Jornal Estado de Minas

Praças pequenas e cheias de vida encantam em BH

Como os movimentados espaços públicos, áreas de lazer de até 13m² acolhem visitantes para descanso e namoro na capital. A maioria delas é bem cuidada, inclusive pelos vizinhos

Tiago de Holanda
Operadora de caixa, Nayara Martins aproveita folga em supermercado para tomar sorvete na Praça Charles Simão, no Sagrada Família - Foto: Ângelo Pettinati/Esp.EM/D.A Press


“Oh! Sim, as ruas têm alma! Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas, puras, infames”, constata, no livro A alma encantadora das ruas, o cronista João do RioE quem há de negar que as praças também têm alma? Algumas são amplas, monumentais, elegantes e, ainda assim, têm o aconchego do convívio familiar, como a da Liberdade, no Bairro Funcionários, Centro-Sul de Belo HorizonteOutras têm caráter ambíguo: acolhem cândidas senhoras com cães encoleirados e oferecem bancos e canteiros a casais ardentes, lascivos – é assim a Raul Soares, no CentroE há aquelas pequenas, muitas sem nome, mas que também conquistam o afeto dos vizinhos.

BH tem pelo menos 765 praças, segundo levantamento de oito das secretarias regionais – apenas a Noroeste não forneceu númerosA maior é a da Lagoa Seca, no Bairro Belvedere, Região Centro-Sul, com 27.783m², mas ao menos 192 delas têm área de até 400m²Com apenas 13m², a menor é a Desembargador Emydio Brito, um canteiro circular que, pouco sociável (não tem bancos), serve de rotatória para veículos que chegam pelas ruas João de Freitas, José Ribeiro e Coletor Celso Werneck, no Bairro Santo AntônioExiste outra que, apesar de sua área não ter sido medida, disputa o posto de mais miúda da capitalAnônima, espremida entre os carros, ela fica no encontro das ruas Mantena, São João da Ponte e Pium-i, no Bairro Sion.

FLAMBOYANT

A pracinha sem nome tem um flamboyant de copa larga que, pouco denso, projeta uma sombra fragmentadaOs galhos brigam por espaço com fios da rede elétricaO canteiro tem fendas e rachadurasO único banco é verde e comprido, devem caber umas 12 pessoas

Como toda praça, essa tem visitantes assíduos e outros eventuaisCedo, costuma ser frequentada por idososDurante o intervalo para o almoço, um açougueiro, que trabalha num sacolão próximo, também gosta de descansar ali, como constatou a arquiteta Márcia Bordelo, que mora em um prédio em frente à ilhota rodeada por asfalto“À noite, virou ponto de uso de drogasA gente passa perto e sente o cheiro, vê os jovens fumando”, diz.

Quem cuidava da pracinha era a bem-humorada Delma Fernandez Cyrino, de 79 anosAté um ano atrás, antes de o médico proibi-la de carregar peso ou fazer muito esforço, a aposentada descia do apartamento para aguar o flamboyantTodos os dias, tinha de andar um bocado para reabastecer várias vezes o regador em uma torneira do prédioComo sempre roubavam as flores que ela plantava, desistiu de cultivá-lasE anda achando a árvore um tanto melancólica“Sentiu a falta de água
Está meio sorumbáticaOlhe pra você ver: não tem florFicava carregada”, lamentaEla critica o fato de ter quem jogue no canteiro bitucas de cigarro, pedaços de papel e outros resíduos“O lugar é pequeno, mas é bomA gente senta aqui durante a tarde,quando há crianças com babás”, diz.

 

 

Praça Dom Silvério, no Bairro São Pedro, é frequentada sobretudo por estudantes e casais de namorados - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press É nas praças que muitos amores ganham seus primeiros beijos e vicejamPoucas delas em BH veem tantos namorados estreantes quanto a Dom Silvério, situada em um movimentado cruzamento no Bairro São PedroEla foi adotada pelo Colégio Marista Dom SilvérioNo início e no fim da tarde, depois de encerradas as aulas, muitos estudantes esperam na praça pelo pai que vai buscá-los ou pelo ônibus que os levará para casaÉ comum que os bancos sejam ocupados por casais, que trocam os últimos afagos antes de se despedirem, com os olhares apaixonados e já cheios de saudade.

A Dom Silvério tem no centro um vigilante busto do religioso que lhe dá nomeOs cantos dos pássaros que pousam em suas árvores é quase sempre sufocado por buzinas e roncos de motor de carros e motosCom 320m² e o formato aproximado de um triângulo, a praça é frequentada também por funcionários de empresas da região que, após o almoço, aproveitam ali o resto do intervalo antes de voltarem à labutaÉ o caso do auxiliar de serviços gerais Aloísio Fernandes, de 50“Venho quase todo diaTem muita sombra, é uma pracinha muito bem cuidada, não há pichações”, elogia, sentado em um dos bancos.

 

 

Ideais para o bate-papo

Ao lado de bar tradicional, a Ernesto Tassini, no Santa Tereza, fica vazia durante o dia, mas enche à noite - Foto: Ângelo Pettinati/Esp.EM/D.A Press As pracinhas não costumam ter muitos frequentadores, mas há exceçõesUma delas é a Ernesto Tassini, que tem 225m² e se situa no cruzamento das ruas Conselheiro Rocha, Dores do Indaiá e Alvinópolis, no Bairro Santa Tereza, Região Leste de BHDurante o dia, poucas pessoas passam por ali, mas o movimento aumenta no fim da tarde e continua madrugada adentro, especialmente por causa de um famoso vizinho, o Bar do OrlandoComo o bar tem pouco espaço, muitos clientes se acomodam em bancos de cimento da praça.

“Ninguém viria à praça se não fosse o bar, mas se ela não existisse, o lugar seria muito menos interessante, não seria tão aconchegante”, observou a advogada Jane Santos, de 35, que em uma tarde bebia cerveja no bar“Quem vem é uma turma mais eclética, mais alternativa”, disse.

Também em Santa Tereza, há uma praça solitária no encontro das ruas Oligisto e Conselheiro RochaÉ raro que alguém visite a Maria Dolores, mas no canteiro de plantas há sinais de presença humana, como caixas de fósforos vazias e amassadas, restos de jornal, latinhas de cervejaNa tarde de sexta-feira, quem se aproximava de um de seus três bancos, revestidos com azulejos coloridos, sentia um cheiro forte de podridãoEscondida atrás do assento, havia uma galinha preta morta dentro de uma sacola plástica vermelha, junto a garrafas de vidro aos pedaços.

Apesar de serem locais públicos, há quem frequente pracinhas em busca de privacidadeÉ o caso de Nayra Martins, de 21Ela trabalha como operadora de caixa em um supermercado no Bairro Sagrada Família, Região LesteNo meio da tarde, no intervalo do expediente, ela gosta de descansar na Praça Charles Simão, um triângulo de 149,5m² no cruzamento das ruas Jaques Luciano, Vicentina de Souza e Santa MartaÀs 16h30 de sexta-feira, com o lugar quase inteiramente protegido do sol por copas de árvores, a moça tomava um sorvete com o colega Ricardo de Souza, 34, fiscal de loja“Aqui está sempre vazioFico mais à vontade para conversar”, explica Nayra.