Cada caminhão carregado de entulho que entra pelo portão azul de uma oficina mecânica na Rua Dionízio Gomes deixa cinco metros cúbicos mais raso um dos poucos vales com remanescentes de mata de cerrado do Bairro Veneza, em Ribeirão das Neves, na Grande BH. O volume corresponde à média de 6,5 toneladas que cada caçamba carregada com restos de construção, lixo e até material tóxico despeja de forma clandestina no lugar. O sucesso do “empreendimento”, vizinho a condomínios de luxo e que cobra R$ 50 a cada despejo, recebendo detritos dos 34 municípios da região metropolitana, obrigou o dono a abrir um outro, em lote na mesma via, para dar conta da demanda. Agora, ele aterra um outro vale, naquele que é um dos mais populosos bairros da cidade de 316 mil habitantes. Apesar de bem conhecidos dos caçambeiros e da vizinhança, e de ficarem bem perto de unidades da Polícia Militar, os bota-foras clandestinos são desconhecidos da Prefeitura de Ribeirão das Neves.
Para se ter uma dimensão do problema, a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) de BH recolheu no ano passado 223,5 mil toneladas de entulho, sendo 120 mil (53,6%) descartes clandestinos em lotes vagos, vias públicas e margens de cursos d’água. Um volume semelhante de material de construção daria para erguer 1.770 habitações populares. O maior projeto de moradias populares da capital, o Minha casa minha vida do Jardim Vitória II, tem apenas 180 unidades a mais.
INDICAÇÕES
Ignorado pelas autoridades, o bota-fora clandestino do Bairro Veneza, em Neves, é velho conhecido dos caçambeiros. Em um ponto de transbordo do Bairro Vila Paris, em Contagem, acreditando estar falando com um interessado em entrar no ramo, um grupo de cinco motoristas e ajudantes explicou à reportagem do EM como funciona o esquema. Parte dos patrões usa um sistema de vales em bota-foras: compram várias fichas que são entregues ao caminhoneiro, que só descarrega nos aterros ao entregá-las. “Mas tem quem não trabalhe com ficha. Aí, inclui no nosso pagamento o preço do descarte”, disse um dos mais velhos da roda. É nessa situação que encontrar locais clandestinos de descarte se torna lucrativo, pois os espaços licenciados cobram de R$ 70 a R$ 90 e os clandestinos, no máximo R$ 50. A diferença fica com o motorista.
O mais falante do grupo, um rapaz com menos de 30 anos, admitiu descartar entulho em vias públicas se a fila no bota-fora estiver grande, a chuva dificultar a descarga ou quando sobra tempo. “Se não estiver apertado, deixo a caçamba por último e levo só no fim da tarde ou de noite para jogar no canteiro central ou em lote vago. Se não tiver como, levo para Neves, no aterro clandestino”, afirma.
Clandestino, mas diante de todos
O bota-fora clandestino do Veneza fica em um dos pontos comerciais mais movimentados do bairro de Ribeirão das Neves e a três quarteirões de uma companhia da Polícia Militar. Apesar disso, ninguém nunca interferiu nos negócios irregulares. O acesso pela oficina de fachada leva a um corredor de 20 metros de comprimento, com três carros velhos estacionados e peças sendo lubrificadas em um tanque. Adiante, o solo fofo misturado com lixo mostra sinais de aterramento, em um espaço onde caminhões e tratores são usados na compactação e transporte dos resíduos. As caçambas são despejadas nesse ponto e depois as máquinas pesadas empurram o conteúdo para o precipício, com cerca de 30 metros de profundidade, à beira de um vale. Restos de concreto, tijolos, ferragens, latas de tinta, recipientes de produtos químicos e tudo mais escorrega por esse aterro e cobre a vegetação no fundo.
Um senhor de meia-idade usando macacão azul de mecânico se apresenta como dono do local, de apelido Marcão. A equipe do EM pergunta quanto custa virar duas caçambas de entulho misturado com produtos contaminados, como latas de tinta, solventes e lâmpadas de mercúrio. Todos esses materiais são tóxicos e só podem ser estocados em locais com licença ambiental específica, por representar perigo à saúde humana. Mas isso não se mostra problema para Marcão. Ele só recomenda jogar os rejeitos em outro ponto, por causa da chuva e da lotação do bota-fora da oficina. “Tenho outro lugar, na curva ali da frente. Cobramos R$ 50. É um outro lugar que eu mesmo arrumei. Se estiar de manhã, de tarde a máquina empurra o entulho”, disse.
O dono dos bota-foras leva a equipe até o outro endereço, a menos de 500 metros do primeiro. Apresenta um lote com uma casa e um muro parcialmente derrubado, de onde se vê, da rua mesmo, as montanhas de entulho acumuladas no quintal. Outro vale nos fundos começa a ser aterrado por todo tipo de entulho e destroços. “Tem uns 10 anos que tenho o primeiro lote. Como ficou muito cheio, arranjei este aqui. E estou esperando a imobiliária liberar um outro lote para comprar e fazer mais um ponto. Preciso de mais espaço, porque vem gente de tudo quanto é lugar para cá: de BH, Contagem, Neves, Esmeraldas...”, comenta, sem qualquer constrangimento ou medo de ser descoberto pela fiscalização ambiental.
‘Parece um bota-fora’ Apesar da total falta de discrição tanto do dono quanto das montanhas de entulho acumuladas nos bota-foras do Veneza, a Prefeitura de Ribeirão das Neves diz desconhecer o problema. Nem mesmo depois da denúncia da reportagem a fiscalização municipal conseguiu notificar os depósitos clandestinos. A administração informou que funcionários do setor de posturas estiveram nos dois endereços e constataram “a existência do que parece ser um bota-fora”. Mas isso não foi suficiente para que os poluidores fossem fiscalizados e multados, pois “o local estava fechado”. De acordo com a prefeitura, os agentes “retornarão para fazer nova vistoria e, se detectada alguma irregularidade, notificarão o proprietário”.
Fiscalização da porta para fora
Monitorar as atividades dos transportadores e receptores de resíduos não se mostra tarefa fácil, já que mesmo quando os fiscais vão aos locais denunciados, muitas vezes não conseguem comprovar as irregularidades. Assim como ocorreu em Neves, de acordo com fiscais das prefeituras da Grande BH procuradas pelo EM, as áreas particulares muitas vezes estão trancadas no momento da fiscalização, os responsáveis não aparecem para atender os agentes e o material perigoso pode já se encontrar enterrado, o que faz necessário uso de máquinas para obter amostras que nem sempre confirmam as irregularidades. De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), ações de fiscalização em locais de deposição irregular de entulho e bota-foras foram ampliadas em 8,7% nos quatro primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período de 2012, passando de 4.682 para 5.092 procedimentos. As multas, contudo, ainda são raras, na proporção de uma a cada cinco dias. E diminuíram de 51 para 23 (queda de 45%) no período.
No caso do ponto de transbordo de caçambas em que o Estado de Minas flagrou o descarte irregular de material tóxico e de descarte controlado, no Bairro Calafate, entre a linha do metrô e a Avenida Juscelino Kubitschek, a PBH informa que o local é alvo de fiscalização, por exercer a atividade em área acima da previsto pelo alvará, podendo o empreendimento “ser multado e interditado”. Segundo o analista ambiental da empresa, Marcílio Angelo Alves Martins, esse comportamento é irregular e não é a praxe no empreendimento. “Ocorre de virem caçambas com produtos perigosos misturados, mas nossa política é devolver aos geradores ou cobrar pela destinação correta”, disse. Sobre a deposição prolongada de sucata e de produtos que podem contaminar o solo, o analista informou que os montes aguardam apenas o acúmulo suficiente para serem transportados para locais adequados.
Um dos caminhões que deixou o transbordo na última quarta-feira continha visivelmente entulho contaminado, e foi seguido pela equipe do EM. O veículo foi barrado no aterro municipal da BR-040, no Bairro Califórnia, na Região Noroeste, que não aceita a mistura. O motorista, então, dirigiu até o vizinho Bairro Filadélfia, onde funciona um bota-fora particular. No local, apenas entulho de construção civil, como tijolos, areia e terra, poderiam ser aterrados, mas por todo o espaço que foi compactado pelas máquinas despontam do solo restos de muitos pneus, latas de tintas e recipientes de produtos químicos usados em reformas e construções.
O encarregado do empreendimento, que se identificou apenas como Alex, confirmou não ter licença para receber e aterrar resíduos contaminados. Disse, ainda, que as latas e recipientes encontrados pela reportagem, mesmo os parcialmente enterrados, seriam ainda recolhidos e reciclados por catadores que trabalham no local. A Secretaria Municipal Adjunta de Regulação Urbana informou que “não há alvará de localização e funcionamento para o endereço”. “A Gerência de Fiscalização da Regional Noroeste informa que há ação fiscal em andamento no local, devido ao exercício de atividade sem alvará e queima de resíduos a céu aberto. O infrator pode sofrer penalidade de multa e interdição”, atestou a secretaria.
VETOR SUL
Depois de denúncia feita pelo Estado de Minas em 20 de agosto dando conta de mais de 25 bota-foras ilegais em outro trecho da BR-040, na saída Sul de BH, no sentido Rio de Janeiro, a Prefeitura de BH providenciou um levantamento sobre a situação. Uma reunião foi convocada na semana passada para traçar estratégias de combate a essa situação, em conjunto com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, prefeituras e secretários de Meio Ambiente de Nova Lima e Brumadinho, além do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas, Copasa e Polícia Rodoviária Federal, entre outros. Foi acertado que os municípios forneceriam recursos e pessoal para auxiliar o Dnit nas fiscalizações. A PBH tenta agora alterar a lei e incluir punições não apenas para quem produz resíduos e os descarta de forma inadequada, mas também aos transportadores.
A estrada que virou depósito de rejeitos
A atitude dos motoristas de caminhões que atiram resíduos ao longo de vias públicas, seja pela ânsia de lucro ou pela pressa, transformaram o trecho da rodovia BR-040 entre Belo Horizonte e Ribeirão das Neves, no sentido Norte, saída para Brasília, em um gigantesco e escancarado bota-fora. Em 28 quilômetros da via, a reportagem do EM contou 59 pontos de descarte clandestino em áreas de domínio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes às margens da rodovia, nos canteiros centrais e espaços de manobra para retornos. É como se quem trafega por esse trecho passasse por um monte de resíduos a cada 474,5 metros. A composição dessas pilhas é a mesma das encontradas nas caçambas transportadas em BH: restos de lajes, tijolos, ferragens, pedras, latas de tinta, recipientes de solventes, lâmpadas e até sucata contendo óleo lubrificante, como peças automotivas.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Locação em Geral do Estado de Minas Gerais, Geraldo Anatólio, reconhece que motoristas e auxiliares depositam o conteúdo das caçambas em locais impróprios, mas diz que isso ocorre por falta de alternativa. “O preço do despejo regular é muito alto, há poucos locais para a deposição e as distâncias são muito longas”, afirma. De acordo com o sindicalista, uma proposta deve ser negociada para instituir a reciclagem de material coletado em mais usinas municipais. Atualmente, há três em funcionamento e outras duas em estudo em Belo Horizonte. “A realidade hoje é essa. A população precisa descartar os resíduos, o setor gera emprego e renda, mas precisamos de apoio municipal, por questões ambientais e econômicas.”
De acordo com o professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG Rafael Tobias, os descartes contaminados são graves, sobretudo por ameaçar a saúde humana, com efeitos diretos ou cumulativos sobre o organismo. “Esses resíduos se dissolvem na água das chuvas, na forma de um chorume que contamina mananciais. As tintas, por exemplo, contêm metais pesados, o que afeta o sistema neurológico. O mercúrio (presente em lâmpadas, por exemplo) pode afetar o sistema nervoso”, afirma. Para o especialista, o problema do entulho é justamente o grande volume, que causa assoreamento de cursos d’água e soterramento de nascentes. “Sem falar que, quando acumulados em estradas e vias, esses resíduos terão de ser removidos pelo poder público e esse custo será dividido com toda a sociedade”, afirma.
O QUE DIZ A LEI
Quem despeja entulho e lixo contaminado às margens de rodovias ou em outros espaços públicos pode ser enquadrado na Lei dos Crimes Ambientais (9.605/1998). O artigo 54 define como crime “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. A lei estabelece pena de um a quatro anos de prisão e multa entre R$ 5 mil e R$ 50 milhões. Se o descarte ilegal ocorrer em Belo Horizonte, o responsável responde ainda por infração no âmbito do município e está sujeito a multa entre R$ 106 e R$ 4.037.
A reportagem do Estado de Minas investigou a composição dos descartes e o destino das caçambas dispostas em Belo Horizonte para mostrar que esquemas como esse, de desrespeito às leis ambientais e de deposição ilegal de resíduos, imperam por toda a Grande BH. O resultado mais grave vem com as chuvas, na forma de enchentes causadas por drenagens de vias bloqueadas, assoreamento de cursos d’água, poluição, riscos de desabamentos e acidentes com veículos.
Para se ter uma dimensão do problema, a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) de BH recolheu no ano passado 223,5 mil toneladas de entulho, sendo 120 mil (53,6%) descartes clandestinos em lotes vagos, vias públicas e margens de cursos d’água. Um volume semelhante de material de construção daria para erguer 1.770 habitações populares. O maior projeto de moradias populares da capital, o Minha casa minha vida do Jardim Vitória II, tem apenas 180 unidades a mais.
INDICAÇÕES
Ignorado pelas autoridades, o bota-fora clandestino do Bairro Veneza, em Neves, é velho conhecido dos caçambeiros. Em um ponto de transbordo do Bairro Vila Paris, em Contagem, acreditando estar falando com um interessado em entrar no ramo, um grupo de cinco motoristas e ajudantes explicou à reportagem do EM como funciona o esquema. Parte dos patrões usa um sistema de vales em bota-foras: compram várias fichas que são entregues ao caminhoneiro, que só descarrega nos aterros ao entregá-las. “Mas tem quem não trabalhe com ficha. Aí, inclui no nosso pagamento o preço do descarte”, disse um dos mais velhos da roda. É nessa situação que encontrar locais clandestinos de descarte se torna lucrativo, pois os espaços licenciados cobram de R$ 70 a R$ 90 e os clandestinos, no máximo R$ 50. A diferença fica com o motorista.
O mais falante do grupo, um rapaz com menos de 30 anos, admitiu descartar entulho em vias públicas se a fila no bota-fora estiver grande, a chuva dificultar a descarga ou quando sobra tempo. “Se não estiver apertado, deixo a caçamba por último e levo só no fim da tarde ou de noite para jogar no canteiro central ou em lote vago. Se não tiver como, levo para Neves, no aterro clandestino”, afirma.
Clandestino, mas diante de todos
O bota-fora clandestino do Veneza fica em um dos pontos comerciais mais movimentados do bairro de Ribeirão das Neves e a três quarteirões de uma companhia da Polícia Militar. Apesar disso, ninguém nunca interferiu nos negócios irregulares. O acesso pela oficina de fachada leva a um corredor de 20 metros de comprimento, com três carros velhos estacionados e peças sendo lubrificadas em um tanque. Adiante, o solo fofo misturado com lixo mostra sinais de aterramento, em um espaço onde caminhões e tratores são usados na compactação e transporte dos resíduos. As caçambas são despejadas nesse ponto e depois as máquinas pesadas empurram o conteúdo para o precipício, com cerca de 30 metros de profundidade, à beira de um vale. Restos de concreto, tijolos, ferragens, latas de tinta, recipientes de produtos químicos e tudo mais escorrega por esse aterro e cobre a vegetação no fundo.
Um senhor de meia-idade usando macacão azul de mecânico se apresenta como dono do local, de apelido Marcão. A equipe do EM pergunta quanto custa virar duas caçambas de entulho misturado com produtos contaminados, como latas de tinta, solventes e lâmpadas de mercúrio. Todos esses materiais são tóxicos e só podem ser estocados em locais com licença ambiental específica, por representar perigo à saúde humana. Mas isso não se mostra problema para Marcão. Ele só recomenda jogar os rejeitos em outro ponto, por causa da chuva e da lotação do bota-fora da oficina. “Tenho outro lugar, na curva ali da frente. Cobramos R$ 50. É um outro lugar que eu mesmo arrumei. Se estiar de manhã, de tarde a máquina empurra o entulho”, disse.
O dono dos bota-foras leva a equipe até o outro endereço, a menos de 500 metros do primeiro. Apresenta um lote com uma casa e um muro parcialmente derrubado, de onde se vê, da rua mesmo, as montanhas de entulho acumuladas no quintal. Outro vale nos fundos começa a ser aterrado por todo tipo de entulho e destroços. “Tem uns 10 anos que tenho o primeiro lote. Como ficou muito cheio, arranjei este aqui. E estou esperando a imobiliária liberar um outro lote para comprar e fazer mais um ponto. Preciso de mais espaço, porque vem gente de tudo quanto é lugar para cá: de BH, Contagem, Neves, Esmeraldas...”, comenta, sem qualquer constrangimento ou medo de ser descoberto pela fiscalização ambiental.
‘Parece um bota-fora’ Apesar da total falta de discrição tanto do dono quanto das montanhas de entulho acumuladas nos bota-foras do Veneza, a Prefeitura de Ribeirão das Neves diz desconhecer o problema. Nem mesmo depois da denúncia da reportagem a fiscalização municipal conseguiu notificar os depósitos clandestinos. A administração informou que funcionários do setor de posturas estiveram nos dois endereços e constataram “a existência do que parece ser um bota-fora”. Mas isso não foi suficiente para que os poluidores fossem fiscalizados e multados, pois “o local estava fechado”. De acordo com a prefeitura, os agentes “retornarão para fazer nova vistoria e, se detectada alguma irregularidade, notificarão o proprietário”.
Fiscalização da porta para fora
Monitorar as atividades dos transportadores e receptores de resíduos não se mostra tarefa fácil, já que mesmo quando os fiscais vão aos locais denunciados, muitas vezes não conseguem comprovar as irregularidades. Assim como ocorreu em Neves, de acordo com fiscais das prefeituras da Grande BH procuradas pelo EM, as áreas particulares muitas vezes estão trancadas no momento da fiscalização, os responsáveis não aparecem para atender os agentes e o material perigoso pode já se encontrar enterrado, o que faz necessário uso de máquinas para obter amostras que nem sempre confirmam as irregularidades. De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), ações de fiscalização em locais de deposição irregular de entulho e bota-foras foram ampliadas em 8,7% nos quatro primeiros meses deste ano em relação ao mesmo período de 2012, passando de 4.682 para 5.092 procedimentos. As multas, contudo, ainda são raras, na proporção de uma a cada cinco dias. E diminuíram de 51 para 23 (queda de 45%) no período.
No caso do ponto de transbordo de caçambas em que o Estado de Minas flagrou o descarte irregular de material tóxico e de descarte controlado, no Bairro Calafate, entre a linha do metrô e a Avenida Juscelino Kubitschek, a PBH informa que o local é alvo de fiscalização, por exercer a atividade em área acima da previsto pelo alvará, podendo o empreendimento “ser multado e interditado”. Segundo o analista ambiental da empresa, Marcílio Angelo Alves Martins, esse comportamento é irregular e não é a praxe no empreendimento. “Ocorre de virem caçambas com produtos perigosos misturados, mas nossa política é devolver aos geradores ou cobrar pela destinação correta”, disse. Sobre a deposição prolongada de sucata e de produtos que podem contaminar o solo, o analista informou que os montes aguardam apenas o acúmulo suficiente para serem transportados para locais adequados.
Um dos caminhões que deixou o transbordo na última quarta-feira continha visivelmente entulho contaminado, e foi seguido pela equipe do EM. O veículo foi barrado no aterro municipal da BR-040, no Bairro Califórnia, na Região Noroeste, que não aceita a mistura. O motorista, então, dirigiu até o vizinho Bairro Filadélfia, onde funciona um bota-fora particular. No local, apenas entulho de construção civil, como tijolos, areia e terra, poderiam ser aterrados, mas por todo o espaço que foi compactado pelas máquinas despontam do solo restos de muitos pneus, latas de tintas e recipientes de produtos químicos usados em reformas e construções.
O encarregado do empreendimento, que se identificou apenas como Alex, confirmou não ter licença para receber e aterrar resíduos contaminados. Disse, ainda, que as latas e recipientes encontrados pela reportagem, mesmo os parcialmente enterrados, seriam ainda recolhidos e reciclados por catadores que trabalham no local. A Secretaria Municipal Adjunta de Regulação Urbana informou que “não há alvará de localização e funcionamento para o endereço”. “A Gerência de Fiscalização da Regional Noroeste informa que há ação fiscal em andamento no local, devido ao exercício de atividade sem alvará e queima de resíduos a céu aberto. O infrator pode sofrer penalidade de multa e interdição”, atestou a secretaria.
VETOR SUL
Depois de denúncia feita pelo Estado de Minas em 20 de agosto dando conta de mais de 25 bota-foras ilegais em outro trecho da BR-040, na saída Sul de BH, no sentido Rio de Janeiro, a Prefeitura de BH providenciou um levantamento sobre a situação. Uma reunião foi convocada na semana passada para traçar estratégias de combate a essa situação, em conjunto com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, prefeituras e secretários de Meio Ambiente de Nova Lima e Brumadinho, além do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas, Copasa e Polícia Rodoviária Federal, entre outros. Foi acertado que os municípios forneceriam recursos e pessoal para auxiliar o Dnit nas fiscalizações. A PBH tenta agora alterar a lei e incluir punições não apenas para quem produz resíduos e os descarta de forma inadequada, mas também aos transportadores.
A estrada que virou depósito de rejeitos
A atitude dos motoristas de caminhões que atiram resíduos ao longo de vias públicas, seja pela ânsia de lucro ou pela pressa, transformaram o trecho da rodovia BR-040 entre Belo Horizonte e Ribeirão das Neves, no sentido Norte, saída para Brasília, em um gigantesco e escancarado bota-fora. Em 28 quilômetros da via, a reportagem do EM contou 59 pontos de descarte clandestino em áreas de domínio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes às margens da rodovia, nos canteiros centrais e espaços de manobra para retornos. É como se quem trafega por esse trecho passasse por um monte de resíduos a cada 474,5 metros. A composição dessas pilhas é a mesma das encontradas nas caçambas transportadas em BH: restos de lajes, tijolos, ferragens, pedras, latas de tinta, recipientes de solventes, lâmpadas e até sucata contendo óleo lubrificante, como peças automotivas.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Locação em Geral do Estado de Minas Gerais, Geraldo Anatólio, reconhece que motoristas e auxiliares depositam o conteúdo das caçambas em locais impróprios, mas diz que isso ocorre por falta de alternativa. “O preço do despejo regular é muito alto, há poucos locais para a deposição e as distâncias são muito longas”, afirma. De acordo com o sindicalista, uma proposta deve ser negociada para instituir a reciclagem de material coletado em mais usinas municipais. Atualmente, há três em funcionamento e outras duas em estudo em Belo Horizonte. “A realidade hoje é essa. A população precisa descartar os resíduos, o setor gera emprego e renda, mas precisamos de apoio municipal, por questões ambientais e econômicas.”
De acordo com o professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG Rafael Tobias, os descartes contaminados são graves, sobretudo por ameaçar a saúde humana, com efeitos diretos ou cumulativos sobre o organismo. “Esses resíduos se dissolvem na água das chuvas, na forma de um chorume que contamina mananciais. As tintas, por exemplo, contêm metais pesados, o que afeta o sistema neurológico. O mercúrio (presente em lâmpadas, por exemplo) pode afetar o sistema nervoso”, afirma. Para o especialista, o problema do entulho é justamente o grande volume, que causa assoreamento de cursos d’água e soterramento de nascentes. “Sem falar que, quando acumulados em estradas e vias, esses resíduos terão de ser removidos pelo poder público e esse custo será dividido com toda a sociedade”, afirma.
O QUE DIZ A LEI
Quem despeja entulho e lixo contaminado às margens de rodovias ou em outros espaços públicos pode ser enquadrado na Lei dos Crimes Ambientais (9.605/1998). O artigo 54 define como crime “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”. A lei estabelece pena de um a quatro anos de prisão e multa entre R$ 5 mil e R$ 50 milhões. Se o descarte ilegal ocorrer em Belo Horizonte, o responsável responde ainda por infração no âmbito do município e está sujeito a multa entre R$ 106 e R$ 4.037.