Há muito mais beleza, história e tesouros naturais na Serra da Piedade, em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, além da singela capela do século 18, que guarda a imagem da padroeira de Minas, Nossa Senhora da Piedade, esculpida por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814)Pesquisa em andamento há 10 meses, conduzida pelo espeleólogo e professor de química do Centro Universitário Newton Paiva Luciano Emerick Faria, busca identificar toda a fauna subterrânea de 67 cavernas descobertas nos últimos anos no entorno dessa montanha que integra a Serra do EspinhaçoAcompanhado de alunos de engenharia ambiental da instituição de ensino, Luciano já catalogou 72 espécies e uma abundância de 382 indivíduos, distribuídos em 44 famílias
A maioria das cavernas tem em média 30 metros linearesA Gruta da Piedade, com 400 metros, é a maior de Minas em rocha de minério de ferroSomente nela, os pesquisadores encontraram 43 espécies de pequenos insetos, aracnídeos e outros bichos, com alguns deles apresentando regressão dos olhos ou despigmentação devido à falta de luzÉ o caso da cigarrinha troglóbia, do tamanho de um grão de arroz, que só vive em cavernas como essas“Um bicho bastante raro”, diz Emerick.
Além de perder a pigmentação, alguns animais não enxergamA centopeia albina desenvolveu alguns membros sensores, com uma espécie de antena, para tatearAté mesmo as baratas passam por modificações no interior dessas cavidades naturaisElas são mais vermelhas e praticamente não têm asas
Aranhas e cobras
As cavernas da Serra da Piedade não têm tanta representação turística e não são abertas para visitasMesmo porque elas são infestadas de aranhas altamente venenosas, como a aranha-marrom“É como se fosse um pequeno parque de preservação, sem falar dos morcegos, cobras e alguns roedores”, disse o professorLogo na subida do santuário fica a Caverna dos Romeiros, debaixo de um bloco de rocha que, segundo o professor, também apresenta indícios de ocupação humana“Tem uma espécie de pequeno muro de pedra”, observa
Na vertente sul da Serra da Piedade, que dá para a cidade de Caeté, os pesquisadores descobriram 13 cavernas este ano, todas em locais íngremes e de difícil acesso, em meio a mata fechada, em forma de talos“A princípio, o que parece um buraco é uma caverna de penetração vertical, mas que tem uma continuidade horizontal em seu interior”, dizO teto das cavernas é em rocha chamada canga, que é porosa, porém resistente, que se forma próxima ou na própria superfície do terrenoHá pequenas fendas com infiltração de água de chuvaEm algumas delas, grilos trogófilos, pertencentes ao gênero Endecous, bastante comuns em cavernas de canga, quebram o silêncio com o seu canto“Eles podem passar toda a vida na caverna”, adianta Luciano
Região concentra mil ocorrências
Somente no Quadrilátero Ferrífero – localizado no Centro-Sul de Minas Gerais e com extensão territorial de aproximadamente 7 mil quilômetros quadrados, área vizinha a Belo Horizonte formada pelas cidades de Sabará, Rio Piracicaba, Congonhas, Casa Branca, Itaúna, Itabira, Nova Lima, Santa Bárbara, Mariana, Ouro Preto, entre outras – são conhecidas mais de 1 mil cavernasPara o professor Luciano Emerick, a importância do estudo na Serra da Piedade é mostrar não apenas à sociedade acadêmica, mas ao público em geral, o número de cavernas existentes não somente em Minas, mas em todo o pais, num tipo de rocha de que é extraído o minério de ferro“São cavernas pequenas, com no máximo 60 metros, mas que têm uma riqueza biológica imensa”, reforça
“Apesar de pequenas, as cavernas apresentam uma riqueza tão exuberante e talvez maior do que grandes cavernas, como a Gruta da Lapinha, Maquiné e Rei do Mato, que são três cavernas turísticas em Minas, em calcário, que não apresentam a quantidade de bichos como as da Serra da Piedade”, diz o professorNa parte norte da Serra da Piedade, segundo Luciano, são 54 cavernas que já vêm sendo trabalhadas desde 2009Este ano, mais 13 foram descobertas na parte sul, em uma área de 13 quilômetros quadrados, “onde há ainda muito trabalho a ser desenvolvido”Para ele, esse estudo é importante para formar futuros profissionais, “para que tenham bom senso crítico não somente em relação à espeleologia, mas na preservação de áreas como essaOs trabalhos servem ainda para mostrar ao meio acadêmico que compensam novos estudos para poder caracterizar melhor essa área, sua vida silvestre e descobrir vestígios arqueológicos”, diz o professor.
Micro-organismos
Nas cavernas da Serra da Piedade, Luciano Emerick observou bichos milimétricos, quase imperceptíveis ao olho nuComo não há vegetação no interior das grutas, fezes do morcego servem de alimento para muitas espécies, assim como fungos e bactérias“São vários micro-organismosAlguns deles podem ser usados como inseticida, outros podem gerar doenças no homem”, dizNa Gruta da Piedade, são vários salões interligados, alguns de 20 metros quadradosAs passagens são estreitas e muitas vezes a pessoa precisa se arrastarOutro destaque nos subterrâneos são os espeleotemas em formato de pequenos coraisSão formações rochosas resultantes da sedimentação e cristalização de minerais dissolvidos na águaEm um dos salões da Gruta da Piedade o visitante é surpreendido por uma colônia de morcegos que se alimentam do néctar das flores e levam nutrientes para o seu interiorO cheiro de flores no local é surpreendente.