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Estado de Minas

Moradores de rua de Belo Horizonte respondem ao censo

Equipe que foi às ruas ontem encontrou dificuldades para fazer a contagem


postado em 28/11/2013 06:00 / atualizado em 28/11/2013 07:48

Durante entrevistas, andarilhos da Avenida Cristiano Machado explicaram motivos da resistência aos abrigos(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press )
Durante entrevistas, andarilhos da Avenida Cristiano Machado explicaram motivos da resistência aos abrigos (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press )

A tentativa de fazer a contagem dos moradores de rua em Belo Horizonte comprovou a dificuldade na identificação dos pontos de concentração dessa parcela da população. Apesar do desenvolvimento de base de dados no Google Earth, que apontou 280 locais na cidade, as 20 equipes saíram na manhã de ontem sem saber o que encontrariam. A migração constante dos andarilhos dificultou a ação de sete recenseadores que percorreram 23 pontos da Região Nordeste .

Outro problema foi o perigo que muitos locais representavam. Mesmo assim, os que apareceram pelo caminho permitiram entrevistas que vão mostrar o perfil de quem vive nas ruas. A maioria é homem, de 35 a 50 anos, que veio de outras cidades ou estados. Quase todos disseram ter famílias e local para morar, mas conflitos com parentes, dependência de drogas ou álcool e problemas mentais os levaram a escolher uma vida sem teto.

Os selecionados para aplicar a pesquisa, os coordenadores das equipes e os 19 moradores de rua escolhidos para facilitar a comunicação com mendigos se reuniram na sede da Guarda Municipal, na Avenida dos Andradas. Às 8h, carros saíram em direção às nove regionais.

O Estado de Minas acompanhou o trabalho da equipe responsável pela Região Nordeste, supervisionado pela professora de terapia ocupacional Cristiane Drumond de Brito, da UFMG. Ela comandou três alunos de medicina e dois estudantes de terapia ocupacional da UFMG, uma assistente social e um professor de educação física. O morador de rua Anderson Sardinha Guimarães, de 34 anos, foi o relações-públicas do grupo, fazendo abordagens e explicando a pesquisa. “Convivo com essas pessoas e isso facilita a chegada das equipes.”

Nas primeiras três horas de censo, nove moradores aceitaram responder à pesquisa. Outros quatro se recusaram e entraram apenas na contagem. O primeiro entrevistado estava na Rua Guanabara, no Bairro Concórdia. Depois, o questionário foi aplicado na Avenida Cristiano Machado, no Bairro Cidade Nova. Lá, apenas Marcelo Panphila aceitou responder às perguntas, o que durava de 20 a 40 minutos.
Sentado entre vários livros que vende debaixo do viaduto, o homem de 42 anos parava para cumprimentar todos que passavam e não hesitou em participar do censo. Natural de Salvador, veio para cá há cinco anos, onde perdeu uma perna em um acidente e começou a vender os livros que lhe são doados.

“Vivo na rua desde os 19 anos, quando meus pais e minha avó morreram. Rodei o país. Não sei se foi depressão. Ainda estou tentando descobrir”, riu o morador de rua, que diz evitar bebida e drogas. Por isso, não usa albergues ou abrigos: “Lá tem muita coisa errada e dá confusão. Iria se não fosse assim. Prefiro ficar na rua e comprar minha comida.”


Pesquisadores são hostilizados

Debaixo de um viaduto da Avenida Cristiano Machado, os recenseadores se depararam com a hostilização de mendigos. Dois até aceitaram o lanche oferecido – pão com mortadela e um copo de suco – mas se negaram a esclarecer as dúvidas do questionário. Alguns nem pararam e logo surgiram dificuldades de comunicação.

Na Praça Guimarães Rosa, uma dupla com problemas mentais deu trabalho para a equipe. Foi preciso fazer a mesma pergunta várias vezes. “É difícil porque não podemos induzir as questões”, explicou a assistente social Lilian Almeida de Paula, que entrevistou um mendigo.

Apesar da dificuldade, ele trouxe informações importantes, como a existência de agressão entre os mendigos, roubos e violência sexual. Alguns dos 23 pontos traçados pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social estavam vazios, como as ruas Urupes, Urandi e Itapeva.

A intenção da prefeitura é compreender o fenônemo que leva as pessoas às ruas para poder ampliar suas políticas públicas. Para isso, o questionário foi dividido em 12 áreas com cerca de 60 perguntas. Entre os questionamentos estão idade, orientação sexual, cor, escolaridade, deficiência física, por que está na rua, moradia, contato com família, higiene, problemas de saúde, transtorno mental, uso de bebida alcoólica ou droga, alimentação, programas sociais, trabalho, violência e preconceito. “Queremos saber o que precisa ser feito para aprimorarmos as políticas sociais”, disse a coordenadora do Comitê de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, Soraya Romina.

Personagem da notícia


ANDERSON SARDINHA GUIMARÃES
Morador de rua do bairro de Lourdes

(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press )
(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press )


O relações-públicas da pesquisa

Ele vive na Rua Rio de Janeiro, no Bairro de Lourdes, há um ano e dois meses. Por participar do Movimento Nacional da População em Situação de Rua e ser presença constante na Pastoral de Rua, Anderson Sardinha Guimarães, de 34 anos, foi escolhido para ser um dos “relações-públicas” do censo. Ele abriu caminho e facilitou a conversa entre recenseadores da Região Nordeste e mendigos. Mas nem sempre esteve nas ruas. De Juiz de Fora, onde se formou técnico de informática industrial, foi para BH por emprego, mas com uma deficiência visual não conseguiu. Fixou moradia na rua do bairro nobre e se engajou na luta pelas pessoas que não tiveram outra escolha a não ser viver sem teto.


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