Jornal Estado de Minas

Mineiros de Ouro apresenta: receita de amor

Instituto Dona Lucinha constrói casa na Pampulha para abrigar crianças portadoras de câncer que moram no interior e fazem tratamento em BH. Projeto oferece apoio material e espiritual

Arnaldo Viana
"Sentimos necessidade de expandir nosso trabalho. Então, fizemos pesquisa em hospitais e constatamos a carência de alojamento para as crianças com câncer que vêm do interior. É uma realização muito grande poder ajudar a quem precisa de forma espontânea e com amor" - Dona Lucinha - Foto: Beto Novaes/EM/D.A Press
Quando a menina Maria Lúcia Clementino Nunes pisava as pedras irregulares das ladeiras do Serro, no fim da década de 1930 e início dos anos 1940, aventureiros ainda chegavam à cidade da Região Central de Minas, nas fraldas da Serra do Espinhaço, sonhando com ouro e diamantesJá os moradores, sabendo que o brilho dos minerais estava se apagando, passaram a se dedicar ao campo, ao gado, às artes, e o município passou a produzir um dos queijos mais cobiçados no café da manhã dos principais centros consumidores do paísE é das tradições culinárias locais que vêm a sabedoria e as realizações de Maria Lúcia.


Maria Lúcia Clementino é dona LucinhaProfessora, doceira, diretora de escola, quitandeira, vereadoraCom os olhos mais vivos do que nunca, aos 71 anos, ela resume tudo isso aí em uma preferência: “O que sou mesmo é cozinheira”Foi nos tempos de professora que passou a prestar mais atenção ao redorMocinha, não se vexava em montar e percorrer a cavalo os caminhos reais do Serro rumo às precárias escolas ruraisEnsinava o que os livros traziam e o que a sua intuição ditavaDos fogões da gente do campo colheu as técnicas simples de combinar temperos, legumes, verduras e os grãos da terra“Aprendi mais do que ensineiAchei uma cultura pronta.”

Mais do que isso

Se provou da sabedoria popular no trato com as necessidades primárias do dia a dia, pôs em prática e experimentou lições de amor e de respeito ao próximoCasou-se e teve 11 filhosNa educação deles, a importância de Lucinha ter, em vez de potes de ouro e diamantes, um baú de valores humanitários, repassados a cada um desde a tenra infânciaEssa é a razão de a família estar agora envolvida, sob o manto do Instituto Dona Lucinha, na finalização de uma casa na Pampulha para dar conforto material e espiritual a 80 crianças portadoras de câncer, com idade até 12 anos, residentes a mais de 100 quilômetros de BH e que precisem vir à capital para demorados e dolorosos tratamentos.

A dona Lucinha que a maioria conhece, a alquimista dos fogões e das panelas, jamais negou um punhado de comida a quem tem fomeDepois que abriu o primeiro restaurante em BH, na Rua Padre Odorico, não se omitia diante das pessoas maltrapilhas que reviravam o lixo em busca de sobras“É para alimentar porcos”, diziamPercebeu que era mais que isso e os olhos brilhantes se comoveramPassou a distribuir marmitas, todas as tardes, com os alimentos que antes tinham destino menos nobre no restauranteSentiu que era poucoPassou a cozinhar uma sopa e a preparar um mexido destinados especialmente aos necessitados.

“Policias militares nos orientaram a não servir mais a comida na rua do restaurante, para evitar tumultos
Então, fui ao 22º Batalhão, no Bairro Santa Lúcia, e propus a eles assumir a distribuiçãoEra uma forma também de aproximar mais a polícia da comunidade.” Deu certo“Consegui apoio do Senai e montamos uma estrutura na sede do batalhão, com cozinha e instalações adequadas ao ensino de pessoas para cuidar de idosos, a trabalhar com costura, como copeiras e outras atividades.” Estava nascendo o projeto que resultou no Instituto Dona Lucinha.

ACOLHIDA A família chega agora à sua maior realização, que será inaugurada ainda neste mêsÉ a Casa de Acolhida São José, na Alameda Ipê Branco, esquina com Avenida Antônio Carlos, Bairro São Luiz, PampulhaO imóvel, de três andares, está adaptado para receber as crianças portadoras de câncerÉ um projeto de dar inveja às áreas do poder público de assistência a necessitadosA Casa de Acolhida São José oferecerá assistência religiosa e terapêutica, biblioteca, brinquedoteca, salas de informática e de cursos especiais – como bordado, artesanato e costura – para os acompanhantes, sala de TV, auditório, cozinha industrial, refeitório, lavanderia e transporte até os hospitais.

Os hóspedes ficarão em suítes decoradas com motivos infantisOs banheiros são adaptados com barras de segurançaHá jardins internos e externos e horta de onde sairão legumes e verdurasAlém de escadas largas e seguras, os andares são interligados  por elevador

“Sentimos necessidade de expandir nosso trabalhoEntão, fizemos pesquisa em hospitais e constatamos a carência de alojamento para as crianças com câncer que vêm do interiorÉ uma realização muito grande poder ajudar a quem precisa de forma espontânea e com amorMeus avós tinham fazenda e faziam acolhidaOfereciam pouso e alimentação a quem precisava”, conta dona LucinhaO projeto é bancado pelo instituto e seu estatuto diz: “Os membros da diretoria e do conselho não serão remunerados e não haverá em seus quadros pessoas filiadas a partidos políticos”Sinal de que comer em um restaurante Dona Lucinha é mais do que satisfazer a fome e o paladarÉ, também, um ato de doação.

Serviço
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