Do início do ano até hoje, a falta de educação de quem joga lixo nas ruas encheu pelo menos 4.669 caminhões em Belo Horizonte, o suficiente para ocupar quase duas vezes o estacionamento do Mineirão. São papéis, guimbas de cigarro, fezes de animais, copos plásticos e outros detritos aparentemente insignificantes varridos desde janeiro das sarjetas e calçadas e que já formaram uma montanha de 28 mil toneladas de resíduos desde janeiro. Os danos de enchentes causadas por entupimento de bueiros e anos de conscientização ambiental não foram suficientes para controlar os sujões. O mau hábito persiste e cobre a cidade de resíduos. O Rio de Janeiro começou a punir o comportamento no mês passado, com multas a partir de R$ 80. Em BH, a lei estipula multas de R$ 960,87 aos infratores, mas não é aplicada. Para agir, a prefeitura aguarda a aprovação de projeto de lei na Câmara Municipal, que estabelece multas de R$ 100 a quem jogar lixo na rua.
A falta de educação não faz distinção de endereço e classe social, mas é mais presente no Hipercentro e outras regiões, onde os poluidores agem camuflados pela multidão. Basta observar o comportamento das pessoas. Na Praça Sete, por exemplo, alguns simplesmente deixaram o papel do lanche cair. Outros agiam com menos constrangimento e sujaram até os canteiros, mesmo estando a poucos passos de uma lixeira. “É que hoje estou avoada, com muita coisa na cabeça”, justificou a operadora de telemarketing Camila Souza, de 29 anos, que jogou a embalagem do chocolate no passeio da Rua Espírito Santo.
As sarjetas vão acumulando latas, papéis de bala, panfletos, copos, tampinhas. Tudo no chão, prestes a cair em uma das 60 mil bocas de lobo da cidade e entupir o sistema de drenagem pluvial. Somente este ano, a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) estima retirar 5 mil toneladas de resíduos das bocas de lobo, quantidade 13,6% maior do que o recolhido no ano passado. Mas também há resíduos subindo pelas paredes, nem mesmo o orelhão escapa. Anita Neta Ferreira de Matos, de 26 anos, apoiou o copo d’água para abrir a mochila, retirou a carteira e o dinheiro, fechou o zíper e deixou o lixo para trás. “Esqueci mesmo. Prefiro levar na bolsa a jogar no chão, porque acho muito feio. Mas cadê as lixeiras?”
Os pontos de ônibus são quase bota-foras. Na pressa de subir no coletivo, a guimba de cigarro é lançada no passeio. “Falta lixeira e aí a gente não tem outra opção”, alega o passageiro, na BR-356, em frente ao BH Shopping, no Bairro Belvedere, Região Centro-Sul. Na Praça da Liberdade, também na Centro-Sul, a dupla de amigos joga o guardanapo tranquilamente no chão do cartão-postal e a idosa deixa as fezes do cachorro no canteiro como se a praça fosse banheiro público. Perto dali, nos arredores da Avenida João Pinheiro, outros sujões jogam copos e guimbas de cigarro nas calçadas.
Um lixão no Bairro São Cristóvão, na Região Noroeste, se forma na esquina em que moradores despejam dejetos domésticos. Nos jardins da Praça Doutor Lucas Machado, no Bairro Santa Efigênia, na área hospitalar, não há flores. Os canteiros são ocupados por todo tipo de resíduo. “O pessoal é porco mesmo, joga tudo no chão, até fralda de bebê. Os ratos quase carregam a gente aqui”, afirma Irani Tomázia Pereira, de 52 anos, funcionária de uma banca na praça, ao lado da Santa Casa.
Tanta sujeira surpreende até os garis: “É triste. A gente vê de tudo: papel demais, fralda de neném, fezes, marmita, resto de comida, animais mortos”, conta Rosemar Maria, de 34 anos. Ela e o colega Ricardo Dias, de 35, limpam quarteirões no entorno da Avenida Amazonas, Rua dos Tupinambás e Avenida Afonso Pena, no Centro. Eles são da terceira equipe que passa nesses locais diariamente. “Nem parece que a gente limpou, porque rapidinho suja tudo”, diz Ricardo. Rosemar aproveita para dar o recado: “Gostaria que as pessoas compartilhassem a limpeza da cidade”.
SUJEIRA HISTÓRICA Na avaliação da coordenadora do programa Limpa Brasil, Marta Rocha, que incentiva ações de limpeza das cidades, o mau costume é histórico. “Independentemente do nível socioeconômico, o brasileiro joga lixo na rua há 500 anos, pois tem a rua como um lugar que não lhe pertence. Em uma de nossas ações, tiramos 29 sofás do Lago Paranoá, em Brasília. Se estavam lá, é porque alguém jogou”, diz. Neste ano, a SLU retirou mais de 200 caçambas de lixo e entulho nos córregos em BH.
Os impactos da falta de educação afetam diretamente o meio ambiente. “Os materiais vão para o sistema de drenagem pluvial, podem entupir dutos e canalizações, assoreiam cursos d’água e contribuem para inundações”, alerta o engenheiro sanitarista e professor da PUC Minas Hiram Sartori. “Quem joga lixo na rua não vê a distinção entre lixo e o asfalto e enxerga o patrimônio público como algo de ninguém”, completa.
Protagonista do filme Lixo extraordinário, indicado ao Oscar, o catador Tião Santos, representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis do Rio de Janeiro, vai além: “O lixo interfere na marginalização e depredação do próprio local”. Para ele, a mudança só ocorrerá com educação. “Existe um grande preconceito das pessoas em relação ao lixo. É uma questão de educação que envolve também o engajamento da população na reciclagem”, diz.