Jornal Estado de Minas

Fuga em massa do Faixa Azul causa problemas para moradores em BH

Para escapar da cobrança do estacionamento rotativo , motoristas invadem ruas próximas da Avenida do Contorno

Jorge Macedo - especial para o EM

Flávia Ayer

Rua Barão de Lucena, na Serra: mais uma via ocupada por quem prefere caminhar três ou quatro quarteirões a comprar um talão de estacionamento. O problema se espalhou por diversos bairros de Belo Horizonte - Foto: (BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS)


Uma sombra azul invadiu as ruas e avenidas de Belo Horizonte, com o aumento de 78% no número de quarteirões e 70% de vagas ocupadas por estacionamento rotativo na última décadaJá presente em quatro das nove regionais de BH, a restrição ocupa quase integralmente a área limitada pela Avenida do ContornoO crescimento vem a reboque da explosão da frota de veículos, que dobrou nos últimos 10 anos, e impulsiona outro movimentoEm busca de vagas gratuitas, motoristas traçaram rotas para fugir do Faixa Azul e transformaram ruas tranquilas de bairros nos limites da Contorno em enormes estacionamentos à céu abertoE nesses locais, vale tudo: parar na esquina, em porta de garagem e até mesmo em cima do passeio.

Ainda este mês a BHTrans vai ampliar o sistema de Faixa Azul no Barro Preto, uma das principais áreas comerciais da Região Centro-SulAtualmente, 789 quarteirões são ocupados pelo rotativo, contra 441 em 2003No mesmo intervalo, as vagas passaram de 12.153 para 20.722, dando 92.622 oportunidades de estacionamento para os motoristasO aumento é de 44% em relação há 10 anos, quando havia 64.032 oportunidades para estacionarOs dados são da BHTransAo custo de R$ 3,10, o motorista tem o direito de permanecer estacionado por 1 hora, 2 horas ou 5 horas nas vagas.

Mas tem muita gente preferindo gastar sola de sapato a pôr a mão no bolso, alterando a rotina pacata de bairros residenciais nos limites da Avenida do Contorno, por onde circulam 500 mil veículos diariamenteOs motoristas chegam antes das 8h, deixam os carros e só retornam perto das 18h, depois do expediente
São quarteirões inteiros com veículos de fora a fora, em frente a casas e prédios residenciais“Aqui era uma ilha de sossego e a gente não tem paz maisJá tive que esperar mais de três horas pelo guindaste para tirar um carro da frente da minha garagem”, desabafa a moradora da Rua Marquesa de Alorna, no Bairro Serra, Região Centro-Sul, Vera Domingos, de 43 anos

LEIS DESRESPEITADAS

Na Serra, a disputa é tão acirrada que há quem opte por parar na esquina e na contramão, desafiando as leis de trânsitoA situação é mais crítica nas áreas próximas à Rua do Ouro“Às 8h já não há mais vaga na regiãoMinha irmã trabalhava na Praça da Savassi e vinha estacionar aqui”, conta Dalton Júnior, de 40, funcionário de uma empresa na SerraO programador de sistema Flaviano Leite Ribeiro, de 31, trabalha no Funcionários, mas prefere caminhar três quarteirões e parar na Serra, em vez de parar em estacionamentos particulares ou usar o Faixa Azul“Melhor economizarSe o transporte público de Ribeirão das Neves para BH fosse melhor, eu até viria de ônibus”, confessa Flaviano.

Apesar da sinalização proibindo estacionar na esquina das ruas Visconde de Taunay e Carlos Antonini, no Bairro São Lucas, na Centro-Sul, a um quarteirão da Contorno, para acabar com a amolação, foi preciso por uma placa lembrando motoristas de respeitar as leis de trânsito

A circulação fica comprometida com carros estacionados dos dois lados das ruas, estreitasÉ o que ocorre também no Gutierrez, na Região Oeste“Aqui era muito tranquilo e a gente até sabia de quem eram os carros parados na rua”, conta o aposentado Normando Pongetti, de 81 anos, morador da Rua Holanda Lima, na esquina com Marechal Hermes, a um quarteirão da ContornoHá cerca de dois anos, para receber visita da filha, só se ela embicar na porta ou a garagem estiver desocupada.

A movimentação, geralmente, chega acompanhada de problemas como o aumento da violência“Às 3h da tarde, quebram vidros dos carros”, conta Rosane Froede, de 51, moradora da Rua Almandina, que corta a Avenida do Contorno, no Bairro Santa Tereza, Região LesteTem gente que se queixa também de prejuízosSócio de uma oficina na Rua Cássia, no Bairro Prado, Região Oeste, o pintor automotivo Lindonor Stuart, de 59, conta que com a implantação de rotativos perto dos hospitais Felício Rocho e Odete Valadares, há cerca de dois anos, funcionários e pacientes descobriram as ruas do Prado como alternativa“Vários comerciantes foram embora por causa dissoOs clientes não têm lugar para estacionar”, diz.

Avanço do rotativo
                            2003    2013
Quarteirões              441    789
Vagas físicas        12.153    20.722
Vagas rotativas     64.032    92.622


Localização das vagas pagas
Centro    15,8%
Hospitalar    15,6%
Barro Preto    14,0%
Savassi    13,8%
Funcionários    12,9%
Assembleia    10,6%
Lourdes    10,2%
Cidade Jardim    2,3%
Mangabeiras    1,6%
Belvedere    1,4%
Barreiro    0,7%
São Pedro    0,5%
Floresta    0,4%
Venda Nova    0,2%


O estacionamento rotativo foi criado em BH em 1967, mas a implantação do sistema teve início em 1976
De acordo com a BHTrans, a implantação ocorre em locais onde a quantidade de veículos que necessitam estacionar é maior que o número de vagas disponíveisA intenção do sistema é garantir rotatividade
A BHTrans estuda áreas para implantação do rotativo a partir de solicitação da populaçãoA empresa analisa a quantidade e o tempo de permanência dos veículos nas ruas em cada quarteirão


Especialistas dizem que prioridade é de carros

O avanço do estacionamento rotativo na capital e a fuga dos motoristas para encontrar vagas em bairros sem o sistema são consequências naturais numa cidade que priorizou os veículos particulares, em detrimento do transporte público, na avaliação de especialistas“Os carros têm que ocupar algum espaço e é o rotativo que garantiria a rotatividade”, afirma o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Paulo Rogério Monteiro, mestre em engenharia de transportes e trânsito.

Para tratar essa questão, segundo Monteiro, o ideal seria garantir o mínimo de qualidade para quem optasse por não usar carro“É preciso restringir o acesso a automóvel, mas também dar opção ao usuário”, afirmaTambém professor da UFMG, o pós-doutor em engenharia de transportes Nilson Nunes aponta que o aumento dos rotativos é o esperado“Com o crescimento da frota, não tem jeito de evitar issoO rotativo pretende democratizar o acesso às vagas”, pontua, lamentando o mau uso do modelo“Vemos muitas pessoas que deixam o carro o dia inteiro na vaga”, diz.

O corretor de imóveis Ramon Campos, de 36, é um dos motoristas que fogem do rotativo e acabam andando mais para estacionarEle trabalha na Avenida do Contorno, no Bairro Santo Antônio, na Região Centro-Sul, e costuma parar o carro a mais de três quarteirões do local de serviço“Para quem vai trabalhar as ruas de fundo são a melhor opçãoMas, dependendo do dia, gasto mais tempo procurando vaga do que se viesse de ônibus”, conta Ramon, que só não abandonou o carro porque o usa para visitar clientes.

O comandante do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar, tenente-coronel Edvaldo Piccinini, diz desconhecer a sobrecarga de estacionamentos nos bairros adjacentes à Avenida do Contorno, mas ressalta que a fiscalização em relação a estacionamento e aos rotativos é rígida em toda a cidade“Fazemos isso de forma rotineira e infrações de estacionamento proibido são as campeãsA 1ª Companhia atua especificamente no perímetro da Contorno e a 2ª Companhia apenas nos bairros”, explica Piccinini.

BARRO PRETO

Atendendo pedido de comerciantes, a BHTrans vai aumentar o número de rotativos no Barro Preto, polo de moda da capital, na Região Centro-SulO bairro já concentra 14% das vagas rotativas da cidade e, ainda este mês, chegará a 1.993 oportunidades de estacionamentos para veículosEm 18 quarteirões que já contam com o controle, o tempo de permanência será reduzidoAlém disso, serão criadas 98 vagas físicas, em dois quarteirões das ruas Alvarenga Peixoto e Tenente Brito Melo.