Jornal Estado de Minas

Belo Horizonte

Guardas municipais desafiam a lei e camuflam armas de fogo particulares

Envolvidos em número crescente de detenções, agentes escondem armas em coletes e viaturas, sob argumento de se proteger de reações de criminosos. Atitude é irregular e pode levar a prisão

Mateus Parreiras
Servidor mostra pistola que esconde na farda, com intenção de se defender - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
Debaixo dos coletes balísticos ou em esconderijos dentro das viaturas, guardas municipais de Belo Horizonte desafiam a lei e portam armas de fogo particulares, sob o argumento de garantir a própria segurança em confrontos cada vez mais frequentes com criminososA informação é confirmada pelo sindicato da categoria (Sindguardas-MG) e por integrantes da corporação ouvidos pelo Estado de MinasA justificativa dada para o porte ilegal são as frequentes ocorrências com pessoas armadas, em repressão a crimes como tráfico de drogas, roubo, pedofilia, arrombamento, extorsão mediante sequestro e outras que não fazem parte da missão de guarda patrimonial e de trânsitoDados da Ouvidoria Geral do Município reforçam essa tendênciaDe janeiro a outubro, chegou a 1.948 o número de detidos por agentes na capital, superando os 1.907 do ano passado inteiroÉ como se, a cada dia de 2013, fosse feitas em média 6,4 prisões, aumento de 23% em relação a 2012, com 5,2Independentemente das estatísticas e argumentos, a Polícia Militar informou que vai prender guardas que forem flagrados armados e sem porte.

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Depois de fazer mais de 15 prisões em ocorrências variadas, um guarda municipal que será identificado como Jfoi ameaçado por um dos criminosos que deteve, dentro de uma delegaciaO episódio serviu como motivação para que comprasse uma pistola, hoje levada em um compartimento que mandou fechar com zíper no colete“O bandido falou até o nome da rua onde eu moro com minha famíliaFoi para intimidar, e isso acontece sempre
Uma vez, a nossa viatura foi fechada por traficantes armados em uma favelaMandaram a gente ir embora e não voltar nunca mais”, conta“A arma é para nossa segurança, já que a corporação não nos forneceImagine ficar em uma escola lidando com irmão de traficante, ou estar em um parque e desconfiar de uma pessoaO suspeito pode estar com um revólver e atirar em você”, argumentouApesar da ameaça da Polícia Militar de prender guardas que estiverem armados, a situação é de conhecimento dos militares, segundo agentes“Na greve que fizemos em abril, nos recusamos a sair da baseA PM ameaçou invadir e avisamos que havia 250 guardas municipais com armas lá dentro”, disse outro servidor, que será identificado como C.

Somando todos os registros de ações da Guarda, foram 35.279 intervenções desde 2010, totalizando 25 por dia, até hojeEspecialistas e sindicato da categoria creditam a participação mais ativa no controle da criminalidade a um aumento das ocorrências em BHDe acordo com dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), de janeiro a novembro BH teve 20,3% mais registros de crimes violentos – como homicídios, roubos e estupros – do que no mesmo período do ano passado
Foram 27.775 ocorrências este ano, contra 23.088 em 2013.

Para o presidente do Sindguardas-MG, Pedro Ivo Bueno, a Guarda Municipal de BH é a mais atrasada em termos de equipamentos entre todas as capitais brasileiras“Somos a única capital em que os guardas andam desarmados, mas enfrentam os mesmos crimes que policiaisPor isso, muitos agentes estão garantindo a própria segurança comprando armas de fogo”, admitiuDe acordo com a Ouvidoria Geral do Município, os casos de prisões ocorrem por “legítima defesa pessoal ou de terceiros”Bueno diz que os guardas agem para não se tornar alvos“Quando detectamos um crime, sabemos que os bandidos podem nos ver como policiais e atirarPor isso, é preferível arriscar e prendê-losEm 2008 isso aconteceu comigoDois ladrões roubaram uma joalheria, nos viram e atiraram, atingindo um colega na tarjeta que tinha no peitoConseguimos dar cobertura a um policial civil que os prendeu depois”, conta Bueno.

Afronta

Colete perfurado por bala em ocorrência - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PressO coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, Robson Sávio Reis Souza, afirma que o fato de guardas municipais estarem usando armas ilegalmente só reforça a teoria de que nem todos devem ter esse direito“Se os funcionários que deveriam promover a lei são os primeiros a transgredir, imagine se pudessem portar armamentosFazer prisões já é agir à margem da lei, como policiaisNa questão das armas de fogo particulares, isso é uma afronta à lei”, consideraMas, para o pesquisador Marcus Vinícius Cruz, da Fundação João Pinheiro e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o fato de os guardas estarem a pé e em muitos pontos onde ocorrem crimes os torna os primeiros a atuar

A GMBH informou que os funcionários que forem pegos com armas de fogo sofrerão penalidades administrativas e estão sujeitos às sanções do Estatuto do Desarmamento, que prevê detenção de 1 a 3 anos por posse de arma não registrada e de 2 a 4 anos por porte ilegal, sendo o crime inafiançável se o armamento não for registrado.

O que diz a lei

Guardas municipais em cidades com mais de 500 mil habitantes podem usar pistolas e revólveres no desempenho da função, segundo a Lei 10.826/2003, o Estatuto do Desarmamento, desde que o estado ou o município regulamente esse uso, permitindo a retirada do porte com a Polícia FederalMas a regulamentação ainda não ocorreu em Belo HorizonteA autorização para porte de arma de fogo pelas guardas municipais “está condicionada à formação funcional de seus integrantes em estabelecimentos de ensino de atividade policial, à existência de mecanismos de fiscalização e de controle interno e observada a supervisão do Ministério da Justiça”, de acordo com a legislação