Público e onde pobres e ricos estavam lado a lado, o espaço estava de acordo com todas as orientações médicas e urbanísticas. “A discussão vinha desde o século 18. O objetivo era pensar em uma cidade planejada que rompia com o modelo colonial. Por isso, um cemitério municipal não estaria mais nos arredores das igrejas, como se vê em Ouro Preto e outros municípios históricos”, comenta a historiadora e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marcelina das Graças de Almeida. Especialista no assunto, Marcelina conta que, em relação aos outros sepulcrários no Brasil, o do Bonfim foi atípico. “Aqui, ele nasceu secularizado. Em Salvador (BA), por exemplo, as autoridades eclesiais tiveram que concordar com a construção do cemitério longe dos arredores da igreja”, compara.
Enquanto se planejava e se construía a cidade moderna, foi proibido o sepultamento na Igreja da Boa Viagem, na Região Centro-Sul. “Foi feito um cemitério improvisado, onde hoje cruza a Avenida Amazonas, com Rua dos Tamoios, no Centro”, destaca Marcelina. Foi quando faleceu a menina Berthe Adele Dejaeguer, filha de um engenheiro belga, que fazia parte da Comissão Construtora. A garota estava às vésperas de completar 20 anos e ninguém sabe o motivo da sua morte. Muitos pesquisadores acreditam que ela morreu de tuberculose.
O fato é que, com o seu falecimento, o cemitério foi inaugurado às pressas, em 8 de fevereiro de 1897, 10 meses antes de Belo Horizonte ser inaugurada. O túmulo de Berthe é o primeiro do cemitério. “No final da década de 20, a população passou a chamar o local de Nosso Senhor do Bonfim por causa do nome da região e uma alusão ao culto e devoção ao santo. O nome Cemitério do Bonfim, na mesma década, passa a ser adotado pelo poder público.” Até 1941, ele foi o único lugar que a capital tinha para enterrar com dignidade seus mortos. Por isso, há ali túmulos grandiosos, ornamentados e outros bem modestos. “Era uma forma de diferenciação social. Aquela família com condição contratava um artista para o túmulo. Era um espaço democrático, mas cada um mostrava a qual classe pertencia.”
A historiadora destaca que o cemitério espelha o traçado geométrico da cidade. “É dividido em 54 quadras e duas alamedas principais e diversas ruas. A ocupação das quadras se deu em forma difusa, sem um ordenamento prévio. Entretanto, existiam quadras especiais destinadas às crianças, às virgens e figuras públicas.” Atualmente são quadras de numeração três, quatro, sete, oito e nove. De acordo com estudos da historiadora, o edifício do necrotério, tombado em 1977 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), foi construído com materiais trazidos da Europa.
Marcelina destaca que nessa arquitetura há elementos decorativos referentes à passagem do tempo, como as ampulhetas com asas, anjos com asas e piras externas. “O edifício foi usado para missas do Dia de Finados, mas devido a sua falta de conservação esta finalidade foi logo extirpada, deixando o necrotério em desuso.” Ela aponta que, atualmente, o necrotério é mantido fechado e sua estrutura carece de reparos, pois há infiltrações. “Estamos fazendo um trabalho para reabri-lo para dar a ele outro destino, como transformá-lo em base de apoio turístico.”
PONTO TURíSTICO
Segundo ela, a garota se encaixa neste tipo de religiosidade popular, já que ao falecer causou grande comoção popular. “Em seu túmulo existe uma imagem de Santa Teresinha das Rosas, em cima uma placa com agradecimentos. Há balas, flores e muitos bilhetes de pedidos e agradecimentos”, diz.
DESCOBERTAS E LENDAS
Entre as várias personalidades que repousam no Cemitério do Bonfim, o último a ser descoberto, este ano, por pesquisadores e visitantes, foi o túmulo do jogador Roberto Monteiro, conhecido como Roberto “Batata” (1949 - 1976). Uma das lendas mais conhecidas é da Loira do Bonfim. A versão mais comum é que um taxista conduziu uma linda mulher do Centro até o Bonfim. Ela pede que ele aguarde alguns minutos antes de entrar no cemitério e o alerta que, caso não retorne, vá até um endereço escrito em um papel pegar o valor da corrida. O taxista foi ao endereço onde estava uma senhora que afirma não ter autorizado ninguém a pegar táxi em seu nome. Ela permite que o homem entre em sua casa e vê, em cima da cristaleira, a foto da moça. Ao comentar que aquela era a moça que procurava, a senhora informou ser impossível, pois ela, sua filha, havia morrido fazia três anos e estava enterrada no Bonfim.
Túmulos mais visitados
Padre Eustáquio
Irmã Benigna – Consagração de Milagres
Menina Marlene – Consagração de Milagres
Famosos sepultados
Olegário Maciel – governador de Minas
Raul Soares – ministro da Marinha
Bernardo Pinto Monteiro – senador
Franciso Silviano de Almeida Brandão – vice-presidente
Benedito Valadares – governador
Julia Kubitschek – mãe de Juscelino Kubitschek
Carlos Flávio – filho de Carlos Drummond de Andrade
Roberto Drummond – jornalista e escritor
LINHA DO TEMPO
1897 – Em 8 de fevereiro, o Cemitério do Bonfim abre as portas. O primeiro túmulo é da menina Berthe Adele Dejaeguer, filha de um engenheiro belga que participou da construção de BH
1897 – Belo Horizonte é inaugurada às pressas em 12 de dezembro
1926 – É inaugurado o famoso altar sobre o túmulo de Raul Soares, dois anos após sua morte
1942 – BH ganha o cemitério da Saudade para abrigar a população carente que não tinha acesso aos túmulos no Bonfim
1977 – O edifício do necrotério é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio e Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha)
2012 – A Fundação Municipal de Parques e a Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg) estreiam o programa de visitas guiadas ao Cemitério do Bonfim.
2013 – Pesquisadores e visitantes descobrem o túmulo do jogador do Cruzeiro Roberto Monteiro, conhecido como Roberto Batata, falecido em 13 de maio de 1976