“Desde os quatro anos, eu dizia que queria ser veterinária”, recorda Dayanne, de 23 anosReprovada no primeiro vestibular, ela foi bem-sucedida na segunda tentativa e as aulas começaram em 2011“No início, não sabia que teria demonstrações com animal vivoDepois descobri que teria, mas não sabia que isso me afetaria tanto”
Dayanne voltou ao curso no segundo semestre deste ano e de novo penou em uma aula de fisiologia veterináriaO professor prendeu um aparelho à boca de um sapo e o ergueuAssim como da outra vez, o anfíbio não deveria mostrar qualquer desconforto, mas começou a fazer um barulho estranho, lembra a moça“Era uma aula prática sobre reflexosO sapo levantava a patinha em direção à boca, como se pedisse para sair dali
A polêmica sobre o uso de animais em aulas e experimentações científicas foi reacesa no dia 18 deste mês, quando o Instituto Royal, no interior de São Paulo, foi invadido por ambientalistas, que levaram cães e coelhos usados em testesA coordenadora do Comitê de Ética em Experimentação Animal (Cetea), Jacqueline Isaura Alvarez Leite, confirma que, com algumas exceções, os bichos têm de ser sacrificados após as aulas práticasEla cita a Lei Federal 11.794, de 2008, que proíbe a “reutilização do mesmo animal depois de alcançado o objetivo principal do projeto de pesquisa”A morte dos animais, chamada de eutanásia, segue as normas do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia“O comitê só aprova aulas que estão de acordo com essas diretrizes”, afirma ela, professora do Instituto de Ciências Biológicas (ICB)Desde 2010, o Cetea analisou pedidos de uso de animais em 29 aulas práticas, mas só aprovou 15, dadas nos cursos de medicina, medicina veterinária, odontologia, farmácia e ciências biológicas.
As aulas foram aprovadas com a condição de que apenas técnicos treinados e professores possam manipular os bichos“Algumas das aulas, principalmente com ovinos e bovinos, são apenas para observação, sem desconforto do animal”, ressalta JacquelineAs aulas com uso de bichos devem ser analisadas pelo Cetea a cada dois anos“Esse é um mecanismo para que se possa avaliar se já há outros recursos didáticos para substituir os animaisInúmeras aulas já foram excluídas ou substituídas”, afirmaAlém de ovinos e bovinos, a UFMG utiliza sapos, ratos, camundongos e coelhosÀ exceção dos sapos, obtidos em criadouros legalizados, todos se originam dos biotérios da instituição, locais onde são criador e mantidos para pesquisa.
Desistência
Lúcia Marques, de 33 anos, ingressou em 2006 na graduação de veterinária da unidade da Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUC Minas) em Betim, na Grande BHDepois de dois semestres, abandonou o curso“Já no primeiro período, tive aulas com animaisEles estavam mortos, mas mesmo assim eu sentia uma tristeza profundaA gente sabia que eles tinha chegado vivos e sido mortos na universidadeDiziam que morriam com uma injeção letal indolor, mas essa explicação não me satisfaziaEu ficava pensando no sentimento do bicho sendo sacrificado”, descreveEla decidiu largar o curso quando soube que, a partir do quarto semestre, teria aulas com animais vivos“Isso era desnecessário, poderíamos aprender com modelos sintéticos”, acreditaDepois de fazer um curso técnico, ela se tornou corretora de imóveis“Desde criança, sempre falava que queria ser veterináriaFoi um pouco traumático ter de desistir”, constata.
A estudante Marina (nome fictício), de 25 anos, faz odontologia na PUC-Minas“Desde pequena, sou apaixonada por animais”, dizNeste semestre, ela deveria ter se matriculado na disciplina de farmacologia, mas não se inscreveu por saber que seriam usados bichos vivos“Cheguei a falar com a professora, mas ela disse que não tem jeito de mudar, que o uso é autorizado e que os animais ficam anestesiados, não sentem nada”, lembra“Nessa aula, os alunos aprendem a anestesiar, mas é normal que cometam errosAs meninas da minha sala já me relataram que os ratinhos choramVou ver com a coordenação do curso se posso fazer essa disciplina sem precisar encostar nelesSe não for possível, nem sei o que farei”, dizO EM tentou conversar com professores dos cursos de veterinária e odontologia da PUC Minas, mas a assesssoria de comunicação da instituição informou que ninguém falaria sobre o assunto.
COMO FICOU? INSTITUTO ROYAL
Alvará suspenso
Depois de ser invadido por cerca de cem ativistas, que levaram cães da raça beagle e coelhos usados em testes, o Instituto Royal, em São Roque (SP), teve o alvará de funcionamento suspenso sexta-feira pela prefeitura do municípioO prefeito Daniel de Oliveira Costa (PMDB) determinou a suspensão após receber de uma comissão de deputados federais documentos que comprovariam maus-tratos de animais no laboratórioNo dia anterior, uma comissão da prefeitura fez uma vistoria no local e não constatou irregularidadesO laboratório enviou à prefeitura uma carta oficializando a suspensão de suas atividades.