Impedida de recolher qualquer material pertencente à população de rua desde julho, quando uma liminar do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) considerou ilegal esse tipo de ação, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) contornou a situação e vai começar a apreender o que não for essencial a essas pessoas, quando os objetos estiverem obstruindo as vias públicas. A remoção de pessoas e o confisco de pertences está definida em instrução normativa publicada sábado no Diário Oficial do Município, para disciplinar “a atuação dos agentes públicos (policiais, guardas municipais e fiscais) junto à população em situação de rua”.
O texto é assinado pela PBH e a Polícia Militar. Inicialmente, a instrução estabelece que cada uma das nove regionais da prefeitura forme grupos de trabalho, compostos por servidores da área de políticas sociais, assistência social, sanitária, fiscalização, limpeza urbana e segurança pública, para avaliar a situação dos moradores de rua, levando em consideração seus direitos. O documento permite a desobstrução de espaços públicos e o recolhimento de pertences que excedam a capacidade da pessoa em situação de rua de carregar numa só viagem, sem auxílio de veículos transportadores, como carrinhos, e que não sejam considerados “essenciais à sobrevivência da população em situação de rua”.
A instrução define até o que é essencial, como “peças de vestuário, alimentos, documentos pessoais, bolsas, mochilas, receituários médicos, medicamentos, cobertores, objetos de higiene pessoal, materiais essenciais ao desenvolvimento do serviço/trabalho, utensílios portáteis, dentre outros”. De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Políticas Sociais, cada regional deverá providenciar um local para guardar o que for recolhido. Segundo a assessoria, os fiscais e guardas deverão, antes de mais nada, identificar locais como passeios, praças e outros logradouros públicos que estejam sendo obstruídos segundo as regras de posturas da cidade.
Em caso de apreensão, será fornecido à pessoa em situação de rua um auto de apreensão com a identificação da pessoa autuada, discriminação dos bens apreendidos e endereço do local de depósito dos materiais. Os agentes terão também de fotografar a situação de obstrução antes de fazer a remoção. “A instrução veio preencher uma lacuna deixada pela liminar e que era muito vaga em definir o que era essencial aos moradores em situação de rua. Isso, agora, foi definido”, informou a Secretaria Municipal de Políticas Sociais.
Reclamações do comércio A percepção de que os moradores de rua se multiplicaram em Belo Horizonte tem levado comerciantes e alguns representantes de moradores a cobrar medidas da prefeitura. Em setembro, por exemplo, a Câmara de Dirigentes Lojistas da Savassi e comerciantes de bairros como o Padre Eustáquio, Cidade Nova, Floresta e Barro Preto reclamaram da sujeira deixada por pessoas que vivem na rua e dos transtornos causados por elas, como abordagens para pedir dinheiro e uso de drogas. Na Savassi, comerciantes chegaram a denunciar que criminosos estavam se infiltrando entre moradores de rua para roubar.
Para o o vice-presidente de Comunicação da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), Marcos Innecco, a instrução normativa mostra que a prefeitura está tentando reduzir a permanência de mendigos nas ruas. "A gente sabe que isso não vai eliminar o problema, infelizmente, mas ajuda a minimizar esse problema sério", considerou. Por sua vez, entidades de apoio aos moradores de rua consideram a instrução um retrocesso. “O problema da população é de políticas públicas e não de intervenções que apenas escondem um problema mais importante. Acho que não compete a ninguém definir o que é pessoal ou essencial para o outro, só porque vive na rua”, disse advogada Layza Queiroz, do coletivo urbano Margarida Alves, que conseguiu a liminar no TJMG contra a apreensão de pertences dessas pessoas. Segundo ela, o coletivo ainda não debateu a nova instrução para decidir se contestará a norma na Justiça.
A notícia foi recebida com desconfiança por moradores de rua ouvidos pela reportagem. O ex-funcionário de garagem de ônibus Felipe Vinícius Rodrigues, de 30 anos, critica a ação e pede ajuda. “Queria ter uma casa, um lugar meu para dormir”, diz. Um grupo de artesãos que habita a varanda da Biblioteca Luiz Bessa, na Praça da Liberdade, também teme ser alvo da fiscalização. “Como dormimos na rua, podemos ser confundidos e ter nossas coisas levadas pelos fiscais e a polícia. Isso não é justo, pois a rua é pública”, defendeu o artista Max de Castro, de 29 anos. (Colaborou Juliana Ferreira)
O que diz a lei
O Código de Posturas de Belo Horizonte, contido na Lei 8.616 de 2003, determina que o uso dos espaços públicos depende de licenciamento municipal e até ambiental, no caso das praças. O logradouro público não poderá ser utilizado para depósito ou guarda de material ou equipamento, podendo ser usado para trânsito de pedestre e de veículo, estacionamento, operação de carga e descarga, passeata e manifestação popular, instalação de mobiliário urbano, execução de obra ou serviço, exercício de atividade, instalação de engenho de publicidade, eventos e atividades de lazer. É vedada a instalação de mobiliário urbano em local em que tal mobiliário prejudique a segurança ou o trânsito de veículo ou pedestre ou comprometa a estética da cidade.
O que pode ficar nas vias
» Peças de vestuário
» Alimentos
» Documentos pessoais
» Bolsas e mochilas
» Receituários médicos
» Medicamentos
» Cobertores
» Objetos de higiene pessoal
» Materiais de trabalho
» Utensílios portáteis