Da base móvel instalada pela Polícia Militar no quarteirão fechado da Rua Rio de Janeiro na Praça Sete, Centro de Belo Horizonte, o soldado André Murray presencia vários tipos de transgressões às leis praticadas não somente pelos artesãos, mas por outros grupos que ocupam o espaço público como se fossem donos dele. “Os hippies brigam entre si. Tem também a turma da cachaça, que fica bebendo 24 horas. Quando flagramos uso de drogas, recolhemos a pessoa e a levamos para a delegacia. Mas eles sabem que não vai acontecer nada. São liberados logo depois”, disse o soldado.
Comerciantes da Praça Sete reclamam que os artesãos nômades, muitos deles da Bolívia e do Peru, atrapalham as vendas. “Eles usam e vendem drogas e se enfrentam. A prefeitura e a polícia não conseguem mais dar jeito neles”, reclama um lojista, que pediu para não ser identificado, com medo de represálias. “Clientes, principalmente os acompanhados de crianças, se afastam da minha loja. É muito consumo de droga e briga”, queixa-se. De fato, às 14h de ontem, um grupo tomava cerveja, enrolava e fumava maconha bem em frente à loja.
Dono de restaurante no mesmo espaço, Antônio Câmara, de 54, reclama que a situação está insustentável. “A lei ampara poucos hippies, mas a prefeitura ficou desanimada e não recolhe mais nada. Virou ponto de droga. Simplesmente cruzaram os braços”, denuncia Antônio. Segundo ele, até churrasco os artesãos fazem no quarteirão fechado. “Qualquer pessoa pode arrumar seis fitinhas, amarrá-las num rolo de papel e dizer que é artesão. Não são todos os hippies, mas muitos deles consomem drogas e as vendem na frente das pessoas que passam. Meus clientes estão sumindo por causa disso”, reclama Antônio, que também reclama da sujeira. “O quarteirão virou banheiro público. O cheiro de urina é insuportável”, desabafa.
Na tarde de ontem, mais de 30 artesãos ocupavam o quarteirão fechado da Rio de Janeiro. Do outro lado da praça, o índio Biriba, de 25, da etnia pataxó, conta que há quatro meses viajou do Sul da Bahia com 14 pessoas da família para vender artesanato na Praça Sete. “No começo, a prefeitura pegava no nosso pé. Agora, deu uma aliviada e trabalhamos sossegados”, contou.
Várias mulheres também circulam pela Praça Sete com carrinhos vendendo publicações bíblicas. Um homem que se identifica como “Palhacinho Linguiça” vende material para fazer bolhas de sabão. Um idoso reunia forças para arrastar seu carrinho com água mineral e refrigerante. Na esquina com Avenida Amazonas, um homem vestido de padre, que se identifica como frei Patrício, ganha a vida lendo versos da Bíblia e medindo a pressão arterial das pessoas. “Fiz teologia, sociologia, sou religioso e faço o meu trabalho de amar o próximo. Também sou enfermeiro”, conta. Perguntado se cobra das pessoas, ele responde: “Tudo é negociado. Se a pessoa não tem condições de pagar, não cobro”. No mesmo espaço, ambulantes vendem cadarços, palmilhas para sapatos, engraxam sapatos e amolam alicates.
DISCURSO PRONTO Na Savassi, Região Centro-Sul, as árvores da Praça Diogo de Vasconcelos servem para exposição de mensageiros do vento, brincos e outras bijuterias fabricadas por quatro grupos de hippies que ocupam o lugar. Assim como na Praça Sete, os pedestres circulam em zigue-zague para desviar das mercadorias expostas no chão. “Estamos protegidos pela lei. A prefeitura tem que saber diferenciar artista de camelô. Se a prefeitura recolher nosso material ilegalmente, ela pode pagar multa de até R$ 5 mil”, disse uma mulher identificada por Nina, representante dos artesãos nômades da Savassi.
O comandante da 6ª Companhia do Centro, major Gedir Silva, disse que a fiscalização cabe à prefeitura e que a PM continua trabalhando normalmente. “Não é questão de abordagem policial. Trata-se de Código de Posturas”, reforçou. Segundo ele, prisões têm sido feitas no Centro e a PM vai continuar fazendo o seu trabalho normalmente.
A liminar expedida há um ano autorizando o trabalho de hippies e artesãos nômades deixou os fiscais da prefeitura intimidados e confusos. É o que conta, sem querer se identificar, um fiscal da Centro-Sul. “Muitas mercadorias que haviam sido apreendidas por mim na Praça Sete, de forma legal, com respaldo do Código de Posturas, tiveram que ser devolvidas logo depois da liminar”, conta. “Ficou muito mais complicado fazer qualquer tipo de ação. É muito difícil classificar o que é artesão, o que é camelô. Ficou tudo meio confuso. Temos receio de coibir e a prefeitura ser punida”, diz.
Presidente do Conselho Comunitário de Segurança Pública do Hipercentro, Lincoln Pereira Nascimento, confirma o aumento do comércio clandestino na região. “Isso vem crescendo sistematicamente”, aponta ele, que critica a liminar. “Ela degradou a ordem social. Os artesãos se aglomeram em um local feito para pessoas passarem, se sentarem para bater papo. Eles ficam desobrigados de seguir as mesmas regras que os outros. Os estabelecimentos regulares perdem muitos clientes.”