Maria Lúcia Clementino é dona Lucinha. Professora, doceira, diretora de escola, quitandeira, vereadora. Com os olhos mais vivos do que nunca, aos 71 anos, ela resume tudo isso aí em uma preferência: “O que sou mesmo é cozinheira”. Foi nos tempos de professora que passou a prestar mais atenção ao redor. Mocinha, não se vexava em montar e percorrer a cavalo os caminhos reais do Serro rumo às precárias escolas rurais. Ensinava o que os livros traziam e o que a sua intuição ditava. Dos fogões da gente do campo colheu as técnicas simples de combinar temperos, legumes, verduras e os grãos da terra. “Aprendi mais do que ensinei. Achei uma cultura pronta.”
A dona Lucinha que a maioria conhece, a alquimista dos fogões e das panelas, jamais negou um punhado de comida a quem tem fome. Depois que abriu o primeiro restaurante em BH, na Rua Padre Odorico, não se omitia diante das pessoas maltrapilhas que reviravam o lixo em busca de sobras. “É para alimentar porcos”, diziam. Percebeu que era mais que isso e os olhos brilhantes se comoveram. Passou a distribuir marmitas, todas as tardes, com os alimentos que antes tinham destino menos nobre no restaurante. Sentiu que era pouco. Passou a cozinhar uma sopa e a preparar um mexido destinados especialmente aos necessitados.
“Policias militares nos orientaram a não servir mais a comida na rua do restaurante, para evitar tumultos. Então, fui ao 22º Batalhão, no Bairro Santa Lúcia, e propus a eles assumir a distribuição. Era uma forma também de aproximar mais a polícia da comunidade.” Deu certo. “Consegui apoio do Senai e montamos uma estrutura na sede do batalhão, com cozinha e instalações adequadas ao ensino de pessoas para cuidar de idosos, a trabalhar com costura, como copeiras e outras atividades.” Estava nascendo o projeto que resultou no Instituto Dona Lucinha.
ACOLHIDA A família chega agora à sua maior realização, que será inaugurada ainda neste mês. É a Casa de Acolhida São José, na Alameda Ipê Branco, esquina com Avenida Antônio Carlos, Bairro São Luiz, Pampulha. O imóvel, de três andares, está adaptado para receber as crianças portadoras de câncer. É um projeto de dar inveja às áreas do poder público de assistência a necessitados. A Casa de Acolhida São José oferecerá assistência religiosa e terapêutica, biblioteca, brinquedoteca, salas de informática e de cursos especiais – como bordado, artesanato e costura – para os acompanhantes, sala de TV, auditório, cozinha industrial, refeitório, lavanderia e transporte até os hospitais.
Os hóspedes ficarão em suítes decoradas com motivos infantis. Os banheiros são adaptados com barras de segurança. Há jardins internos e externos e horta de onde sairão legumes e verduras. Além de escadas largas e seguras, os andares são interligados por elevador.
“Sentimos necessidade de expandir nosso trabalho. Então, fizemos pesquisa em hospitais e constatamos a carência de alojamento para as crianças com câncer que vêm do interior. É uma realização muito grande poder ajudar a quem precisa de forma espontânea e com amor. Meus avós tinham fazenda e faziam acolhida. Ofereciam pouso e alimentação a quem precisava”, conta dona Lucinha. O projeto é bancado pelo instituto e seu estatuto diz: “Os membros da diretoria e do conselho não serão remunerados e não haverá em seus quadros pessoas filiadas a partidos políticos”. Sinal de que comer em um restaurante Dona Lucinha é mais do que satisfazer a fome e o paladar. É, também, um ato de doação.
Serviço
Acesse, compartilhe e dê sugestões de personagens
www.mineirosdeouro.com.br