Jornal Estado de Minas

MPF quer responsabilizar UFMG por dano moral devido a trotes violentos

Procurador quer responsabilizar instituição por dano moral devido a agressões de cunho racista e homofóbico a calouros. Audiência propõe criação de ouvidoria para combater repressores

Juliana Ferreira Tiago de Holanda
Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, procurador regional dos Direitos do Cidadão: "Deve haver uma proibição clara sobre os limites do trotes, prática que deve ser abolida na faculdade" - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press


A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pode ser responsabilizada por dano moral coletivo devido a trotes de caráter preconceituoso nos seus câmpus, como o ocorrido em março na Faculdade de Direito, quando fotos com veteranos e calouros fazendo alusões ao nazismo e em atitude racista provocaram a abertura de processo administrativo que investiga quatro estudantesA possível punição da instituição foi confirmada pelo Ministério Público Federal (MPF), que deve se reunir nos próximos dias com o reitor Clélio Campolina e seu provável sucessor, Jaime Arturo Ramírez, que ainda precisa ter o nome confirmado pelo Ministério da Educação


Além de pedir a extinção do trote na universidade, o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Edmundo Antônio Dias Netto Júnior, pretende fazer outras recomendações, como a criação de uma ouvidoria de combate a repressões, a aplicação de punições para atos que violem os direitos humanos e a criação de uma disciplina sobre o temaPara o órgão, as medidas tomadas pela reitoria não foram suficientes para inibir os trotes.


As ações foram definidas depois de audiência pública na manhã de ontem, na Faculdade de DireitoRepresentantes de estudantes e professores acusaram a reitoria de ser omissa em relação aos trotes e a outros casos que reacenderam a discussão sobre o desrespeito no câmpus, com o de um professor de sociologia afastado de uma disciplina sob suspeita de assédio sexual e o de um cartaz de uma festa do curso de veterinária com a imagem de uma vaca com corpo de mulher.


“Em fevereiro de 2011, o MPF fez recomendações à UFMG sobre medidas para minimizar os efeitos do trotesPassados dois anos, o trote se mostrou com grau de preconceito maiorOs trotes são uma prática que deve ser abolida na faculdade”, disse o procurador, que concordou com o pedido do Diretório Central dos Estudantes (DCE) para a criação de uma ouvidoria que acolha as denúncias e tenha assessoria jurídica


- Foto: Reprodução da internet/Facebook O coordenador do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da UFMG, Marco Aurélio Prado, sugeriu uma nova burocracia de sindicâncias, para que haja punição de crimes“A UFMG tem um histórico de violação, mas só age para manter sua imagem quando aparece na mídia”, afirmouA professora Cláudia Mayorga, membro do Núcleo Conexões de Saberes, reiterou: “Os trotes são a ponta do iceberg da exclusão das minoriasNão é gentileza, é questão de direito.” A professora de direito do trabalho Daniela Muradas Reis diz que os calouros são obrigados a participar dessas recepções e, devido à hierarquia imposta pelos veteranos, não assumem que foram violados


REGIMENTO

O regimento geral da UFMG não menciona especificamente os trotes, mas os que ocorrem são investigados pela instituição, segundo revelou a vice-reitoria Rocksane de Carvalho Norton ao Estado de Minas“Qualquer forma de opressão, constrangimento ou violência por parte da comunidade acadêmica é proibida pelo regimentoOs trotes que chegam ao conhecimento das diretorias de unidade ou da reitoria são alvo de processos administrativos disciplinaresJá tivemos alunos punidos com suspensão e advertência”, explicaEla reconhece que as providências não conseguiram acabar com a prática“É insuportável conviver com os trotes, mas eles continuam ocorrendo, a despeito de todas as medidas que a gente vem tomando”, reforça.


O Conselho Universitário da UFMG, formado por estudantes, professores e servidores, discute uma resolução para proibir os trotesFoi formada uma comissão específica para elaborar o documento, que deve ser aprovado nas próximas reuniões do conselhoEle estabelece penas em acordo com as previstas no regimento geral: advertência, suspensão e exclusão.

Rocksane de Carvalho rechaça a acusação de que a reitoria vem sendo omissa“No caso lamentável do professor de sociologia, por exemplo, a diretoria da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas abriu uma sindicância para apurar os fatosO mesmo foi feito no caso do cartaz feito por alunos da Faculdade de Veterinária

A reitoria só tomaria alguma atitude se esses diretores não tivessem cumprido seu papel”, ressalta

 

Como ficou?
Escola de direito
Resultado só em dezembro

 

Só em dezembro a Faculdade de Direito da UFMG deve divulgar o resultado do processo administrativo que investiga quatro veteranos do curso, acusados de atos nazistas e racistas em um trote em marçoO processo foi aberto depois que professores recorreram contra a decisão da sindicância de indiciar 198 estudantes, entre vítimas, veteranos e a diretoria do Centro Acadêmico Afonso Pena (Caap)A sindicância, presidida pelo professor Hermes Vilchez Guerrero, concluiu que houve apenas desobediência à Portaria 34/2011, que proíbe festas e consumo de bebida alcoólica no câmpusAo final, a comissão recomendou oito dias de suspensão a 67 alunos do segundo período e aos integrantes da diretoria do Caap, além de uma advertência oral aos calourosAs penas não foram impostas