Jornal Estado de Minas

Na rua, só o 'essencial'

Prefeitura fecha o cerco a moradores de rua

Nova instrução da Prefeitura de Belo Horizonte permite a fiscais apreender objetos que não sejam indispensáveis aos moradores de rua e que não possam ser carregados de uma só vez. Comércio elogia medida; entidade que apoia sem-teto vê retrocesso

Mateus Parreiras
Acampamento em frente à biblioteca Luiz de Bessa, na praça da liberdade: objetos apreendidos serão levados para depósitos - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press

Impedida de recolher qualquer material pertencente à população de rua desde julho, quando uma liminar do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) considerou ilegal esse tipo de ação, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) contornou a situação e vai começar a apreender o que não for essencial a essas pessoas, quando os objetos estiverem obstruindo as vias públicasA remoção de pessoas e o confisco de pertences está definida em instrução normativa publicada sábado no Diário Oficial do Município, para disciplinar “a atuação dos agentes públicos (policiais, guardas municipais e fiscais) junto à população em situação de rua”.

O texto é assinado pela PBH e a Polícia MilitarInicialmente, a instrução estabelece que cada uma das nove regionais da prefeitura forme grupos de trabalho, compostos por servidores da área de políticas sociais, assistência social, sanitária, fiscalização, limpeza urbana e segurança pública, para avaliar a situação dos moradores de rua, levando em consideração seus direitosO documento permite a desobstrução de espaços públicos e o recolhimento de pertences que excedam a capacidade da pessoa em situação de rua de carregar numa só viagem, sem auxílio de veículos transportadores, como carrinhos, e que não sejam considerados “essenciais à sobrevivência da população em situação de rua”.

A instrução define até o que é essencial, como “peças de vestuário, alimentos, documentos pessoais, bolsas, mochilas, receituários médicos, medicamentos, cobertores, objetos de higiene pessoal, materiais essenciais ao desenvolvimento do serviço/trabalho, utensílios portáteis, dentre outros”De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Políticas Sociais, cada regional deverá providenciar um local para guardar o que for recolhidoSegundo a assessoria, os fiscais e guardas deverão, antes de mais nada, identificar locais como passeios, praças e outros logradouros públicos que estejam sendo obstruídos segundo as regras de posturas da cidade.

Em caso de apreensão, será fornecido à pessoa em situação de rua um auto de apreensão com a identificação da pessoa autuada, discriminação dos bens apreendidos e endereço do local de depósito dos materiaisOs agentes terão também de fotografar a situação de obstrução antes de fazer a remoção“A instrução veio preencher uma lacuna deixada pela liminar e que era muito vaga em definir o que era essencial aos moradores em situação de ruaIsso, agora, foi definido”, informou a Secretaria Municipal de Políticas Sociais.

Reclamações do comércio
A percepção de que os moradores de rua se multiplicaram em Belo Horizonte tem levado comerciantes e alguns representantes de moradores a cobrar medidas da prefeituraEm setembro, por exemplo, a Câmara de Dirigentes Lojistas da Savassi e comerciantes de bairros como o Padre Eustáquio, Cidade Nova, Floresta e Barro Preto reclamaram da sujeira deixada por pessoas que vivem na rua e dos transtornos causados por elas, como abordagens para pedir dinheiro e uso de drogasNa Savassi, comerciantes chegaram a denunciar que criminosos estavam se infiltrando entre moradores de rua para roubar.

Para o o vice-presidente de Comunicação da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), Marcos Innecco, a instrução normativa mostra que a prefeitura está tentando reduzir a permanência de mendigos nas ruas
"A gente sabe que isso não vai eliminar o problema, infelizmente, mas ajuda a minimizar esse problema sério", considerouPor sua vez, entidades de apoio aos moradores de rua consideram a instrução um retrocesso“O problema da população é de políticas públicas e não de intervenções que apenas escondem um problema mais importanteAcho que não compete a ninguém definir o que é pessoal ou essencial para o outro, só porque vive na rua”, disse advogada Layza Queiroz, do coletivo urbano Margarida Alves, que conseguiu a liminar no TJMG contra a apreensão de pertences dessas pessoasSegundo ela, o coletivo ainda não debateu a nova instrução para decidir se contestará a norma na Justiça.

A notícia foi recebida com desconfiança por moradores de rua ouvidos pela reportagemO ex-funcionário de garagem de ônibus Felipe Vinícius Rodrigues, de 30 anos, critica a ação e pede ajuda“Queria ter uma casa, um lugar meu para dormir”, dizUm grupo de artesãos que habita a varanda da Biblioteca Luiz Bessa, na Praça da Liberdade, também teme ser alvo da fiscalização“Como dormimos na rua, podemos ser confundidos e ter nossas coisas levadas pelos fiscais e a políciaIsso não é justo, pois a rua é pública”, defendeu o artista Max de Castro, de 29 anos
(Colaborou Juliana Ferreira)

O que diz a lei


O Código de Posturas de Belo Horizonte, contido na Lei 8.616 de 2003, determina que o uso dos espaços públicos depende de licenciamento municipal e até ambiental, no caso das praçasO logradouro público não poderá ser utilizado para depósito ou guarda de material ou equipamento, podendo ser usado para trânsito de pedestre e de veículo, estacionamento, operação de carga e descarga, passeata e manifestação popular, instalação de mobiliário urbano, execução de obra ou serviço, exercício de atividade, instalação de engenho de publicidade, eventos e atividades de lazerÉ vedada a instalação de mobiliário urbano em local em que tal mobiliário prejudique a segurança ou o trânsito de veículo ou pedestre ou comprometa a estética da cidade.


O que pode ficar nas vias


» Peças de vestuário

» Alimentos

» Documentos pessoais

» Bolsas e mochilas

» Receituários médicos

» Medicamentos

» Cobertores

» Objetos de higiene pessoal

» Materiais de trabalho

» Utensílios portáteis