Jornal Estado de Minas

Emoção à flor da tela

Cine Brasil reabre as portas no dia 9 com exposição de painéis monumentais de Portinari

Guerra e paz, de Candido Portinari, é montado na capital. Público pode ver ainda conjunto de estudos do artista para as peças

Gustavo Werneck
Montagem dos murais, que vieram de São Paulo, termina hoje no centro cultural da Praça Sete. Painéis tem 14m de altura e 10m de largura - Foto: Leandro Couri/EM/D.A Press

 

Os mineiros vão assistir a uma exposição que encanta os olhos do mundo, emociona todos os povos e tem o poder de unir, em obras de arte, tempos de guerra e pazSerá aberta no dia 9 – e vai até 24 de novembro – no Cine Theatro Brasil Vallourec, na Praça Sete, no Centro de Belo Horizonte, a mostra dos dois painéis que Candido Portinari (1903-1962) fez na década de 1950 para a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, Estados UnidosA montagem de Guerra e paz, que inaugura o novo centro cultural da capital, deve terminar hoje, depois de três de trabalho“É uma operação complexa, que exigiu também logística de transporte especial de São Paulo a BH, com uso de três caminhões”, disse ontem a diretora-executiva do Projeto Guerra e Paz, Maria Duarte, atenta a todos os detalhes de instalação dos murais no palco do cine-teatro de 1 mil lugares.

Veja a galeria de fotos


Não é à-toa que a obra é chamada de monumentalCada mural tem 14m de altura e 10m de largura e, na tarde de ontem, equipes de 30 pessoas davam forma à obra-prima pintada a óleo sobre compensado navalNo total, são 28 placas cobrindo uma superfície de 280 metros quadrados, maior, conforme os estudiosos, do que o Juízo Final concebido por Michelangelo para a Capela Sistina, no Vaticano

A montagem por si só já é um espetáculo – e chega a arrepiarDepois de retiradas das caixas, as placas, cada uma com 2,2m de altura por 5m de largura e pesando 75 quilos, são cuidadosamente colocadas sobre uma mesa e verificadas pelos especialistas Edson Motta Júnior e Cláudio Valério Teixeira, também responsáveis pela restauração dos painéis no Rio de Janeiro, em 2010Eles checam as peças, conferem se há fungos e chegam a cheirá-las, num cuidado que impressiona os leigos.

BELEZA A etapa seguinte parece um balé, embora tudo seja fruto do treino e técnicaDois grupos de homens, dispostos dos dois lados da mesa, levantam a placa e depois a conduzem, em sincronia, até a estrutura de metal, feita especialmente para a exposiçãoAli, outra equipe está a postos para recebê-las e encaixá-las, usando equipamentos de segurança que parecem de alpinistas

Por volta das 15h, o painel Guerra já estava quase totalmente pronto, enquanto Paz chegava perto da metadeOlhando o serviço, impossível não pensar que a paz realmente demora mais para ser construída e que a arte imita a vida

A montagem da exposição, iniciada segunda-feira, foi ótima oportunidade para ver a beleza do novo centro cultural, cujo prédio em estilo art-déco, agora com linhas bem realçadas pela restauração, abriu pela primeira vez sua bilheteria e portas em 14 de julho de 1932Maria Duarte destacou que a casa foi a única, pelo altura do pé direito, em condições de receber os painéis de Portinari

Apesar de os painéis estarem no Brasil desde 2010 e terem sido expostos no Rio e São Paulo, a mostra em BH será a maior no país, diz Maria DuarteSerão mostrados também, em outro andar, dezenas de estudos feitos por Portinari para produzir as obras“Nem o próprio pintor teve a chance de ver todo este material em seu conjunto”, diz o fundador e diretor-geral do Projeto Portinari, João Candido Portinari, responsável pelo Projeto Guerra e PazDepois da passagem por BH, os painéis serão expostos em Paris, na França, antes de serem devolvidos à ONU em junho de 2014.

Serviço
Exposição: Guerra e paz, de Candido Portinari
Local: Cine Theatro Brasil Vallourec, Praça Sete, BH.
Data: 9 de outubro a 24 de novembro
Horário: Sessões para 400 pessoas a cada hora, entre as 10h e as 19hEntrada gratuita


Interação e criatividade

Vencedora do prêmio de melhor exposição de 2012 pela Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), Guerra e Paz  ocupará todos os espaços do Cine Theatro Brasil Vallourec
O acesso a partir do dia 9 será feito por meio de sessões, de hora em hora, com capacidade cada uma para 400 pessoasA primeira será às 10h e a última às 19h, já que o local fechará às 20h A entrada gratuita será por ordem de chegada, sem retirada prévia de senhaAntes de apreciar a beleza dos monumentais painéis, o público assistirá a um vídeo de 10 minutos sobre a história e o processo criativo de Portinari na elaboração dos painéisEscolas devem marcar visitas no site educativo@portinari.org.br.

No Salão de Eventos, no sexto andar do edifício, serão expostos mais de 60 estudos preparatórios para a produção dos murais elaborados entre 1952 e 1956 – obras, coleções internacionais particulares, desde pequenos esboços a lápis sobre papel a grandes estudos a óleo sobre madeira, merecem destaque na mostraTambém nesse piso, o público terá a chance de conhecer mais sobre a história de Candido Portinari, por meio de uma centena de documentos históricos, como cartas, fotos, jornais de época, depoimentos e objetos pessoais

E tem mais: haverá destaque para as obras interativas Templo Portinari, que apresenta a relação do pintor com grandes nomes da intelectualidade nas décadas de 1920 a 1950, entre eles o presidente Juscelino Kubitschek, o arquieto Oscar Niemeyer e o poeta e escritor Carlos Drummond de Andrade, além do Carrossel Raisonné, que conta com 5 mil obras, organizadas de forma cronológica, desde a primeira pintura feita por Portinari aos 11 anos até a última, inacabada“O acervo do Projeto Portinari não se restringe à vida do pintor, mas ao retrato de uma épocaÉ um trabalho precioso, exemplo internacional, de conservação e difusão da história por meio da arte”, destaca Maria Duarte..

RELEITURAS A galeria do quinto andar será dedicada às releituras de Guerra e Paz feitas por outros artistasSão três grandes esculturas em bronze produzidas pelo artista plástico mineiro Sérgio Campos e 20 telas bordadas pela Família Dummond, de BrasíliaJá o foyer superior conta com estrutura para receber crianças e adolescentes de escolas públicas e privadas que visitam a exposição por meio do programa educativoNo teatro para 200 lugares, no andar térreo, serão exibidos vídeos históricos do acervo do Projeto Portinari

A concretização do projeto só foi possível com o investimento financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)A realização da exposição em BH é fruto da parceria entre Vallourec e Projeto Portinari e apoio da ONU e dos ministérios das Relações Exteriores e da Cultura.


MEMÓRIA: Poeta dos murais

Candido Portinari nasceu em 30 de dezembro de 1903 no interior de São Paulo, passou a infância em Brodowski e, aos 15 anos, foi para o Rio de Janeiro, com papel e cores em punhoSem curso primário completo e à custa de muita obstinação e talento, tornou-se um dos mais famosos pintores das AméricasCom sua morte prematura, aos 58 anos, deixou um legado de mais de 5 mil murais, afrescos e painéis, pinturas, desenhos e gravuras, que representam, segundo pesquisadores, uma síntese crítica de todos os aspectos da vida brasileiraO pintor esteve sempre às voltas com o contraponto entre o drama e a poesia, evoluindo no tempo, do regional para o universalQuando recebeu o convite para fazer os painéis Guerra e Paz, Portinari já estava proibido de pintar pelos médicos, que tentavam amenizar o processo de envenenamento pelas tintasMas ele não recuou ao desafio e ao maior trabalho de toda a sua vidaMorreu em 6 de fevereiro de 1962.


UM PRESENTE PARA A ONU

Presente do governo brasileiro à sede das Organizações das Nações Unidas (ONU), em Nova Iorque, os painéis Guerra e Paz foram encomendados a Portinari no fim de 1952Contrariando as recomendacões médicas, pois estava proibido de pintar por sintomas de intoxicação, o artista aceitou o conviteE por quatro anos, no auditório da TV Tupi, no Rio, trabalhou com afinco na elaboração de 180 estudos, esboços e maquetes para os muraisEm 5 de janeiro de 1956, Portinari os entregou ao ministro das Relações Exteriores, Macedo Soares, para a doacão a ONUMas ninguém havia visto Guerra e Paz em sua plenitude, nem mesmo o artistaComeçou, então, um movimento público e um grupo de intelectuais apelou ao Itamaraty para que os painéis fossem expostos no Brasil antes do irem para os EUAAssim, os brasileiros tiveram a chance de ver a obra-prima no Teatro Municipal do Rio.