São 16h de uma quinta-feira de muito calor quando a fotógrafa Renata Vidigal, de 42 anos, moradora do Bairro Braúnas, na Pampulha, abre o porta-malas do carro e retira várias caixas e sacos de papel contendo material reciclado. Com calma e experiência, ela deposita os resíduos na unidade do LEV (Local de Entrega Voluntária) na Avenida Otacílio Negrão de Lima, na orla da lagoa. Certa de que faz a sua parte para ajudar o meio ambiente, principalmente para evitar mais contaminação do reservatório, Renata conscientiza o filho Samuel, de 5, a agir da mesma forma. “Não tenho coragem de jogar um copinho de iogurte no lixo comum. Em casa, lavamos todas as embalagens de plástico antes de descartá-las. Depois, venho até aqui”, conta a fotógrafa.
No dia a dia, Renata está acostumada a ver muita sujeira na lagoa. “Precisamos de mais campanhas para sensibilizar a população. E falta educação do povo. Todo mundo deve pensar no destino do lixo produzido em casa”, afirma a fotógrafa. Olhando a lagoa, dá para ver não só os aguapés que voltaram com toda a força como também as equipes da prefeitura trabalhando para retirá-los, garrafas PET boiando, sem falar nas sujeiras encobertas sob a beleza da paisagem, entre eles coliformes fecais – conforme laudos, 100% das amostras colhidas na lagoa apresentam níveis acima do tolerado – e metais pesados. Outros problemas mais aparentes e clandestinos são os bota-foras, que grassam por todo o município.
Mesmo imersa em promessas e projetos, a Pampulha, com o espelho d’água e conjunto arquitetônico saído da prancheta de Oscar Niemeyer (1907-2012), quando Juscelino Kubitschek (1902-1976) era prefeito de Belo Horizonte (de 1940 a 1945), quer ser patrimônio da humanidade, título concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco). Hoje, às 15h, em solenidade na Casa do Baile, os órgãos envolvidos – prefeitura, Fundação Municipal de Cultura e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – assinam carta de intenções para elaboração de um dossiê, documento com fotos, histórico e outros registros, a ser encaminhado à Unesco possivelmente no prazo de um ano.
Um dos gargalos para conseguir o reconhecimento da instituição da Organização das Nações Unidas (ONU) está na despoluição da lagoa. Uma boa notícia veio na semana passada, quando o Congresso deu sinal verde para a prefeitura fazer um empréstimo de R$ 170 milhões no Banco do Brasil para aplicação na Pampulha. Segundo o gerente de Planejamento e Monitoramento Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Weber Coutinho, foi iniciado o desassoreamento da lagoa, com recursos municipais para retirada de 800 mil metros cúbicos de sedimentos. Outro trabalho desenvolvido inclui a coleta e interceptação de esgotos, serviço feito pela Copasa na bacia da Pampulha. O leito dos córregos Ressaca e Sarandi, que chegam de Contagem, na Grande BH, é o retrato de toda a carga tóxica levada para a lagoa.
A expectativa é que, até a Copa do Mundo, sejam executados os serviços de retirada dos esgotos, desassoreamento e tratamento para melhoria da qualidade de água. Sobre esse último aspecto, está em andamento uma licitação, embora ainda sem homologação.
ÍCONE O professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Flávio Carsalade, destaca a Pampulha como o grande ícone da modernidade na capital. “É o berço da arquitetura moderna brasileira”, diz Flávio. O arquiteto lembra, no entanto, que, para chegar ao título de patrimônio da humanidade, são necessários “ajustes”, como a despoluição ambiental. “Há dois tipos de problemas na lagoa: o passivo, que são os sedimentos já depositados, e os ativos, que são os que chegam pelos córregos Sarandi e Ressaca. Portanto, deve haver um controle. Muitas vezes, a prefeitura não faz o dever de casa, que é retirar os sedimentos”, afirma o arquiteto, com a experiência de quem foi administrador regional de 2004 a 2008.
O presidente da Associação dos Amigos da Pampulha, engenheiro Flávio Marcus Ribeiro de Campos, acredita que os trabalhos desenvolvidos agora representam um recomeço. E ele tem esperança. “A lagoa é a alma da Pampulha. Depois de tantos anos de obras e promessas, não houve evolução, mas um retrocesso. Dezenas de nascentes foram soterradas em toda a bacia, mas estamos encorajados a começar de novo. A união de forças entre as prefeituras de BH e Contagem e a Copasa é algo novo e fundamental”, diz o engenheiro.
Sou de BH
"Precisamos de mais campanhas para sensibilizar a população. E falta educação do povo. Todo mundo deve pensar no destino do lixo produzido em casa" - Renata Vidigal, 42 anos, fotógrafa
Desafios
Conter o processo de erosão na bacia hidrográfica da Pampulha, devido a desmatamento e construções
Impedir ligações clandestinas de esgoto, principalmente em vilas e favelas de Contagem. A carga tóxica chega à Pampulha pelos córregos Sarandi e Ressaca
Controlar e fiscalizar os bota-foras que ocorrem em todo o município. Eles estão na Pampulha e no Anel Rodoviário
Conscientizar a população (são 500 mil moradores na bacia da Pampulha) sobre a destinação do lixo e fortalecer a coleta seletiva
Retirar periodicamente os sedimentos depositados no reservatório