Jornal Estado de Minas

BH tem lei para multar quem joga lixo na rua, mas ninguém é punido

Faltam educação e punição e sobram sujeira e desculpa nas ruas, de onde foram retiradas 28 mil toneladas de resíduos este ano. Lei que estipula multa não é aplicada

Flávia Ayer Paula Sarapu
Guimba de cigarro jogada em ponto de ônibus no Belvedere... - Foto: Angelo Pettinati/Esp.EM/DA Press


Do início do ano até hoje, a falta de educação de quem joga lixo nas ruas encheu pelo menos 4.669 caminhões em Belo Horizonte, o suficiente para ocupar quase duas vezes o estacionamento do MineirãoSão papéis, guimbas de cigarro, fezes de animais, copos plásticos e outros detritos aparentemente insignificantes varridos desde janeiro das sarjetas e calçadas e que já formaram uma montanha de 28 mil toneladas de resíduos desde janeiroOs danos de enchentes causadas por entupimento de bueiros e anos de conscientização ambiental não foram suficientes para controlar os sujõesO mau hábito persiste e cobre a cidade de resíduosO Rio de Janeiro começou a punir o comportamento no mês passado, com multas a partir de R$ 80Em BH, a lei estipula multas de R$ 960,87 aos infratores, mas não é aplicadaPara agir, a prefeitura aguarda a aprovação de projeto de lei na Câmara Municipal, que estabelece multas de R$ 100 a quem jogar lixo na rua.


A falta de educação não faz distinção de endereço e classe social, mas é mais presente no Hipercentro e outras regiões, onde os poluidores agem camuflados pela multidãoBasta observar o comportamento das pessoasNa Praça Sete, por exemplo, alguns simplesmente deixaram o papel do lanche cairOutros agiam com menos constrangimento e sujaram até os canteiros, mesmo estando a poucos passos de uma lixeira“É que hoje estou avoada, com muita coisa na cabeça”, justificou a operadora de telemarketing Camila Souza, de 29 anos, que jogou a embalagem do chocolate no passeio da Rua Espírito Santo.

... e copo de plástico jogado na Praça da Liberdade parecem insignificantes, mas causam transtornos ao se juntar a outros dejetos - Foto: Angelo Pettinati/Esp.EM/DA Press

As sarjetas vão acumulando latas, papéis de bala, panfletos, copos, tampinhas

Tudo no chão, prestes a cair em uma das 60 mil bocas de lobo da cidade e entupir o sistema de drenagem pluvialSomente este ano, a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) estima retirar 5 mil toneladas de resíduos das bocas de lobo, quantidade 13,6% maior do que o recolhido no ano passadoMas também há resíduos subindo pelas paredes, nem mesmo o orelhão escapaAnita Neta Ferreira de Matos, de 26 anos, apoiou o copo d’água para abrir a mochila, retirou a carteira e o dinheiro, fechou o zíper e deixou o lixo para trás“Esqueci mesmoPrefiro levar na bolsa a jogar no chão, porque acho muito feioMas cadê as lixeiras?”

Os pontos de ônibus são quase bota-forasNa pressa de subir no coletivo, a guimba de cigarro é lançada no passeio“Falta lixeira e aí a gente não tem outra opção”, alega o passageiro, na BR-356, em frente ao BH Shopping, no Bairro Belvedere, Região Centro-SulNa Praça da Liberdade, também na Centro-Sul, a dupla de amigos joga o guardanapo tranquilamente no chão do cartão-postal e a idosa deixa as fezes do cachorro no canteiro como se a praça fosse banheiro público
Perto dali, nos arredores da Avenida João Pinheiro, outros sujões jogam copos e guimbas de cigarro nas calçadas.

Um lixão no Bairro São Cristóvão, na Região Noroeste, se forma na esquina em que moradores despejam dejetos domésticosNos jardins da Praça Doutor Lucas Machado, no Bairro Santa Efigênia, na área hospitalar, não há floresOs canteiros são ocupados por todo tipo de resíduo“O pessoal é porco mesmo, joga tudo no chão, até fralda de bebêOs ratos quase carregam a gente aqui”, afirma Irani Tomázia Pereira, de 52 anos, funcionária de uma banca na praça, ao lado da Santa Casa

Tanta sujeira surpreende até os garis: “É tristeA gente vê de tudo: papel demais, fralda de neném, fezes, marmita, resto de comida, animais mortos”, conta Rosemar Maria, de 34 anosEla e o colega Ricardo Dias, de 35, limpam quarteirões no entorno da Avenida Amazonas, Rua dos Tupinambás e Avenida Afonso Pena, no CentroEles são da terceira equipe que passa nesses locais diariamente“Nem parece que a gente limpou, porque rapidinho suja tudo”, diz RicardoRosemar aproveita para dar o recado: “Gostaria que as pessoas compartilhassem a limpeza da cidade”.

SUJEIRA HISTÓRICA Na avaliação da coordenadora do programa Limpa Brasil, Marta Rocha, que incentiva ações de limpeza das cidades, o mau costume é histórico“Independentemente do nível socioeconômico, o brasileiro joga lixo na rua há 500 anos, pois tem a rua como um lugar que não lhe pertenceEm uma de nossas ações, tiramos 29 sofás do Lago Paranoá, em BrasíliaSe estavam lá, é porque alguém jogou”, dizNeste ano, a SLU retirou mais de 200 caçambas de lixo e entulho nos córregos em BH.

Os impactos da falta de educação afetam diretamente o meio ambiente“Os materiais vão para o sistema de drenagem pluvial, podem entupir dutos e canalizações, assoreiam cursos d’água e contribuem para inundações”, alerta o engenheiro sanitarista e professor da PUC Minas Hiram Sartori“Quem joga lixo na rua não vê a distinção entre lixo e o asfalto e enxerga o patrimônio público como algo de ninguém”, completa

Protagonista do filme Lixo extraordinário, indicado ao Oscar, o catador Tião Santos, representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis do Rio de Janeiro, vai além: “O lixo interfere na marginalização e depredação do próprio local”Para ele, a mudança só ocorrerá com educação“Existe um grande preconceito das pessoas em relação ao lixoÉ uma questão de educação que envolve também o engajamento da população na reciclagem”, diz

- Foto: Angelo Pettinati/Esp.EM/DA Press