Quatro séculos de perdas, dilapidação do patrimônio cultural e empobrecimento da históriaLevantamento inédito feito pelo Ministério Público de Minas Gerais mostra que a subtração (furto, roubo, apropriação indébita, estelionato e alienação ilícita) de peças sacras de igrejas e capelas do estado começou ainda no século 18“Já foram levadas milhares de imagens e outros objetos religiosos de valor inestimávelMinas perdeu 60% dos seus bens, ou seja, de cada 10, seis não estão mais aqui”, afirma o coordenador das promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), Marcos Paulo de Souza Miranda, que esteve à frente da pesquisaEsta semana, a instituição lança campanha para tentar localizar a imagem de Nossa Senhora do Bonsucesso (século 18), de Serranos, no Sul de Minas, furtada há quase 20 anosA comunidade local mantém a esperança de encontrar a padroeira.
O primeiro furto registrado na história do estado ocorreu em 5 de outubro 1789, na Matriz de Nossa Senhora do Pilar, hoje catedral-basílica, em São João del-Rei, na Região do Campo das VertentesNão custa lembrar que naquele ano, em Vila Rica, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, liderava a Inconfidência MineiraPelo documento, o escravo João Castanho furtou “as lâmpadas (candelabro) de Nossa Senhora do Terço e de Santana”Foi preso e condenadoMais tarde, em 27 de abril de 1808, o alvo de ataque foi a matriz de Campanha, no Sul de Minas, da qual foi levado o lampadário de prataO responsável também foi preso, indicando que, da mesma forma que havia o delito, vinham a procura e punição.
“Era o metal pelo metalAs imagens de santos ainda não eram valorizadas como antiguidade e não tinham o valor que ganharam com o tempo”, explica o pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Olinto Rodrigues dos Santos Filho, que trabalha em TiradentesEle destaca que não só as igrejas de Minas, mas de todo o mundo, sempre estiveram na mira dos bandidosMesmo que a maioria dos crimes tenha prescrito, a obrigação de reparação do dano (retorno da peça ao local de origem) não perde a validade.
Valorização
A imagens barrocas passaram a ser cobiçadas na década de 1920, especialmente depois da realização da Semana de Arte Moderna (1922), em São Paulo (SP), quando participantes como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e grandes intelectuais valorizaram o espírito de nacionalidade e enalteceram a obra de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814)Dali em diante, a situação descambou“Os saques se tornaram tão frequentes, que, em 1926, o clero mineiro divulgou nas paróquias uma carta pastoral alertando os padres para a alienação ilícita dos bens das igrejas e paróquias”, destaca Marcos Paulo.
“Naquela época, houve grande visibilidade, mas não havia a menor estrutura de segurança, como vigilância das igrejas e policiamento”, diz o promotor de Justiça“A carta pastoral do clero mineiro já representava um ‘puxão de orelhas’ nos religiosos, para que tomassem conta dos bens.” Preocupado com a situação, o primeiro presidente do Iphan, Rodrigo de Melo Franco de Andrade (1898-1969) escreveu artigo divulgado na imprensa em 1936: “É fato sabido de todos que andam ‘gringos’ no interior de Minas, São Paulo, Bahia e estado do Rio comprando a preços irrisórios peças de mobiliário e objetos de arte para os colecionadores estrangeiros”
Resgate
As autoridades ainda não registraram nenhum roubo de peças sacras este anoDe 1964 até 2012, segundo o levantamento do CPPC, há 700 bens desaparecidos de igrejas, capelas, museus, cemitérios, prédios públicos e outros locaisDesse total, 523 têm identificação do ano (veja gráfico), enquanto os demais estão cadastrados no banco de dados da instituição, embora sem a data do sumiçoA mudança no panorama e conscientização só ganhou força a partir de 2003, com o início da luta pela preservação do patrimônio cultural de MinasNaquele ano, houve o resgate emblemático de três anjos barrocos pertencentes ao Santuário de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que iam a leilão em uma galeria de arte no Rio de Janeiro, e também centenas de outras peças encontradas em antiquários e em poder de colecionadoresO efeito imediato foi a divulgação da educação patrimonial, principalmente nas escolas.
Furtos históricos
1789 – Em 5 de outubro, o escravo João Castanho furta as lâmpadas de Nossa Senhora do Terço e de Santana da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em São João del-Rei, na Região do Campo das VertentesFoi preso e condenado
1808 – Em 27 de abril, furto do lampadário de prata na igreja matriz de Campanha, no Sul de MinasO responsável pelo crime foi preso
1811 – Em 22 de maio, logo depois da Semana Santa, foi furtado o lampadário de prata do altar de Nossa Senhora da Conceição, da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em São João del-ReiNão houve identificação do responsável
1838 - Jornal do Commércio, do Rio de Janeiro, noticia furto na matriz de Itaverava, na Região CentralA quadrilha, que havia atuado em Congonhas e Catas Altas, foi descoberta e presa em Ubá
1849 –Em 30 de outubro, o escravo Idelfonso furtou peças na Matriz de Nossa Senhora do Rosário, em São João del-Rei
1865 – Em 9 de abril, Joaquim Neri Ferreira furtou uma peça de prata da Matriz de São João del-ReiO objeto foi repassado a Raimundo Januário de Almeida, que o destruiu e vendeu os pedaços em TiradentesJoaquim foi preso e condenado a dois anos e um mês de prisão
1875 –Em Piedade do Rio Grande, na Região do Campo das Vertentes, Antonio Malaquias Pinto arrombou a igreja e levou diversas peças de ouro
1896 – Em setembro, foram levados quatro anjos do altar-mor da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, de São João del-ReiUma das peças foi receptada por Aarão Francisco de Jesus, de Formiga, condenado a um ano, 10 meses e 22 dias de prisão e pagamento de 5% do valor do objeto furtado –Jornal Dom Viçoso, de Mariana, noticia a subtração de objeto de prata na Matriz de Curral del-Rei, atual Belo Horizonte, além de furtos em Sabará e na igreja de São Pedro dos Clérigos, em Mariana
Denuncie
Se você tiver alguma informação sobre bens desaparecidos ou quiser fazer alguma denúncia, entre em contato:
Ministério Público de Minas Gerais - e-mail: cppc@mp.mg.gov.br e telefone (31) 3250-4620
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
Para obter ou dar informações, basta acessar o www.iphan.gov.br e verificar o banco de dados de peças desaparecidasDenúncias anônimas podem ser feitas pelo e-mail bcp-emov@iphan.gov.br, pelo telefone (21) 2262-1971, fax (21) 2524-0482 ou no banco online da instituição.
Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG) - www.iepha.mg.gov.br ou pelo telefone (31) 3235-2812 ou 2813