Uma Belo Horizonte sem leiÉ assim que o trânsito da capital se apresenta para quem se aventura a dirigir por vias sem fiscalização eficientePara as 14 mil ruas e avenidas existentes na cidade há apenas 1.096 agentes, somados militares do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) da PM, guardas municipais e funcionários da BHTrans, esses últimos sem autonomia para multarO resultado do baixo efetivo são irregularidades cometidas a qualquer hora e em qualquer lugar, por motoristas cada vez menos preocupados em ser punidos.
Não é para menos: enquanto a frota da cidade não para de crescer, o número de fiscais de trânsito só diminuiEm 1986, a capital tinha 1.200 servidores monitorando um total de 400 mil veículos, ou um fiscal para cada 333 unidadesHoje, há 1 milhão e 565 mil carros, motos, caminhões e ônibus na capital, média de cerca de 1.400 unidades para cada agente públicoUma relação que piora continuamente, pois todos os dias 183 automóveis começam a circular em BH, de acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
Para piorar, as flutuações da frota em áreas mais sensíveis às questões de trânsito, como a central, não são acompanhadas de reforço no efetivoEm dezembro, por exemplo, com a estimativa de pelo menos 540 mil automóveis rodando pela Região Centro-Sul devido às festividades de fim do ano, o número de fiscais deve ser mantidoA consequência dessa situação foi constatada pela equipe do Estado de Minas, que percorreu vias do Hipercentro, da Região da Savassi e da área hospitalar, onde motoristas desrespeitam as leis sem medoEm 20 pontos visitados foram encontrados carros e motos estacionados em calçadas, pontos de ônibus e locais de carga e descarga, além de veículos em estacionamento rotativo sem o talãoEm nenhum dos lugares havia agente de trânsito.
A ausência de fiscalização é facilmente observada por quem anda pelas ruas da capital, onde motoristas não se constrangem ao driblar as regras de trânsito, já que não veem agentes em ação
MÃOS ATADAS
Os responsáveis por órgãos envolvidos na fiscalização confirmam as limitações para vigiar a cidade todaO BPTran, que conta com 445 militares, diz ter como prioridade o atendimento de ocorrências para dar fluidez ao trânsito, já que é o único a ter autorização para issoO comandante da unidade, o tenente-coronel Edvaldo Piccinini, explica que, enquanto isso, a Guarda Municipal pode autuar, e a BHTrans cuidar da circulação de veículos“Na década de 1990, tínhamos 1.300 homens no batalhãoQuando o trânsito foi municipalizado, esse total diminuiuNão é possível estar na cidade toda.” Segundo ele, a PM faz cerca de 25 mil autuações por mês e mantém equipes para fiscalização de estacionamento rotativo no Centro, além de policiais em viaturas de patrulhamento com a BHTrans
Também com a competência de multar, a Guarda Municipal conta com uma equipe de fiscais menor ainda: 251 agentesDeles, cerca de 190 vão às ruas, distribuídos em três turnos ao longo do dia e de madrugadaParte desse grupo é enviada aos cruzamentos de maior congestionamentos nos horários de pico, além de pontos onde há obras e desviosA fiscalização é concentrada na Região Central, em ruas próximas à Avenida Afonso Pena, e no entorno da rodoviáriaOs outros grandes corredores da capital, de acordo com o gerente de Atividades Especiais da Guarda, Geraldo Rosa de Carvalho, ficam a cargo da BHTrans e do BPTran
“Seria uma utopia dizer que o efetivo é suficienteFaz-se o possível, trabalhamos nos pontos críticosMas quando somos acionados, mandamos uma equipe para tomar providênciasÉ muita demanda e o efetivo não está à altura”, diz ele, que também ressalta a importância da mudança de mentalidade dos motoristas“Nós precisamos desenvolver um processo cultural de que a lei tem que ser cumprida, e não só quando há fiscalizaçãoNão há como colocar um agente em cada esquina.”
Impedida de multar desde 2009, a BHTrans informou que seus 400 agentes trabalham em conjunto com guardas municipais e policiaisEles acompanham algumas ocorrências e são chamados quando é necessário remover o veículo, pois são responsáveis pelo reboque
Multa a carro parado a é mais frequente
Embora as infrações de circulação, como fechamento de cruzamentos ou conversões proibidas, estejam espalhadas por toda a cidade, o principal motivo de multa para os motoristas em BH continuam sendo as vagas de estacionamentoSomente neste ano, a Guarda Municipal e a Polícia Militar registraram 59.350 autuações por esse motivoO campeão de multas é o rotativo, com 17.546 flagrantesMesmo assim, motoristas se sentem à vontade para burlar as regras, até mesmo nos pontos onde teoricamente há mais fiscalizaçãoNo Bairro Funcionários, Região Centro-Sul, a equipe do EM encontrou carros sem o talão e outros com o horário vencidoUm deles havia estacionado às 10h30 para um período de meia horaÀs 15h, ainda estava lá
A situação se repetia na Rua Pernambuco, entre as ruas dos Inconfidentes e Tomé de Souza, na Savassi“Quando vou ficar de 5 a 10 minutos, não colocoÀs vezes, deixo com o flanelinha a chave e ele troca o rotativo”, conta o comerciante Marcílio Bittencourt, de 53 anos, que assume já ter tomado 10 multas pela infraçãoQuando para naquele quarteirão, ele confia seu veículo a Adão Gomes da Silva, que lava carros no local há 20 anosApesar de lucrar com clientes que pedem para fazer a troca do tíquete, ele critica a falta de fiscalização que resulta em pouca rotatividade nas vagas“Troco só se passa o fiscalMas já tem mais de mês que não passa um aquiOs motoristas dizem que preferem se arriscar a levar multa, porque o valor é menor que o de um estacionamento, de R$ 280 por mês”, conta
Apesar da constatação de quem está nas ruas, BPTran e Guarda Municipal informam que a fiscalização é mais frequente no Centro e nos principais corredores da cidadeMesmo assim, os motoristas dizem quase não ver os agentes“O pessoal faz o que quer, porque faltam fiscaisVejo poucos deles por aí”, conta a administradora aposentada Tânia Starling, de 58 anosO desrespeito traz consequências para quem anda na linha, pois causa congestionamentos, problemas na travessia de pedestres e até mesmo acidentesDe janeiro a setembro, logo após as multas de estacionamento vêm as autuações pelo uso de celular ao volante, com 31.434 flagrantes, e a falta do cinto de segurança, com 12.156.
Fiscais de trânsito em BH
BPTran - 445
Guarda Municipais - 251
BHTrans - 400
Frota - ,565 milhão de automóveis
Autuações lavradas por agentes em 2013 (jan/set)
Estacionar em desacordo com a regulamentação do estacionamento rotativo – 17.546
Estacionar em desacordo com a regulamentação de vaga de carga/descarga – 11.915
Estacionar em local/horário proibido especificamente pela sinalização – 17.311
Dirigir falando ao celular – 31.434
Andar no carro sem cinto de segurança – 12.156
Fontes: Guarda Municipal e BPTran
Autuações lavradas por agentes no ano de 2012
Estacionar em desacordo com a regulamentação do estacionamento rotativo – 88.783
Estacionar em desacordo com a regulamentação de vaga de carga/descarga – 54.094
Estacionar em local/horário proibido especificamente pela sinalização – 56.668
Dirigir falando ao celular – 149.095
Andar no carro sem cinto de segurança – 44.316
Fonte: Detran/MG