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Estado de Minas O CENSO DO BOM SENSO

Moradores de rua serão remunerados para colaborar com pesquisadores da UFMG

Levantamento apontará o perfil e o número de pessoas que vivem sob marquises e viadutos em BH


postado em 22/10/2013 06:00 / atualizado em 22/10/2013 07:33

Pesquisa vai indicar origem da população de rua e orientar políticas públicas específicas(foto: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS)
Pesquisa vai indicar origem da população de rua e orientar políticas públicas específicas (foto: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS)

 


Moradores de rua serão remunerados para colaborar com o censo que indicará quantos eles são em Belo Horizonte. A expectativa é que as 19 equipes de recenseadores comecem na segunda quinzena de novembro a aplicar os questionários, que apontarão também o perfil de quem vive em espaços públicos. O trabalho será realizado pela Faculdade de Medicina da UFMG, que venceu o chamamento público, sob a coordenação do professor do Departamento de Psiquiatria Frederico Duarte Garcia. Ontem, em reunião com integrantes do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, o médico definiu os próximos passos do projeto.

O professor reforçou a importância da participação da população de rua nos grupos de trabalho formados por estudantes de nível superior e técnicos da prefeitura. Quem for escolhido vai ajudar na elaboração do questionário e ainda acompanhar os pesquisadores nas entrevistas, o que deve facilitar o acesso aos demais que vivem sob viadutos e outros espaços públicos.

Segundo a coordenadora do comitê, Soraya Romina, os moradores de rua que participarão do censo serão indicados por movimentos que desenvolvem atividades de reinserção, como a Pastoral de Rua. “Alguns são beneficiários do Bolsa-Moradia e têm uma melhor estrutura. Eles indicarão quem tem condição de acompanhar e ajudar nos questionários. Não podemos fazer perguntas que constrangem, por exemplo”, diz. Como será considerado parte da equipe, quem colaborar receberá remuneração da UFMG, cujo valor ainda não foi definido. “A vivência deles é importante para os técnicos saberem como abordar e que tipo de perguntas fazer”, afirma Soraya.

O censo será realizado em apenas cinco dias, de segunda a sexta-feira, das 17h à 1h. Pessoas em abrigos, albergues e centros de referência de saúde também serão abordadas. O tempo curto da pesquisa se deve à migração constante dessa população. O sistema informatizado da UFMG exclui entrevistados que aparecerem duas vezes.

Além de contar os moradores de rua, o censo identificará quem são eles, de onde vêm, por que saíram de casa e o que os trouxe para BH, e ainda mostrar quais serviços públicos eles usam. Os dados permitirão políticas sociais mais eficazes, segundo Soraya. Não há prazo para a divulgação do resultado do censo, mas um relatório preliminar deve sair na segunda quinzena de dezembro.

RECLAMAÇÕES

O último censo oficial é de 2005, que apontou 1.164 moradores de rua. Mas a Pastoral de Rua estima que existam pelo menos 2 mil pelas vias da capital. O levantamento mostrou que 40% dos mendigos eram migrantes. Caso isso se repita, Soraya Romina informou que buscará mais apoio no governo do estado, já que a prefeitura arca com 70% das políticas assistenciais.
Segundo ela, ocorreram muitas mudanças desde então, como o surgimento do crack, um dos principais desafios. Estão nas ruas também os egressos de cadeias, pessoas com problemas psiquiátricos e jovens expulsos de casa pelo tráfico de drogas.

O avanço dessa população nas ruas causou reclamações na Região Centro-Sul, o que resultou em atitudes polêmicas, como a da Associação de Moradores de Lourdes (Amalou), de usar esguichos na Praça Marília de Dirceu para afastar mendigos.

O prefeito Marcio Lacerda chegou a afirmar em entrevistas que eles estavam invadindo a cidade. Soraya Romina disse que a prefeitura não percebeu o aumento “descontrolado” dos mendigos. “A gente vem notando aumento pela demanda dos serviços, porque aqui a política é qualificada. Temos os restaurantes populares, abrigos e serviços de saúde”, afirmou.

 

RESPOSTA COM FRANQUEZA

"Não somos moradores de rua. Moramos debaixo de viadutos, nas calçadas. Melhor seria chamar a gente de sem-moradia", Robson da Silva (E) (foto: TÚLIO SANTOS/EM/D.A PRESS)
Para a comunidade formada sob o viaduto da Floresta, o censo ajudará a esclarecer muitas dúvidas sobre essa escolha de vida. “Para começar, precisamos dizer que não somos moradores de rua. Afinal, ninguém mora na rua, senão o carro atropela. Moramos debaixo de viadutos, de marquise, nas calçadas. Melhor seria chamar a gente de sem-moradia”, define Robson da Silva, respeitado como líder do grupo de cerca de 15 pessoas acomodadas em um sofá velho e em cinco colchões de solteiro e de casal, dispostos lado a lado.

A maioria diz que não oferecerá resistência aos pesquisadores. “Respondo na maior franqueza”, afirma o montador mecânico Felipe, de 32 anos, que admite ser usuário de crack e exagera dizendo que mais da metade da população da capital já se tornou moradora de rua: “É gente demais da conta! E tem muito migrante da Bahia, de São Paulo”. Ele revela ter lido em um jornal que quase a metade dos moradores de rua é de dependentes químicos: “As drogas estão acabando com a vida das pessoas”.

Para José, de 41, usuário de crack também, BH não tem mais de 2 mil moradores de rua. Ele e dois colegas, além de uma mulher, faziam uso da pedra ontem em frente à Praça dos Peixes, na Lagoinha. “Passa dos 5, 6 mil mendigos”, arrisca o outro, enrolando um cigarro de maconha. Prefere não ser identificado. “No momento, pode ser interessante (responder ao questionário)”, diz o outro.


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