ia comer o que sobrasse, depois de todo mundo. Aí, decidi viver na rua”, recorda ele, que estudou até a 4ª série do ensino fundamental.
Ele está nas ruas há mais de 35 anos. Já pernoitou no albergue da Rua Conselheiro Rocha, no Bairro Floresta, administrado pela prefeitura e uma associação espírita. “É pior que cadeia. Tem horário para entrar, comer, dormir, acordar. A gente não sabe nunca quem está deitando ao lado. Tem muito roubo”, critica ele, que exala hálito de cachaça. “Gosto de beber e fumar cigarro. Nunca experimentei outras drogas”.
Apesar de preferir a rua, Sebastião se queixa de funcionários da prefeitura. Contou que alguns deles, acompanhados de “uns quatro policiais”, levaram quase todos os seus pertences: “O carrinho com o material que eu catei, minha roupa de dormir, cobertor. Disseram que não querem morador de rua na Savassi”.
BRIGAS Wellington Romão Ramos, de 29, mora na rua há cerca de cinco anos. Vivia com a mãe, o padrasto e os irmãos numa casa em Venda Nova. “Estava usando muita droga, discutia muito dentro de casa. Foi por isso que fui embora”, lembra. “Hoje fumo baseado e tomo um gorozinho”, diz. Ele ganha a vida lavando carros nos arredores da Praça Carlos Chagas (praça da Assembleia), no Santo Agostinho, Centro-Sul. “Às vezes, faço bico. Servente de pedreiro... O que surgir encaro”.
Ele costuma pernoitar ali perto, na Avenida Álvares Cabral. Mostra ferimentos recentes na nuca, orelha esquerda e face. “Isso foi ontem (segunda-feira). Um cara me pediu um cigarro e eu não quis dar. Um homem que estava com ele me deu uma garrafada por trás”, relata. Apesar dos riscos, prefere a rua a dormir em albergues: “Lá é muita treta, uma brigaiada. Tem neguinho que rouba mesmo, não pode ver nada dos outros”.
Na tarde de ontem, Wellington estava deitado em um colchonete no coreto da praça, acompanhado de outros moradores de rua. A seu lado, sua namorada, a ex-manicure Gabriela Vieira, de 32, na rua há um ano. “Nossa vontade é arrumar uma casa, mas não temos dinheiro. A prefeitura podia oferecer um cômodo com banheiro para todo mundo. E dar oportunidade de trabalho para a gente pagar (o imóvel) e se sustentar”, disse o rapaz.
Decepção na cidade grande
Ânderson Luiz Martins, de 40 anos, era um dos moradores de rua que, na tarde de ontem, faziam fila em frente ao albergue da Rua Conselheiro Rocha. Ele vivia com a mãe e irmãos em João Monlevade, na Região Central. Chegou a BH há seis meses, querendo melhorar de vida. “Me enganei, quebrei a cara. Só arrumo biquinho, servente de pedreiro, ajudo a descarregar qualquer coisa. É a conta de comer mesmo”, lamenta. Era a terceria vez que pernoitaria no albergue. “Prefiro dormir na rua, mas venho por causa da comida”, disse. “Dorme ladrão, maconheiro, bebum, tudo junto. Tem muito roubo. Na primeira vez, levaram minha mochila. Reclamei com os funcionários, mas não adiantou nada”.
Vigia do albergue, Paulo Roberto Flor de Maio, de 54, diz que cerca de 400 pessoas dormem no albergue a cada noite. Há quatro beliches em cada quarto. As luzes são apagadas às 21h e às 7h todos os “hóspedes” já devem ter ido embora. Paulo confirma as reclamações: “Tem gente com problema de bebida, de droga. Todo mundo tem algum problema. Quando começa briga, a gente tem de intervir. Mas aqui roubam de tudo: tênis, cueca. É muito difícil descobrir quem roubou”.