Eles estão soltos pelas ruas de Belo Horizonte e, para muitos, são uma ameaçaMas, para outros, os cães ferozes podem ser domados e merecem uma segunda chancePensando nisso, o diretor de uma organização não governamental encontrou uma brecha em uma lei municipal para salvar os pit bulls recolhidos pela prefeituraJá um agente do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) usa o tempo livre no trabalho para ressocializar cachorros de grande porte encontrados em estado agressivo nas ruasO desafio é achar quem enfrente o medo de um possível ataque e aceite abrigá-los
Funcionário do CCZ, William Gonçalves conseguiu reabilitar um pit bull que matou o próprio dono“Não é nada demaisSó trabalho com o comportamento animalNão tem segredo”, diz o agente de endemias do CCZ, que faz recolhimento de cães de ruaDesde que passou no concurso público, em 2008, ele começou o trabalho paralelo de ressocializaçãoJá são 38 animais reabilitados, dos quais muitos ganharam novo lar
Os cães grandes agressivos devem ser levados para eutanásia se o dono não aparecer em três diasMas aqueles em que William vê potencial de melhoria ficam no CCZ, inclusive os que atacaram outros animais ou donosEle explica que a maioria dos rotweillers, dogos argentinos, filas e pastores alemães recolhidos eram de uma família com posse responsável“Quando a emoção de ter um cão desses passa, o dono o confina em uma corrente ou canil e o deixa isolado”, dizAcuado e sem contato, o animal sente a necessidade de ser líder, pois não tem mais a figura que o comanda“Ele entra em estado de alerta
Segundo William, 80% dos cachorros recolhidos foram ressocializadosBastam técnicas de comportamentoWilliam passeia com eles pelo pátio, impõe disciplina e dá carinho: “Em casa, as pessoas só dão carinho e perdem o controle do cão”, dizO processo pode levar até dois anosO agente conseguiu socializar até cães que procriam na natureza e se alimentam de restos de comida e de pequenos animais, sem contato com pessoas.
ADOÇÃO Depois da ressocialização, vem a parte mais difícil: convencer as pessoas de que o cão não é mais agressivo e pode voltar a viver em um larMas, segundo William, a aceitação aumentou depois que ele começou o trabalho no CCZO marceneiro Carlos Araújo de Souza não se arrepende de ter adotado Shakira, a dogo argentino de 4 anos, hoje o xodó da casa“Ela avançou em mim quando cheguei perto da grade para conhecê-laPercebi que ela queria apenas defender o território”, contaBastaram 10 minutos de convívio para que ela aceitasse sua presença“Ela é dócil e brincalhona”, diz
O mesmo aconteceu com o rotweiller Leão, de 6 anos, recolhido na ruaHá nove meses, o motorista Bruno Santos queria um cachorro para vigiar seu sítio“Fiquei amigo dele antes de levá-loSabia que foi agressivo e era aparentemente assustadorMas hoje é superdócil”, lembraAté seus filhos, de 1 e 4 anos, brincam com Leão
Uma chance para pit bulls
A Lei Municipal 8.354, de 2002, proíbe propriedade, importação, adoção, comercialização, criação e manutenção de pit bulls em BHPor isso, cães da raça que chegam ao Centro de Controle de Zoonoses são sacrificadosAlguns, no entanto, permanecem durante processos na JustiçaWilliam e seu colega de trabalho Sidnei Giovane não perdem tempoO pit bull que matou o próprio dono e outro que matou uma poodle hoje são dóceis“Eles são enérgicos, precisam se exercitar, senão explodemNão foram feitos para atacar pessoas, mas para rinhasNão gostam é de outros cachorros”, explica
Os veterinários do CCZ decidem quais animais treinados por William podem ser adotadosSe não fosse a lei, ele indicaria alguns pit bullsMesmo sabendo que o provável caminho é a eutanásia, Giovane faz desse tempo deles vivos o melhor possível“A gente sabe do destino, mas faz o trabalhoÉ válido ocupar a mente com coisa boa”, diz.
O diretor da ONG Resgate Animal, Filipe Soldati, quer mudar a história desses pit bullsEle encontrou uma brecha na lei: o parágrafo que permite doação apenas para fins acadêmicosEle se reuniu com representantes da Secretaria Municipal de Saúde e fez acordo verbal para ficar com os cães recolhidos para estudar o comportamentoSoldati só espera o CPNJ da ONG para entrar com petição na prefeituraSegundo a parceria, ele não poderá doar os animais para ninguém“Quero pegar esses cães e fazer a ressocializaçãoA ideia é que a prefeitura faça acompanhamento mensal e dê ajuda de custo”, contaO voluntário, que já tem nove pit bulls, pretende também entender por que eles se tornam agressivos em alguns momentosA secretaria confirmou o pedido, mas não informou se ele foi aceito.