A capela-mor ainda está fechada com cortinas e a equipe de restauro dá os últimos retoques nas pinturas das paredes e colunas. Nos corredores laterais, a nova iluminação faz resplandecer o azul-celeste do teto das abóbodas nas galerias, enquanto, sentados nos bancos ou de pé, os fiéis não se cansam de admirar o interior da centenária Matriz da Paróquia São José, ou simplesmente Igreja de São José, no Centro de Belo Horizonte, que ficou 20 meses em obra para trazer de volta a beleza e as cores originais. O retorno às atividades normais está próximo. Em 22 de dezembro, às 9h30, o templo católico estará em festa para a celebração de ação de graças pela conclusão da restauração, com missa presidida pelo arcebispo metropolitano dom Walmor Oliveira de Azevedo. “Todo o serviço foi executado com dinheiro da comunidade, por meio de doações. Não houve recursos públicos, mas carinho e esforço das pessoas”, diz, com orgulho, o vigário paroquial Flávio Leonardo Santos Campos, ao lado do pároco José do Carmo Zambom. No total, foram gastos R$ 2 milhões na recuperação.
“Ainda teremos uma semana de trabalho. A etapa agora é de pente-fino, para não deixar nada descoberto”, diz a especialista responsável pela intervenção, Maria Regina Ramos, do Grupo Oficina de Restauro. Segundo ela, em mais de um século de história foram muitas as agressões, representadas por infiltrações, perdas da policromia, trincas, degradação por excrementos de insetos, arranhões e abrasões. “O grande problema continua sendo o pó de asfalto, vindo da Avenida Afonso Pena e ruas laterais, que escureceu o interior da igreja. Além disso, é preciso que os frequentadores ajudem na conservação, deixando de encostar a sola dos sapatos nas paredes e apoiar os braços nas colunas”, orienta Maria Regina.
Na tarde de sexta-feira, era possível ver o brilho das pinturas parietais, de autoria do alemão Wilhelm Schumacher; o dourado cobrindo os capitéis, no topo das colunas e colunetas – foi usada folha de ouro no lugar da purpurina –, e a decoração das cúpulas da nave central, que estavam manchadas com querosene resultante da imunização executada há alguns anos. “Esta é a maior obra de restauro já feita aqui. Por trás das pinturas houve a consolidação estrutural, serviço que não aparece. O suporte em reboco das paredes e o estuque das cúpulas estavam se deteriorado e havia uma série de problemas típicos de igrejas antigas”, explicou Maria Regina. Para evitar a degradação, o restauro foi precedido de revisão no telhado e instalação de manta metálica sob a cobertura, a fim de impedir os efeitos nocivos das chuvas.
“Este é um lugar de cultura e fé. O resultado da restauração está excelente”, afirma a auxiliar administrativa Mariane Gabriel Nunes, de 20 anos, moradora de Venda Nova. Ainda criança, ela conheceu a igreja levada pelas mãos da avó e da mãe e, sempre que pode, volta à São José. A dona de casa Selma Tiago Vieira, moradora do Jardim América, na Região Oeste, também definiu como “maravilhoso” o trabalho, principalmente pela claridade que proporcionou ao espaço sagrado.
A técnica em enfermagem Regina Dias, moradora do Bairro Buritis, na Região Oeste, achava o ambiente muito escuro. “Está linda e a obra não demorou tanto. Fico feliz que as pessoas tenham colaborado.” Padre Flávio faz questão de acrescentar: “É importante ressaltar a campanha São José é 10, comandada pelo padre Zambom, que permitiu a contribuição, por parte dos católicos, com R$ 10”.
Os padres redentoristas comandam a mais completa obra de recuperação dos elementos artísticos da construção neogótica, que recebe, por dia, cerca de 1,5 mil pessoas, e, nos fins de semana, até 6 mil. “Este é um presente de Natal para a população de BH. Em 19 de março, Dia de São José, teremos a festa do padroeiro. Trata-se de uma igreja muito querida na Região Metropolitana de BH, pois as pessoas sempre passam por aqui para rezar”, afirma o vigário paroquial. Há uma boa notícia também para as noivas, pois, em março, os casamentos voltarão a ser realizados. As celebrações estavam suspensas desde o início do ano, devido à presença de andaimes.
Quando a parede vira obra de arte
As pinturas parietais feitas por Wilhelm Schumacher diretamente nas paredes e teto sobre o reboco, em moda em BH no início do século 20, consumiram dois anos de trabalho, entre 1911 e 1912. Considerado o maior conjunto desse tipo de ornamentos em igrejas da capital, o interior da matriz reúne uma variação de motivos religiosos e alguns pagãos: há figuras de 28 santos, de um lado os homens e do outro as mulheres; o patrono da matriz no alto do arco-cruzeiro, com a inscrição “Rogai por nós”; os evangelistas; painéis mostrando José do Egito, que não tem nada a ver com o pai adotivo de Jesus; Nossa Senhora ao lado dos apóstolos; e até os símbolos do zodíaco. No acervo da igreja está o retrato de Schumacher, que estudou belas-artes em Munique, no seu país natal, e em Bolonha, na Itália.
A Paróquia de São José foi criada em 1900, quando BH ainda pertencia à arquidiocese de Mariana. Naquele ano, o bispo de Mariana, dom Silvério, entregou a igreja aos missionários redentoristas. No livro Verdades histórica e pré-históricas de Belo Horizonte, Raul Tassini escreveu que a igreja, pelo seu patrimônio artístico, “empalidece os demais templos de BH”. “Esta é a igreja mais bonita de BH, pois tem rica decoração, vitrais belos e pé-direito altíssimo”, afirma Maria Regina.
SÍMBOLOS A restauração da igreja permitiu também algumas descobertas. Entre elas padre Flávio mostra duas cruzes, nas colunas laterais do altar-mor. “Sabíamos que havia 12, numa representação dos apóstolos. Com o passar dos dias, foram localizadas as do presbitério, duas na entrada e oito nas paredes laterais”, diz o religioso. Um detalhe mostra o esmero da equipe de restauração, que pintou as caixas de luz e tampas cegas com a mesma decoração das paredes. A expectativa é de fazer a restauração da fachada principal, que também apresenta rica decoração, conforme fotografia de época, no ano que vem.
Quem olha atentamente cada centímetro coberto pelas pinturas pode se deparar com algumas envoltas em mistérios que desafiam os historiadores e teólogos. A igreja é a única do país com um símbolo que intriga pesquisadores e atiça a curiosidade dos fiéis. Trata-se da pintura de três lebres unidas por uma das orelhas e formando, entre elas, um triângulo. O quadro fica do lado direito de quem entra no templo, sobre o painel de José do Egito. “É um mistério que ninguém conseguiu desvendar até hoje”, diz o padre Flávio Leonardo, explicando que já mencionaram, embora sem comprovação, que a origem estaria no Oriente, nos primórdios do budismo e até na estampa de um tecido de seda que chegara na época à capital.
Enquanto isso...
...Acervo passa
por inventário
Enquanto a obra transcorria, o Grupo Oficina de Restauro fez outro trabalho de grande importância: o inventário dos bens móveis (imagens, ostensórios, cálices e outros objetos) da Igreja de São José. “Fizemos a documentação das peças, com fotografias, descrição, medidas e numeração. O objetivo é a proteção do acervo de 390 objetos”, explica Maria Regina Ramos, responsável pela obra. Durante o trabalho, foi encontrado o relicário de prata de São Geraldo, contendo um pedaço de osso do santo, que será exposto no altar a ele dedicado.
O templo em oito tempos
1900- Em janeiro, é criada a Paróquia São José
1902 - Em abril ocorre o lançamento da pedra fundamental
1904 - O templo é liberado para celebrações
1907 - Término da obra interna da igreja
1910 - Conclusão das torres e da pintura do batistério
1911 - Instalação do relógio e do sino
1911/1912 - É feita a pintura interna da igreja
2012 - Em março, começa a primeira grande obra de restauração