A tentativa de fazer a contagem dos moradores de rua em Belo Horizonte comprovou a dificuldade na identificação dos pontos de concentração dessa parcela da populaçãoApesar do desenvolvimento de base de dados no Google Earth, que apontou 280 locais na cidade, as 20 equipes saíram na manhã de ontem sem saber o que encontrariamA migração constante dos andarilhos dificultou a ação de sete recenseadores que percorreram 23 pontos da Região Nordeste .
Outro problema foi o perigo que muitos locais representavamMesmo assim, os que apareceram pelo caminho permitiram entrevistas que vão mostrar o perfil de quem vive nas ruasA maioria é homem, de 35 a 50 anos, que veio de outras cidades ou estadosQuase todos disseram ter famílias e local para morar, mas conflitos com parentes, dependência de drogas ou álcool e problemas mentais os levaram a escolher uma vida sem teto.
Os selecionados para aplicar a pesquisa, os coordenadores das equipes e os 19 moradores de rua escolhidos para facilitar a comunicação com mendigos se reuniram na sede da Guarda Municipal, na Avenida dos AndradasÀs 8h, carros saíram em direção às nove regionais.
O Estado de Minas acompanhou o trabalho da equipe responsável pela Região Nordeste, supervisionado pela professora de terapia ocupacional Cristiane Drumond de Brito, da UFMGEla comandou três alunos de medicina e dois estudantes de terapia ocupacional da UFMG, uma assistente social e um professor de educação físicaO morador de rua Anderson Sardinha Guimarães, de 34 anos, foi o relações-públicas do grupo, fazendo abordagens e explicando a pesquisa“Convivo com essas pessoas e isso facilita a chegada das equipes.”
Nas primeiras três horas de censo, nove moradores aceitaram responder à pesquisaOutros quatro se recusaram e entraram apenas na contagem
Sentado entre vários livros que vende debaixo do viaduto, o homem de 42 anos parava para cumprimentar todos que passavam e não hesitou em participar do censoNatural de Salvador, veio para cá há cinco anos, onde perdeu uma perna em um acidente e começou a vender os livros que lhe são doados.
“Vivo na rua desde os 19 anos, quando meus pais e minha avó morreramRodei o paísNão sei se foi depressãoAinda estou tentando descobrir”, riu o morador de rua, que diz evitar bebida e drogasPor isso, não usa albergues ou abrigos: “Lá tem muita coisa errada e dá confusãoIria se não fosse assimPrefiro ficar na rua e comprar minha comida.”
Pesquisadores são hostilizados
Debaixo de um viaduto da Avenida Cristiano Machado, os recenseadores se depararam com a hostilização de mendigos
Na Praça Guimarães Rosa, uma dupla com problemas mentais deu trabalho para a equipeFoi preciso fazer a mesma pergunta várias vezes“É difícil porque não podemos induzir as questões”, explicou a assistente social Lilian Almeida de Paula, que entrevistou um mendigo.
Apesar da dificuldade, ele trouxe informações importantes, como a existência de agressão entre os mendigos, roubos e violência sexualAlguns dos 23 pontos traçados pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social estavam vazios, como as ruas Urupes, Urandi e Itapeva.
A intenção da prefeitura é compreender o fenônemo que leva as pessoas às ruas para poder ampliar suas políticas públicasPara isso, o questionário foi dividido em 12 áreas com cerca de 60 perguntasEntre os questionamentos estão idade, orientação sexual, cor, escolaridade, deficiência física, por que está na rua, moradia, contato com família, higiene, problemas de saúde, transtorno mental, uso de bebida alcoólica ou droga, alimentação, programas sociais, trabalho, violência e preconceito“Queremos saber o que precisa ser feito para aprimorarmos as políticas sociais”, disse a coordenadora do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, Soraya Romina.
Personagem da notícia
ANDERSON SARDINHA GUIMARÃES
Morador de rua do bairro de Lourdes
O relações-públicas da pesquisa
Ele vive na Rua Rio de Janeiro, no Bairro de Lourdes, há um ano e dois mesesPor participar do Movimento Nacional da População em Situação de Rua e ser presença constante na Pastoral de Rua, Anderson Sardinha Guimarães, de 34 anos, foi escolhido para ser um dos “relações-públicas” do censoEle abriu caminho e facilitou a conversa entre recenseadores da Região Nordeste e mendigosMas nem sempre esteve nas ruasDe Juiz de Fora, onde se formou técnico de informática industrial, foi para BH por emprego, mas com uma deficiência visual não conseguiuFixou moradia na rua do bairro nobre e se engajou na luta pelas pessoas que não tiveram outra escolha a não ser viver sem teto.