Jornal Estado de Minas

Autoridades tentam cumprir promessa de limpar a Lagoa da Pampulha até a Copa

Licitação ainda está sem homologação. Um dos gargalos para conseguir o reconhecimento como patrimônio da humanidade está na despoluição

Gustavo Werneck
Lagoa da Pampulha, com o Mineirão ao fundo: relatórios recentes apontam níveis altos de poluição - Foto: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS


São 16h de uma quinta-feira de muito calor quando a fotógrafa Renata Vidigal, de 42 anos, moradora do Bairro Braúnas, na Pampulha, abre o porta-malas do carro e retira várias caixas e sacos de papel contendo material recicladoCom calma e experiência, ela deposita os resíduos na unidade do LEV (Local de Entrega Voluntária) na Avenida Otacílio Negrão de Lima, na orla da lagoaCerta de que faz a sua parte para ajudar o meio ambiente, principalmente para evitar mais contaminação do reservatório, Renata conscientiza o filho Samuel, de 5, a agir da mesma forma“Não tenho coragem de jogar um copinho de iogurte no lixo comumEm casa, lavamos todas as embalagens de plástico antes de descartá-lasDepois, venho até aqui”, conta a fotógrafa.

No dia a dia, Renata está acostumada a ver muita sujeira na lagoa“Precisamos de mais campanhas para sensibilizar a populaçãoE falta educação do povoTodo mundo deve pensar no destino do lixo produzido em casa”, afirma a fotógrafaOlhando a lagoa, dá para ver não só os aguapés que voltaram com toda a força como também as equipes da prefeitura trabalhando para retirá-los, garrafas PET boiando, sem falar nas sujeiras encobertas sob a beleza da paisagem, entre eles coliformes fecais – conforme laudos, 100% das amostras colhidas na lagoa apresentam níveis acima do tolerado – e metais pesadosOutros problemas mais aparentes e clandestinos são os bota-foras, que grassam por todo o município.

Mesmo imersa em promessas e projetos, a Pampulha, com o espelho d’água e conjunto arquitetônico saído da prancheta de Oscar Niemeyer (1907-2012), quando Juscelino Kubitschek (1902-1976) era prefeito de Belo Horizonte (de 1940 a 1945), quer ser patrimônio da humanidade, título concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco)
Hoje, às 15h, em solenidade na Casa do Baile, os órgãos envolvidos – prefeitura, Fundação Municipal de Cultura e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – assinam carta de intenções para elaboração de um dossiê, documento com fotos, histórico e outros registros, a ser encaminhado à Unesco possivelmente no prazo de um ano.

Um dos gargalos para conseguir o reconhecimento da instituição da Organização das Nações Unidas (ONU) está na despoluição da lagoaUma boa notícia veio na semana passada, quando o Congresso deu sinal verde para a prefeitura fazer um empréstimo de R$ 170 milhões no Banco do Brasil para aplicação na PampulhaSegundo o gerente de Planejamento e Monitoramento Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Weber Coutinho, foi iniciado o desassoreamento da lagoa, com recursos municipais para retirada de 800 mil metros cúbicos de sedimentosOutro trabalho desenvolvido inclui a coleta e interceptação de esgotos, serviço feito pela Copasa na bacia da PampulhaO leito dos córregos Ressaca e Sarandi, que chegam de Contagem, na Grande BH, é o retrato de toda a carga tóxica levada para a lagoa.

A expectativa é que, até a Copa do Mundo, sejam executados os serviços de retirada dos esgotos, desassoreamento e tratamento para melhoria da qualidade de águaSobre esse último aspecto, está em andamento uma licitação, embora ainda sem homologação.

ÍCONE O professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Flávio Carsalade, destaca a Pampulha como o grande ícone da modernidade na capital“É o berço da arquitetura moderna brasileira”, diz FlávioO arquiteto lembra, no entanto, que, para chegar ao título de patrimônio da humanidade, são necessários “ajustes”, como a despoluição ambiental“Há dois tipos de problemas na lagoa: o passivo, que são os sedimentos já depositados, e os ativos, que são os que chegam pelos córregos Sarandi e RessacaPortanto, deve haver um controle
Muitas vezes, a prefeitura não faz o dever de casa, que é retirar os sedimentos”, afirma o arquiteto, com a experiência de quem foi administrador regional de 2004 a 2008.

O presidente da Associação dos Amigos da Pampulha, engenheiro Flávio Marcus Ribeiro de Campos, acredita que os trabalhos desenvolvidos agora representam um recomeçoE ele tem esperança“A lagoa é a alma da PampulhaDepois de tantos anos de obras e promessas, não houve evolução, mas um retrocessoDezenas de nascentes foram soterradas em toda a bacia, mas estamos encorajados a começar de novoA união de forças entre as prefeituras de BH e Contagem e a Copasa é algo novo e fundamental”, diz o engenheiro.

Sou de BH

"Precisamos de mais campanhas para sensibilizar a populaçãoE falta educação do povoTodo mundo deve pensar no destino do lixo produzido em casa" - Renata Vidigal, 42 anos, fotógrafa

Desafios

Conter o processo de erosão na bacia hidrográfica da Pampulha, devido a desmatamento e construções

Impedir ligações clandestinas de esgoto, principalmente em vilas e favelas de ContagemA carga tóxica chega à Pampulha pelos córregos Sarandi e Ressaca

Controlar e fiscalizar os bota-foras que ocorrem em todo o municípioEles estão na Pampulha e no Anel Rodoviário

Conscientizar a população (são 500 mil moradores na bacia da Pampulha) sobre a destinação do lixo e fortalecer a coleta seletiva

Retirar periodicamente os sedimentos depositados no reservatório