“Oh! Sim, as ruas têm alma! Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas, puras, infames”, constata, no livro A alma encantadora das ruas, o cronista João do RioE quem há de negar que as praças também têm alma? Algumas são amplas, monumentais, elegantes e, ainda assim, têm o aconchego do convívio familiar, como a da Liberdade, no Bairro Funcionários, Centro-Sul de Belo HorizonteOutras têm caráter ambíguo: acolhem cândidas senhoras com cães encoleirados e oferecem bancos e canteiros a casais ardentes, lascivos – é assim a Raul Soares, no CentroE há aquelas pequenas, muitas sem nome, mas que também conquistam o afeto dos vizinhos.
BH tem pelo menos 765 praças, segundo levantamento de oito das secretarias regionais – apenas a Noroeste não forneceu númerosA maior é a da Lagoa Seca, no Bairro Belvedere, Região Centro-Sul, com 27.783m², mas ao menos 192 delas têm área de até 400m²Com apenas 13m², a menor é a Desembargador Emydio Brito, um canteiro circular que, pouco sociável (não tem bancos), serve de rotatória para veículos que chegam pelas ruas João de Freitas, José Ribeiro e Coletor Celso Werneck, no Bairro Santo AntônioExiste outra que, apesar de sua área não ter sido medida, disputa o posto de mais miúda da capitalAnônima, espremida entre os carros, ela fica no encontro das ruas Mantena, São João da Ponte e Pium-i, no Bairro Sion.
FLAMBOYANT
A pracinha sem nome tem um flamboyant de copa larga que, pouco denso, projeta uma sombra fragmentadaOs galhos brigam por espaço com fios da rede elétricaO canteiro tem fendas e rachadurasO único banco é verde e comprido, devem caber umas 12 pessoas
Quem cuidava da pracinha era a bem-humorada Delma Fernandez Cyrino, de 79 anosAté um ano atrás, antes de o médico proibi-la de carregar peso ou fazer muito esforço, a aposentada descia do apartamento para aguar o flamboyantTodos os dias, tinha de andar um bocado para reabastecer várias vezes o regador em uma torneira do prédioComo sempre roubavam as flores que ela plantava, desistiu de cultivá-lasE anda achando a árvore um tanto melancólica“Sentiu a falta de água
A Dom Silvério tem no centro um vigilante busto do religioso que lhe dá nomeOs cantos dos pássaros que pousam em suas árvores é quase sempre sufocado por buzinas e roncos de motor de carros e motosCom 320m² e o formato aproximado de um triângulo, a praça é frequentada também por funcionários de empresas da região que, após o almoço, aproveitam ali o resto do intervalo antes de voltarem à labutaÉ o caso do auxiliar de serviços gerais Aloísio Fernandes, de 50“Venho quase todo diaTem muita sombra, é uma pracinha muito bem cuidada, não há pichações”, elogia, sentado em um dos bancos.
Ideais para o bate-papo
“Ninguém viria à praça se não fosse o bar, mas se ela não existisse, o lugar seria muito menos interessante, não seria tão aconchegante”, observou a advogada Jane Santos, de 35, que em uma tarde bebia cerveja no bar“Quem vem é uma turma mais eclética, mais alternativa”, disse.
Também em Santa Tereza, há uma praça solitária no encontro das ruas Oligisto e Conselheiro RochaÉ raro que alguém visite a Maria Dolores, mas no canteiro de plantas há sinais de presença humana, como caixas de fósforos vazias e amassadas, restos de jornal, latinhas de cervejaNa tarde de sexta-feira, quem se aproximava de um de seus três bancos, revestidos com azulejos coloridos, sentia um cheiro forte de podridãoEscondida atrás do assento, havia uma galinha preta morta dentro de uma sacola plástica vermelha, junto a garrafas de vidro aos pedaços.
Apesar de serem locais públicos, há quem frequente pracinhas em busca de privacidadeÉ o caso de Nayra Martins, de 21Ela trabalha como operadora de caixa em um supermercado no Bairro Sagrada Família, Região LesteNo meio da tarde, no intervalo do expediente, ela gosta de descansar na Praça Charles Simão, um triângulo de 149,5m² no cruzamento das ruas Jaques Luciano, Vicentina de Souza e Santa MartaÀs 16h30 de sexta-feira, com o lugar quase inteiramente protegido do sol por copas de árvores, a moça tomava um sorvete com o colega Ricardo de Souza, 34, fiscal de loja“Aqui está sempre vazioFico mais à vontade para conversar”, explica Nayra.