Uma Belo Horizonte sem lei. É assim que o trânsito da capital se apresenta para quem se aventura a dirigir por vias sem fiscalização eficiente. Para as 14 mil ruas e avenidas existentes na cidade há apenas 1.096 agentes, somados militares do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran) da PM, guardas municipais e funcionários da BHTrans, esses últimos sem autonomia para multar. O resultado do baixo efetivo são irregularidades cometidas a qualquer hora e em qualquer lugar, por motoristas cada vez menos preocupados em ser punidos.
Não é para menos: enquanto a frota da cidade não para de crescer, o número de fiscais de trânsito só diminui. Em 1986, a capital tinha 1.200 servidores monitorando um total de 400 mil veículos, ou um fiscal para cada 333 unidades. Hoje, há 1 milhão e 565 mil carros, motos, caminhões e ônibus na capital, média de cerca de 1.400 unidades para cada agente público. Uma relação que piora continuamente, pois todos os dias 183 automóveis começam a circular em BH, de acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
A ausência de fiscalização é facilmente observada por quem anda pelas ruas da capital, onde motoristas não se constrangem ao driblar as regras de trânsito, já que não veem agentes em ação. É o caso do gerente de Políticas Urbanas da Prefeitura de Contagem Bruno Lopes, de 25 anos, abordado enquanto estava parado em frente a uma garagem na Avenida Getúlio Vargas, no Bairro Funcionários. “Falta patrulhamento. O efetivo não acompanha o crescimento da frota da cidade. Eu mesmo estou cometendo uma infração e não tem ninguém me punindo”, constatou.
MÃOS ATADAS
Os responsáveis por órgãos envolvidos na fiscalização confirmam as limitações para vigiar a cidade toda. O BPTran, que conta com 445 militares, diz ter como prioridade o atendimento de ocorrências para dar fluidez ao trânsito, já que é o único a ter autorização para isso. O comandante da unidade, o tenente-coronel Edvaldo Piccinini, explica que, enquanto isso, a Guarda Municipal pode autuar, e a BHTrans cuidar da circulação de veículos. “Na década de 1990, tínhamos 1.300 homens no batalhão. Quando o trânsito foi municipalizado, esse total diminuiu. Não é possível estar na cidade toda.” Segundo ele, a PM faz cerca de 25 mil autuações por mês e mantém equipes para fiscalização de estacionamento rotativo no Centro, além de policiais em viaturas de patrulhamento com a BHTrans. “Como a demanda do trânsito é cada vez mais municipalizada, a tendência é de que o efetivo do BPTran se mantenha”, conclui.
Também com a competência de multar, a Guarda Municipal conta com uma equipe de fiscais menor ainda: 251 agentes. Deles, cerca de 190 vão às ruas, distribuídos em três turnos ao longo do dia e de madrugada. Parte desse grupo é enviada aos cruzamentos de maior congestionamentos nos horários de pico, além de pontos onde há obras e desvios. A fiscalização é concentrada na Região Central, em ruas próximas à Avenida Afonso Pena, e no entorno da rodoviária. Os outros grandes corredores da capital, de acordo com o gerente de Atividades Especiais da Guarda, Geraldo Rosa de Carvalho, ficam a cargo da BHTrans e do BPTran.
“Seria uma utopia dizer que o efetivo é suficiente. Faz-se o possível, trabalhamos nos pontos críticos. Mas quando somos acionados, mandamos uma equipe para tomar providências. É muita demanda e o efetivo não está à altura”, diz ele, que também ressalta a importância da mudança de mentalidade dos motoristas. “Nós precisamos desenvolver um processo cultural de que a lei tem que ser cumprida, e não só quando há fiscalização. Não há como colocar um agente em cada esquina.”
Impedida de multar desde 2009, a BHTrans informou que seus 400 agentes trabalham em conjunto com guardas municipais e policiais. Eles acompanham algumas ocorrências e são chamados quando é necessário remover o veículo, pois são responsáveis pelo reboque.
Multa a carro parado a é mais frequente
Embora as infrações de circulação, como fechamento de cruzamentos ou conversões proibidas, estejam espalhadas por toda a cidade, o principal motivo de multa para os motoristas em BH continuam sendo as vagas de estacionamento. Somente neste ano, a Guarda Municipal e a Polícia Militar registraram 59.350 autuações por esse motivo. O campeão de multas é o rotativo, com 17.546 flagrantes. Mesmo assim, motoristas se sentem à vontade para burlar as regras, até mesmo nos pontos onde teoricamente há mais fiscalização. No Bairro Funcionários, Região Centro-Sul, a equipe do EM encontrou carros sem o talão e outros com o horário vencido. Um deles havia estacionado às 10h30 para um período de meia hora. Às 15h, ainda estava lá.
A situação se repetia na Rua Pernambuco, entre as ruas dos Inconfidentes e Tomé de Souza, na Savassi. “Quando vou ficar de 5 a 10 minutos, não coloco. Às vezes, deixo com o flanelinha a chave e ele troca o rotativo”, conta o comerciante Marcílio Bittencourt, de 53 anos, que assume já ter tomado 10 multas pela infração. Quando para naquele quarteirão, ele confia seu veículo a Adão Gomes da Silva, que lava carros no local há 20 anos. Apesar de lucrar com clientes que pedem para fazer a troca do tíquete, ele critica a falta de fiscalização que resulta em pouca rotatividade nas vagas. “Troco só se passa o fiscal. Mas já tem mais de mês que não passa um aqui. Os motoristas dizem que preferem se arriscar a levar multa, porque o valor é menor que o de um estacionamento, de R$ 280 por mês”, conta.
Apesar da constatação de quem está nas ruas, BPTran e Guarda Municipal informam que a fiscalização é mais frequente no Centro e nos principais corredores da cidade. Mesmo assim, os motoristas dizem quase não ver os agentes. “O pessoal faz o que quer, porque faltam fiscais. Vejo poucos deles por aí”, conta a administradora aposentada Tânia Starling, de 58 anos. O desrespeito traz consequências para quem anda na linha, pois causa congestionamentos, problemas na travessia de pedestres e até mesmo acidentes. De janeiro a setembro, logo após as multas de estacionamento vêm as autuações pelo uso de celular ao volante, com 31.434 flagrantes, e a falta do cinto de segurança, com 12.156.
Fiscais de trânsito em BH
BPTran - 445
Guarda Municipais - 251
BHTrans - 400
Frota - ,565 milhão de automóveis
Autuações lavradas por agentes em 2013 (jan/set)
Estacionar em desacordo com a regulamentação do estacionamento rotativo – 17.546
Estacionar em desacordo com a regulamentação de vaga de carga/descarga – 11.915
Estacionar em local/horário proibido especificamente pela sinalização – 17.311
Dirigir falando ao celular – 31.434
Andar no carro sem cinto de segurança – 12.156
Fontes: Guarda Municipal e BPTran
Autuações lavradas por agentes no ano de 2012
Estacionar em desacordo com a regulamentação do estacionamento rotativo – 88.783
Estacionar em desacordo com a regulamentação de vaga de carga/descarga – 54.094
Estacionar em local/horário proibido especificamente pela sinalização – 56.668
Dirigir falando ao celular – 149.095
Andar no carro sem cinto de segurança – 44.316
Fonte: Detran/MG