Jornal Estado de Minas

Corregedoria da Polícia Civil indicia delegados e ex-secretário

Integrantes e ex-membros da cúpula da segurança estadual respondem por irregularidades no pagamento de gratificação exclusiva da banca examinadora do Detran. Indiciados negam

Landercy Hemerson Mateus Parreiras

Teste de direção em BH: segundo investigação, honorários só deveriam ser recebidos por envolvidos diretamente com exames de motoristas - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press

O inquérito que apura o envolvimento de 121 servidores públicos, a maioria policiais civis, no desvio de recursos destinados exclusivamente a integrantes da banca examinadora de candidatos a motoristas do Departamento de Trânsito (Detran/MG) em Belo Horizonte tem entre os indiciados vários integrantes da cúpula de segurança pública no estado, alguns já aposentadosNo documento, em análise pelo Ministério Público, aparecem delegados que ocuparam cargos de secretário de Segurança, chefe da Polícia Civil e do Detran/MG, e até um ex-corregedor da corporaçãoO ex-delegado Edson Moreira, atualmente vereador em BH, também foi indiciadoTodos são acusados de crime contra a administração pública por peculato, na modalidade desvio, conforme o artigo 312 do Código PenalO inquérito cita também o hoje deputado federal Mauro Ribeiro Lopes (PMDB), que foi titular da Secretaria de Segurança.

As irregularidades apuradas pela corregedoria ocorreram entre 2001 e 2003, quando o delegado Oto Teixeira Filho era chefe do Detran, ocasião em que foi instituído o regimento interno da Comissão ExaminadoraSegundo as investigações, Oto era o responsável por incluir e excluir nomes de servidores para o pagamento de honorários da banca examinadora, no entendimento da Corregedoria sem qualquer critérioOs honorários eram concedidos a “servidores que não tinham nenhum vínculo com a banca, sendo feito (o processo de concessão de benefícios) de maneira graciosa e por apadrinhamento, amizade ou aproximação”, dizem os autos.

As investigações apontam que os acusados de receber irregulamente tinham direito a quantias diferentes, não havendo justificativa para pagamentos desiguais, já que em depoimentos eles disseram exerecer a mesma funçãoDe acordo com a Corregedoria, o Decreto Estadual 33.335/92, que é apontado como base legal para justificar as ações dos acusados, não previa as figuras de fiscal e coordenador da banca examinadora, que justificaram pagamentos a vários servidores“Portanto, nenhum honorário de banca examinadora poderia ser pago a quem detinha tais funções enquanto durasse a vigência do decreto”, concluiu o inquérito.

De acordo com os autos, não foram constatados registros das fiscalizações que servidores, entre eles delegados de polícia do mais alto nível da carreira, e integrantes do Conselho Superior de Polícia Civil, afirmam ter realizado“Todo ato administrativo, a não ser os emergenciais, deve ser precedido de legalidade e previsãoAinda que tenham comparecido aos locais de exames para exercer as fiscalizações, não havia previsão legal para tanto”, diz o inquérito.

FISCAL SECRETO

 

Entre os indiciados, o delegado aposentado Oto Teixeira Filho foi chefe do Detran na época das irregularidades e cabia a ele nomear os supostos fiscais nas bancas que aplicavam o exame prático de direção

O ex-chefe da Polícia Civil disse em inquérito que criou o cargo de “fiscal secreto” para apurar possíveis irregularidades nos examesDisse que esses fiscais só fariam relatórios se algo errado fosse encontrado, mas não apresentou esses relatos, apesar de ter dito que o número de denúncias caiu no períodoA Corregedoria sustenta que as nomeações eram ilegaisO ex-delegado preferiu não se posicionar sobre o assunto até ser intimado“Não tenho conhecimento dos fatos”, disse.

O deputado federal Mauro Ribeiro Lopes (PMDB) não foi indiciado, por ter foro privilegiado, mas foi apontado pela Corregedoria como sendo quem indicava nomes de beneficiários dos bônus, usando o cargo de secretárioOs corregedores sugerem o encaminhamento do caso à Procuradoria Geral da RepúblicaO parlamentar negou conhecimento ou envolvimento em possíveis irregularidades“Não era sequer secretário na épocaSaí em 2000 e as apurações são de 2003O Detran tem arrecadação própria e só seu diretor é que decide como é empregada, e não o secretário
Estão querendo promoção sobre o meu nome”, disse, ontem.

Outro ex-secretário de Segurança, Márcio Barroso Domingues, foi indiciado no inquérito da Corregedoria, não por ter recebido indevidamente honorários, mas por não ter impedido as irregularidadesO Estado de Minas fez contato telefônico com a casa de Barroso, onde a informação era de que ele estava em um sítio, onde não havia sinal de celularO ex-secretário não retornou o telefonema.

O ex-delegado Edson Moreira, vereador em BH pelo PTN, foi indiciado sob acusação de receber ilegalmente honorários de fiscal de banca sem ter exercido a funçãoEm depoimento, Moreira disse que escolhia os locais onde ocorreria a fiscalização e elaborava relatórios, mas, segundo a Corregedoria, nenhum relato foi encontrado, nem ato oficial de nomeaçãoO EM procurou a assessoria do vereador, ontem, mas não obteve retorno.

Chefe da Polícia Civil até março do ano passado e ex-chefe do Detran, o delegado Jairo Lellis Filho também aparece no inquérito da Corregedoria como um dos fiscais secretos, também sem registro de nomeaçãoAinda segundo a investigação, o delegado alegou ter presidido o Conselho Estadual de Trânsito para justificar o recebimento, mas os argumentos não foram considerados válidosO EM ligou para a casa de Lelis e deixou recados, mas não houve retorno.


O delegado Marco Antônio Monteiro de Castro, ex-chefe da Polícia Civil e atual diretor da academia da corporação, foi indiciado após afirmar que prestou serviço na assessoria jurídica do DetranDeixou o departamento em janeiro de 2003De acordo com os autos, recebeu honorários ilegais, por não ter vínculo com a banca examinadoraO delegado foi procurado, mas não retornou as ligações.

 

Chefe do Detran se diz surpreso

 

“Um equívoco de interpretação da legislação.” Foi como o atual chefe do DeDetran/MG, delegado Oliveira Santiago Maciel, definiu a motivação para as denúncias de desvio de recursos da banca examinadora de Belo Horizonte entre 2001 e 2003Ontem à tarde, Oliveira disse que, a partir do Decreto 33.335/92, foi criado o regimento da banca examinadora, do processo de habilitação e controle do condutorSegundo ele, os honorários da Comissão Examinadora não se restringiam a examinadores, mas também a servidores administrativo, digitadores, secretários das bancas, entre outros.

No inquérito, Oliveira Santiago é apontado pela Corregedoria como responsável pela elaboração das listagens e processamentos de despesas, em apoio ao gabinete do chefe do Detran, na época o delegado Oto Teixeira FilhoEle teria dado à regra vigente à época a interpretação de que a banca examinadora não abrangia somente servidores que lidavam com o candidato à CNH, mas também as atividades de controle do condutor Para a Corregedoria, um ato sem previsão legal.


“Não conheço os autos, não fui notificadoEntretanto, esse indiciamento é no mínimo muito estranho para mimE trouxe muita indignação, primeiro porque nunca exerci qualquer atividade na banca examinadora do DetranPortanto nunca recebi um centavo sequer de honoráriosNunca tive autonomia para incluir ou excluir qualquer pessoa servidora na banca examinadora”, afirmou.
O chefe do Detran acrescentou que foi ouvido como testemunha no inquérito em 2005, para explicar como funcionava a banca“Foi surpreendido com a imprensa falando de meu indiciamentoSe no decurso desse inquérito surgiu algum indício, deveria ter sido reinquerido”, disse ele, que não descarta que podem ter havido falhas, que não chegaram ao seu conhecimento.

O governo do estado informou que o delegado Santiago Oliveira não será afastado devido ao indiciamento no inquéritoInformou também que acompanha com o máximo interesse o desenrolar do caso no Ministério Público estadual.
Em nota, a Polícia Civil confirmou ontem que o inquérito da Corregedoria apontou que critérios usados pelo Detran para pagamento de honorários teriam ocorrido em desacordo com a legislação em 2001 e 2002E que, diante da constatação, o delegado responsável pelo caso indiciou por crime contra a administração pública os servidores, entre eles policiais e administrativos


“Como em todos os procedimentos da corregedoria legitimados pela Lei Orgânica da instituição, a Polícia Civil acompanha com o devido interesse público a tramitação do caso no âmbito da Justiça, a quem cabe agora acatar ou não, no todo ou em partes, a apuração concluída pelo órgão corregedor”, informa a nota.