Bastaram apenas 24 horas para que um jogo de videogame, esperado por milhões de jovens no mundo inteiro, vendesse o equivalente a US$ 800 milhões. O fenômeno Grand theft auto V, a quinta versão do GTA, foi lançado no Brasil a menos de um mês do Dia das Crianças, causou uma grande expectativa nos pequenos e muitos questionamentos pelos pais. É um jogo excessivamente violento? Especialistas respondem que ele apresenta, sim, cenas inadequadas para crianças e até adolescentes e é preciso um acompanhamento de perto pela família.
Do tipo jogo de mundo aberto, o GTA apresenta ao jogador três protagonistas, segundo descreve a Rockstar Games, empresa detentora da marca: Franklin, um malandro que busca oportunidades de ganhar dinheiro; Michael, ex-assaltante profissional; e Trevor, um maníaco violento. Juntos, eles aplicam golpes diversos e o usuário pode estar no três papéis, participando de todas histórias. Mas o que permeia as narrativas construídas pelo jogador é um mundo de prostituição, armas, mortes. Analisado e autorizado pelo Ministério da Justiça em julho, o GTA V recebeu a classificação indicativa “não recomendado para menores de 18 anos”. A justificativa do MJ: conteúdo sexual, drogas e violência.
Segundo Thiago Strahler Rivero, pesquisador colaborador do Laboratório Integrado em Neuropsicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do Neuro Games, rede de pesquisadores de videogame, educação, saúde e neuropsicologia, a prática precisa ser gerenciada pelos pais, mas não proibida, respeitando a idade correta. “Um dos pesquisadores do grupo terminou o jogo e concluiu que não é para criança mesmo. Não tem conteúdos que se pode acessar sem ter o pai ou a mãe perto, o adolescente muitas vezes não sabe lidar com aquilo que se depara ali. Por outro lado, é importante jogar mediando o aprendizado, ou seja, os pais têm que explicar que é um jogo, que não é legal, que tem consequências. As pessoas do jogo só dão errado porque tomam decisões erradas, e isso é um aprendizado”, explicou.
Depois de um dilema, a administradora de empresas Juliana Fonseca Lacerda, de 38 anos, decidiu, enfim, comprar ontem a última versão do GTA para presentear o filho Pedro Henrique, de 10, no Dia das Crianças. “O jogo tem três personagens, dois bandidos e um empresário que compra carros, joga tênis. Só autorizarei o Pedro a incorporar o personagem do empresário”, afirma Juliana. Antes de tomar essa decisão, ela analisou bastante o perfil do filho.
“Ele é maduro e sei que não vai desobedecer. Vou administrar bastante isso. Ele já jogou o GTA IV e cumpria as missões sem usar violência”, diz. Apenas no intervalo em que estava na loja viu outras 10 pessoas comprarem o game. “Acho que o interesse tão grande pelo jogo é porque ele retrata essa realidade violenta em que estamos vivendo. Todo mundo tem curiosidade de conhecer esse universo. Quando um banco é assaltado, por exemplo, vários curiosos se juntam para ver como ocorreu”, ressalta.
CONTROLE O estudante Homero Gondim, de 15, foi apresentado ao GTA há cerca de cinco anos. Gostou tanto que desde então já jogou pelo menos três versões e ganhou o último lançamento de aniversário. Os pais permitem, mas não concordam. “Ao mesmo tempo em que tento controlar, vejo que ele gosta muito de tecnologia e tem idade suficiente para discernir o certo do errado. Estamos sempre em diálogo sobre a violência e não notei qualquer alteração em seu perfil”, ressalta a mãe dele, Marcélia Gondim, de 36, que é professora e nota a disseminação do game entre os alunos. “As orientações que dou em casa repito em sala de aula”, ressalta.
Homero calcula chegar ao fim do GTA V em três meses e tem amigos que zeraram o jogo em quatro dias. E por quê a febre pelo game? “Há uma publicidade enorme em torno do jogo e a última versão é perfeita. É interessante porque te dá muitas possibilidades de fazer coisas que a gente não pode fazer na vida real, desde esportes como golfe até tiro”, conta o garoto, que, no jogo, já comandou um assalto a bancos, roubo de carros e tiroteio contra policiais. “É uma vida totalmente virtual. Sei que não vai ter nenhuma consequência, é um divertimento”, diz Homero, que joga apenas nos fins de semana.
Na casa de Letícia Caldas, de 36, mãe de João Lucas, de 10, e Miguel, de 3, jogos violentos, incluindo o GTA, são vetados. O último aparelho que deu para o filho mais velho veio acompanhado de vários games, entre eles o GTA, transferido imediatamente para a prateleira de jogos proibidos, a contragosto de João Lucas. “Ele é doido para jogar, fala que todo mundo tem, mas eu não deixo de jeito nenhum. Acho que isso estimula a violência e a criança vai crescendo pensando que é normal. Nesse mundo tão complicado, se os pais deixam o menino correr solto, depois só piora”, afirma Letícia.
Tempo de jogo deve ser dosado
Há uma polêmica em torno dos jogos de videogame. A dependência que ele pode gerar é uma doença? Recentemente, quase 300 pesquisadores de todo o mundo assinaram uma declaração informando que ainda não há estudos ou artigos científicos capazes de comprovar isso. Mas o que todos concordam é que o tempo dedicado ao game precisa ser dosado. E os mais jovens ainda não sabem gerenciar ou ter o controle desse cotidiano. “A grande questão que preocupa é não saber ainda o efeito e, por isso mesmo, é preciso ser cauteloso. Proibir de jogar é proibir de aprender, mas o discurso é quanto tempo se deve jogar”, disse Thiago Strahler Rivero, pesquisador colaborador do Laboratório Integrado em Neuropsicologia da UFMG.
Para o educador e pedagogo Júlio César Furtado, a criança não pode ficar entregue ao jogo e precisa ser acompanhada de perto. E mais que isso: “Precisa ter valores, saber o que é certo e errado”. Ele avalia o GTA V como perigoso, principalmente se o jogador não tiver um contravalor muito bem estruturado. “Os pais devem parar para pensar muito antes de alimentarem seus filhos com um jogo dessa natureza. Por outro lado, para as crianças que são bem orientadas, mas são violentas, o game pode ser uma válvula de escape. Ele concretiza virtualmente algo que não faz mal naquele ambiente, é como se o colocasse em um judô ou caratê”, disse.
Já o professor do curso de Cinema de animação e artes digitais da Escola de Belas Artes da UFMG Chico Marinho, que é jogador de diversos games e acompanhou o contato dos dois filhos com esse universo, o jogo tem violência, mas não provoca a violência nas pessoas. Ele aponta aspectos positivos com que o jovem se depara em um game, como cumprimento de tarefas, se organizar intelectualmente, se tornar pró-ativo para resolver problemas. O jogo também trabalha o emocional, estimula o raciocínio lógico e possibilita a sociabilidade, além de divertir. Segundo ele, jogos já são usados para tratar quem apresenta transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), por ajudar na concentração. “Meus filhos aprenderam outras línguas jogando on-line, ao se comunicarem com pessoas de outros países. Acho que há muito ganho”, afirmou.
FIQUE ATENTO
Games que exigEM ATENÇÃO dos pais, SEGUNDO ESPECIALISTAS
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Com enredos polêmicos, o GTA foi lançado em 1997 e não parou de evoluir. A série apresenta um mundo aberto onde o jogador pode cumprir missões ou se divertir com várias atividades ilegais, como roubar carros ou cometer uma chacina.
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Série de jogos de ficção centrada em uma batalha travada entre assassinos e templários ao longo da história da humanidade.
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Jogo feito a partir da guerra pelo controle do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Trava uma batalha entre policiais e traficantes.
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Os primeiros jogos da série estão ambientados na Segunda Guerra Mundial e sempre focados em conflitos com muito sangue, tiros, amputações e incinerações.
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O primeiro título da série foi lançado em 1992 e se baseia em jogos de luta. Grande parte da fama se deve às finalizações, que são movimentos usados somente no fim de cada luta, como o Fatality, a mais violenta delas.