Jornal Estado de Minas

O CENSO DO BOM SENSO

Moradores de rua serão remunerados para colaborar com pesquisadores da UFMG

Levantamento apontará o perfil e o número de pessoas que vivem sob marquises e viadutos em BH

Juliana Ferreira Sandra Kiefer - Especial para o EM
Pesquisa vai indicar origem da população de rua e orientar políticas públicas específicas - Foto: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS

 


Moradores de rua serão remunerados para colaborar com o censo que indicará quantos eles são em Belo HorizonteA expectativa é que as 19 equipes de recenseadores comecem na segunda quinzena de novembro a aplicar os questionários, que apontarão também o perfil de quem vive em espaços públicosO trabalho será realizado pela Faculdade de Medicina da UFMG, que venceu o chamamento público, sob a coordenação do professor do Departamento de Psiquiatria Frederico Duarte GarciaOntem, em reunião com integrantes do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, o médico definiu os próximos passos do projeto

O professor reforçou a importância da participação da população de rua nos grupos de trabalho formados por estudantes de nível superior e técnicos da prefeituraQuem for escolhido vai ajudar na elaboração do questionário e ainda acompanhar os pesquisadores nas entrevistas, o que deve facilitar o acesso aos demais que vivem sob viadutos e outros espaços públicos.

Segundo a coordenadora do comitê, Soraya Romina, os moradores de rua que participarão do censo serão indicados por movimentos que desenvolvem atividades de reinserção, como a Pastoral de Rua“Alguns são beneficiários do Bolsa-Moradia e têm uma melhor estruturaEles indicarão quem tem condição de acompanhar e ajudar nos questionáriosNão podemos fazer perguntas que constrangem, por exemplo”, dizComo será considerado parte da equipe, quem colaborar receberá remuneração da UFMG, cujo valor ainda não foi definido“A vivência deles é importante para os técnicos saberem como abordar e que tipo de perguntas fazer”, afirma Soraya



O censo será realizado em apenas cinco dias, de segunda a sexta-feira, das 17h à 1hPessoas em abrigos, albergues e centros de referência de saúde também serão abordadasO tempo curto da pesquisa se deve à migração constante dessa populaçãoO sistema informatizado da UFMG exclui entrevistados que aparecerem duas vezes

Além de contar os moradores de rua, o censo identificará quem são eles, de onde vêm, por que saíram de casa e o que os trouxe para BH, e ainda mostrar quais serviços públicos eles usamOs dados permitirão políticas sociais mais eficazes, segundo SorayaNão há prazo para a divulgação do resultado do censo, mas um relatório preliminar deve sair na segunda quinzena de dezembro.

RECLAMAÇÕES

O último censo oficial é de 2005, que apontou 1.164 moradores de ruaMas a Pastoral de Rua estima que existam pelo menos 2 mil pelas vias da capitalO levantamento mostrou que 40% dos mendigos eram migrantesCaso isso se repita, Soraya Romina informou que buscará mais apoio no governo do estado, já que a prefeitura arca com 70% das políticas assistenciais


Segundo ela, ocorreram muitas mudanças desde então, como o surgimento do crack, um dos principais desafiosEstão nas ruas também os egressos de cadeias, pessoas com problemas psiquiátricos e jovens expulsos de casa pelo tráfico de drogas

O avanço dessa população nas ruas causou reclamações na Região Centro-Sul, o que resultou em atitudes polêmicas, como a da Associação de Moradores de Lourdes (Amalou), de usar esguichos na Praça Marília de Dirceu para afastar mendigos

O prefeito Marcio Lacerda chegou a afirmar em entrevistas que eles estavam invadindo a cidadeSoraya Romina disse que a prefeitura não percebeu o aumento “descontrolado” dos mendigos“A gente vem notando aumento pela demanda dos serviços, porque aqui a política é qualificadaTemos os restaurantes populares, abrigos e serviços de saúde”, afirmou.

 

RESPOSTA COM FRANQUEZA

"Não somos moradores de rua. Moramos debaixo de viadutos, nas calçadas. Melhor seria chamar a gente de sem-moradia", Robson da Silva (E) - Foto: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS Para a comunidade formada sob o viaduto da Floresta, o censo ajudará a esclarecer muitas dúvidas sobre essa escolha de vida“Para começar, precisamos dizer que não somos moradores de ruaAfinal, ninguém mora na rua, senão o carro atropelaMoramos debaixo de viadutos, de marquise, nas calçadasMelhor seria chamar a gente de sem-moradia”, define Robson da Silva, respeitado como líder do grupo de cerca de 15 pessoas acomodadas em um sofá velho e em cinco colchões de solteiro e de casal, dispostos lado a lado.

A maioria diz que não oferecerá resistência aos pesquisadores“Respondo na maior franqueza”, afirma o montador mecânico Felipe, de 32 anos, que admite ser usuário de crack e exagera dizendo que mais da metade da população da capital já se tornou moradora de rua: “É gente demais da conta! E tem muito migrante da Bahia, de São Paulo”Ele revela ter lido em um jornal que quase a metade dos moradores de rua é de dependentes químicos: “As drogas estão acabando com a vida das pessoas”.

Para José, de 41, usuário de crack também, BH não tem mais de 2 mil moradores de ruaEle e dois colegas, além de uma mulher, faziam uso da pedra ontem em frente à Praça dos Peixes, na Lagoinha“Passa dos 5, 6 mil mendigos”, arrisca o outro, enrolando um cigarro de maconhaPrefere não ser identificado“No momento, pode ser interessante (responder ao questionário)”, diz o outro