Enquanto fiscais da prefeitura esperam para agir a publicação no Diário Oficial do Município da instrução normativa elaborada pelo Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, moradias improvisadas continuam sendo montadas sob viadutos e marquises com colchões, fogões e até geladeiras. Os fiscais estão temerosos diante da liminar concedida pelo Tribunal de Justiça, em vigor desde o ano passado, que proíbe, sob pena de multa, o recolhimento de pertences pessoais de mendigos.
As nove regionais estudam medidas específicas para cada bairro. A instrução normativa determina a criação de grupos de trabalho formados por servidores da fiscalização, políticas públicas, saúde, assistência social e limpeza urbana, além de Guarda Municipal e Polícia Militar. Todos estão em preparação para confiscar o que estiver obstruindo as vias, assim que a medida for publicada.
A coordenadora do comitê, Soraya Romina, informou que ficará definido como objeto pessoal tudo o que o morador de rua conseguir carregar, como vestuário, cobertor, alimentos, documentos, bolsas e mochilas, receitas e remédios e material usado no trabalho.
E agora, José? O que acontece se cair a liminar que proíbe recolher pertences dos mendigos? “Agora falando sério: esta ação da prefeitura é boa porque vai limpar a sociedade dos mendigos e tornar a cidade mais limpa. Em termos sociais, porém, é uma covardia. A palavra do doutor vale mais que a do mendigo”, protesta. Ele admite que a PBH oferece acolhimento em abrigos e albergues: “Não vamos porque não queremos. O povo de BH é solidário demais. Ficando na rua, sei que vai passar doação de roupa, de comida e de café da manhã. Até dinheiro eles dão”, completa. “
Vida louca
Debaixo do viaduto da Floresta, a comunidade de 15 pessoas está escorada em pilares onde está escrito “Vida louca vida”. Ao serem informados de que os moradores da cidade formal se sentem ameaçados pela presença deles, ficam assustados. “As pessoas sentem medo da gente? É mesmo?”, pergunta o armador Marco Antônio Santos Bispo, de 45. “É claro, sô. Não é possível que você nunca reparou que as donas apertam as bolsas no peito quando passam perto da gente?”, comenta Marcos, de 39, que não revela o sobrenome. Ele lista a vizinhança que os rodeia, formada por pessoas de um escritório de advocacia, organização não governamental, Superintendência de Limpeza Urbana (SLU). “São todos nossos amigos”, acrescenta.
Para comprovar as boas intenções, Marcos retira do bolso os documentos: carteira de trabalho e identidade. É a oitava via do RG, diz ele, que já teve os documentos furtados diversas vezes debaixo do viaduto. Apesar de ter só a roupa do corpo, literalmente, e conseguir trocados lavando carros, ele não desiste de tentar vaga de emprego. Enfrenta dificuldades, por ser ex-presidiário, fichado na polícia por assalto. Cumpriu três anos de prisão, mas, conforme a lei, não teve liberado o título de eleitor. “Minha última bomba foi na obra do Mineirão. Não adianta, acho que não sou mais cidadão”, lamenta ele, tomando mais um gole de cachaça.
Em relação à derrubada da liminar, Silva diz que vai reagir. “Vamos bater de frente com a prefeitura. Sou um ser humano que chegou ao fundo do poço e não acredito que estão querendo me jogar ainda mais no buraco”, compara ele, tornando a requisitar um terreno, onde pretende construir com as próprias mãos uma casa para toda a comunidade.