Enquanto fiscais da prefeitura esperam para agir a publicação no Diário Oficial do Município da instrução normativa elaborada pelo Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, moradias improvisadas continuam sendo montadas sob viadutos e marquises com colchões, fogões e até geladeirasOs fiscais estão temerosos diante da liminar concedida pelo Tribunal de Justiça, em vigor desde o ano passado, que proíbe, sob pena de multa, o recolhimento de pertences pessoais de mendigos.
As nove regionais estudam medidas específicas para cada bairroA instrução normativa determina a criação de grupos de trabalho formados por servidores da fiscalização, políticas públicas, saúde, assistência social e limpeza urbana, além de Guarda Municipal e Polícia MilitarTodos estão em preparação para confiscar o que estiver obstruindo as vias, assim que a medida for publicada.
A coordenadora do comitê, Soraya Romina, informou que ficará definido como objeto pessoal tudo o que o morador de rua conseguir carregar, como vestuário, cobertor, alimentos, documentos, bolsas e mochilas, receitas e remédios e material usado no trabalho.
Menos de 15 dias depois da última intervenção da prefeitura, mais de 50 barracas improvisadas com papelão e sacos de lixo já estão reconstruídas pelos moradores de rua na Avenida Antônio Carlos, na região da Lagoinha“Se a prefeitura quer pirraçar, a gente também faz pirraçaEssa ação do prefeito só serve para gastar o dinheiro dos impostos que vocês pagam”, provocou José, de 42 anos, usuário de crackEle diz que bastaram 15 minutos para ele e os colegas reconstruírem a maloca usada para esconder o uso da pedra no cachimbo, em plena luz do dia
E agora, José? O que acontece se cair a liminar que proíbe recolher pertences dos mendigos? “Agora falando sério: esta ação da prefeitura é boa porque vai limpar a sociedade dos mendigos e tornar a cidade mais limpaEm termos sociais, porém, é uma covardiaA palavra do doutor vale mais que a do mendigo”, protestaEle admite que a PBH oferece acolhimento em abrigos e albergues: “Não vamos porque não queremos
Vida louca
Debaixo do viaduto da Floresta, a comunidade de 15 pessoas está escorada em pilares onde está escrito “Vida louca vida”Ao serem informados de que os moradores da cidade formal se sentem ameaçados pela presença deles, ficam assustados“As pessoas sentem medo da gente? É mesmo?”, pergunta o armador Marco Antônio Santos Bispo, de 45“É claro, sôNão é possível que você nunca reparou que as donas apertam as bolsas no peito quando passam perto da gente?”, comenta Marcos, de 39, que não revela o sobrenomeEle lista a vizinhança que os rodeia, formada por pessoas de um escritório de advocacia, organização não governamental, Superintendência de Limpeza Urbana (SLU)“São todos nossos amigos”, acrescenta
Para comprovar as boas intenções, Marcos retira do bolso os documentos: carteira de trabalho e identidadeÉ a oitava via do RG, diz ele, que já teve os documentos furtados diversas vezes debaixo do viadutoApesar de ter só a roupa do corpo, literalmente, e conseguir trocados lavando carros, ele não desiste de tentar vaga de empregoEnfrenta dificuldades, por ser ex-presidiário, fichado na polícia por assaltoCumpriu três anos de prisão, mas, conforme a lei, não teve liberado o título de eleitor“Minha última bomba foi na obra do MineirãoNão adianta, acho que não sou mais cidadão”, lamenta ele, tomando mais um gole de cachaça
Em relação à derrubada da liminar, Silva diz que vai reagir“Vamos bater de frente com a prefeituraSou um ser humano que chegou ao fundo do poço e não acredito que estão querendo me jogar ainda mais no buraco”, compara ele, tornando a requisitar um terreno, onde pretende construir com as próprias mãos uma casa para toda a comunidade.