Gustavo Werneck e Juliana Ferreira
Na manhã de ontem, na Praça Duque de Caxias, ponto de efervescência do bairro, havia poucos moradores circulandoMas quem passou por lá até por volta das 11h30 viu o resultado da noite anterior, quando ocorreu a edição do Jazz Festival Brasil, dedicada à guitarra e com público de cerca de 3 mil pessoas“Nada contra o evento, muito pelo contrárioMas, até esse horário, a prefeitura já deveria ter limpado o espaço público, que fica inviabilizado”, disse Lincoln, que integra o movimento Salve Santa TerezaA imundície era completa, com garrafas de vidro nos passeios, bueiros cobertos de garrafas PET, papéis e outros resíduos.
O presidente da Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza, Ibiraci José do Carmo, afirma que a pressão imobiliária se tornou realidade“Santa Tereza sempre resistiu e ficou protegido, pois é amparado por lei municipal aprovada em 1993
O dirigente da associação crê que a construção da torre de 85 andares, que, mesmo não estando dentro da ADE, poderá levar reflexos negativos ao bairroOutro motivo de preocupação diz respeito à Rua Conselheiro Rocha, “que liga o nada a lugar algum”Ibiraci diz que a prefeitura quer desapropriar a área, com prejuízo para o comércio e casas, “mas há outras opções mais viáveisO bairro quer suas tradições preservadas e não deve ter essa passagem”
A proprietária da pizzaria, Maria Geralda Carvalho, moradora há 41 anos do bairro e dona do empreendimento há 17, acredita que os projetos sejam para o futuro“Acho que isso não vai ser por agora, e vai demorar mais uns 15, 20 anosMas já vimos técnicos medindo a rua“Tudo isso só vai diminuir o clima do bairro, que é o mais tranquilo da cidadeAqui, você encontra de tudo e ainda tem a boemiaSempre paro para olhar o pessoal sentado na pracinha”, diz a comercianteIrmão do dono do Bar do Orlando, José Agostinho Siqueira ressalta que “querem desapropriar tudo, acham que asfalto é melhor”Satisfeito com a tranquilidade do bairro, critica o projeto de alargamento da via pública“Não sei para quê, se já tem a Avenida dos AndradasQue diferença vai fazer alargar a Conselheiro Rocha? O local guarda a históriaE como vamos fazer para passá-la às futuras gerações?”, questiona.
Escola
Outro ponto polêmico está na transformação do mercado distrital, desativado há anos, em escola profissionalizante para o setor automotivo, tendo à frente o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), vinculado à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg)Ibiraci explica que “alguns não querem a unidade educacional por afetar a ADE, que engloba o bairro inteiro”A proposta da prefeitura, acrescenta, é pôr a Fiemg lá e usar o colégio estadual para aulas teóricas, enquanto no galpão do mercado haveria a parte prática do ensino“Em toda a área externa seriam feitas pistas de cooper e de skate e espaço para educação físicaAs intervenções se dariam apenas no galpão do mercadoJovens e adolescentes sairiam de lá empregados”, pondera.
O presidente da Fiemg, Olavo Machado, diz que a instituição vai respeitar a decisão da comunidade“Se os moradores do bairro não quiserem a escola no Mercado Distrital, nós vamos fazê-la em outra localidade da capitalJá estamos estudando alternativasPor enquanto, a comunidade de Santa Tereza está sendo consultada por meio de audiências públicas e não há previsão de quando a escola será implantada.”
Flexibilização da lei
O Conselho Municipal do Meio Ambiente de Belo Horizonte (Comam) já aprovou parecer para que seja avaliada a flexibilização da lei que transformou o bairro em Área de Diretrizes Especiais (ADE)A alteração é necessária para que o Mercado Distrital de Santa Tereza seja transformado em escola do SenaiPela lei, esse tipo de empreendimento pode ocupar uma área de, no máximo, 400 metros quadrados, quando o mercado tem 6 mil metros quadrados, incluindo o estacionamentoA ADE de Santa Tereza foi regulamentada pela Lei 8.137/2000 e determina que, pelas características ambientais e da ocupação histórico-cultural do bairro, haja adoção de medidas especiais para proteger e manter o uso predominantemente residencial
Quem saiu da missa, na manhã de ontem, na Igreja de Santa Tereza e Santa Terezinha, na Praça Duque de Caxias, deu de cara com a imundície: lixo por todo canto, inclusive encobrindo bocas de lobo nas esquinasNinguém reclamou da festa na noite anterior, mas muitos lamentaram a demora na limpeza do espaço público, que começou somente depois de meio-dia“A população também deve se conscientizar e não sujar a praçaEste lugar é um ponto cultural por natureza”, diz o professor de filosofia e poeta Diógenes Miquelão Aquino, residente em Santa Tereza desde 2005“Já morei em outros bairros de BH, mas este foi o melhor que encontreiSó tenho medo da verticalização, de que aqui vire um Buritis.”
Nascida e criada em Santa Tereza, a balconista Regina Célia Honório, de 49 anos, também defende a integridade do bairro e sua preservação“Estamos sob pressão e as tradições precisam ser mantidas”, observaO comerciante Nivaldo Bicalho, do Mercadinho Bicalho, na Praça Duque de Caxias, diz que não se pode frear a evolução dos tempos“Santa Tereza tem história parecida com os bairros Floresta e Santa Efigênia, merece um trato especial”, afirma Nivaldo, certo de que, quase ao meio-dia, a praça já poderia estar limpa e pronta para o lazer dos moradores.
HISTÓRIA O bairro recebeu o nome de Santa Tereza em 1928, em homenagem à igreja na Praça Duque de CaxiasConsiderado reduto boêmio da cidade e lugar preferido de artistas, que encontravam na noite inspiração para compor, o local ficou conhecido graças às casas de serestas e baresTiveram passagem pelas mesas do Bar do Bolão, que serve o suculento mexido chamado Rochedão, os integrantes do Clube da Esquina e as bandas Skank e SepulturaAlém da seresta, o carnaval representa grande atrativo e, nos últimos três anos, os bloquinhos fazem a festa do reinado de Momo, sem falar, claro, na tradicional Banda Santa, que arrasta multidões uma semana antes da folia.
QUATRO PONTOS POLÊMICOS
» MERCADO DISTRITAL
Proposta de transformação do Mercado Distrital de Santa Tereza, desativado há anos, em escola profissionalizante para o setor automotivo, do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), vinculado à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg)
» RUA CONSELHEIRO ROCHA
O tradicional Bar do Orlando poderá mudar de endereço, depois de
33 anos no localO motivo é a
possível desapropriação do estabelecimento para alargamento da Rua Conselheiro Rocha
» BOLÃO
O Bar do Bolão, um dos mais tradicionais pontos boêmios de BH, está perto de mudar de endereçoA disputa milionária pela compra do imóvel, que há quase meio século abriga o bar, na Praça Duque de Caxias, caminha para o desfechoA negociação se arrasta desde junho de 2011O prédio poderá virar um casarão cultural
» TORRE
Mesmo estando fora da Área de Diretrizes Especiais (ADE) de Santa Tereza, o projeto de construção de uma torre de 85 andares e 350 metros de altura, na Avenida dos Andradas, poderá ter efeitos negativos no bairro