Pertencente à Ordem da Imaculada Conceição, a comunidade das freiras concepcionistas começa a celebrar o Ano Jubilar e reverenciar os 300 anos de história de Macaúbas, cujo prédio, branco e azul, foi recolhimento feminino, um dos primeiros colégios de Minas e, nos últimos 80 anos, conventoNo domingo passado, celebrada pelo cardeal dom Serafim Fernandes de Araújo uma missa solene abriu as festividades“Planejamos uma exposição do nosso acervo para a festa em 8 de dezembro de 2014”, diz a abadessa Maria Imaculada de Jesus HóstiaE ainda, para celebrar com beleza e segurança os 300 anos de história, as concepcionistas lançam a campanha da tinta, para receber material e pintar a fachada, e outra ação, desta vez para custear os serviços das partes elétricas interna e externa, com projeto aprovado pelo Iphan
Na entrada principal do mosteiro, onde se lê a palavra clausura, vê-se em destaque a pintura de um personagem fundamental: o eremita Félix da Costa, vindo da cidade de Penedo (AL), em 1708, pelo Rio São Francisco, com irmãos e sobrinhosEle demorou três anos para chegar a Santa Luzia, onde construiu uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição, de quem era devotoAntes disso, no encontro das águas do São Francisco com o Rio das Velhas, em Barra do Guaicuí, em Várzea da Palma, na Região Norte do estado, ele teve uma visão de um monge com hábito branco, escapulário, manto azul e chapéu caído nas costas“Ele se viu aliFoi o ponto de partida para a fundação do Recolhimento de Macaúbas”, conta a abadessa, explicando que o quadro e uma estátua de Félix da Costa foram feitos no século passado por uma irmã concepcionista.
Entrar na clausura é impossível – trata-se de um lugar exclusivo das religiosas, que só saem de Macaúbas em ocasiões especiais: consultas médicas ou odontológicas, eleições, resolver problemas administrativos, participar de reuniões da assembleia da ordem ou fazer cursos de espiritualidade para a vida contemplativa
Na companhia da freira Marisa de Fátima Costa, a abadessa conta que a capelinha erguida por Félix da Costa não existe mais, só algumas peças primitivas que serão mostradas na futura exposição“Temos ainda o cofre que Félix da Costa usava para pedir esmolas a fim de erguer o templo”, explicaDe acordo com as pesquisas, o eremita seguiu, em 1712, para o Rio de Janeiro e obteve do bispo dom frei Francisco de Sá e São Jerônimo – na época ainda não havia a diocese de Mariana, a primeira de Minas – licença para usar hábito e pedir esmolaMais tarde, recebeu autorização para abrir o recolhimento feminino.
EDUCAÇÃO No século 18, quando as ordens religiosas estavam proibidas de se instalar nas regiões de mineração, por ordem da Coroa Portuguesa, havia apenas dois recolhimentos femininos em Minas: um em Macaúbas e outro em Chapada do Norte, no Vale do JequitinhonhaA historiadora e professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri Ana Cristina Lage, estudiosa da história da educação feminina no estado, explica que esses espaços recebiam mulheres de várias origens, para reclusão definitiva ou passageira
“Havia uma diversidade de tipos de reclusasEles abrigavam meninas e mulheres adultas, órfãs, pensionistas, devotas, algumas que se estabeleciam temporariamente para guardar a honra enquanto os maridos e pais estavam ausentes, ou serviam de esconderijo para aquelas consideradas desonradas pela sociedade da época”.
Macaúbas recebeu figuras ilustres, a exemplo das nove filhas da escrava alforriada Chica da Silva, que vivia com o contratador de diamantes e desembargador João Fernandes
A construção tem ainda as alas da Imaculada Conceição (16 celas), Félix da Costa (a mais antiga, com 16 celas) e a de Santa Beatriz, onde se encontra o noviciado do mosteiroEm 1847, o recolhimento passou a funcionar também como colégio, um dos mais tradicionais de MinasNas primeiras décadas do século 20 a escola entrou em decadência devido à chegada de congregações religiosas europeias com grande experiência na educação de meninas e por causa da forte gripe de 1919, que matou muitas alunas
quitutes Da porta do mosteiro, contemplando a paisagem contornada pelo Rio das Velhas, a abadessa afirma que a comunidade tem hoje apenas 10% das terras primitivasPara se manter, as freiras vivem da aposentadoria das concepcionistas mais velhas, produzem vinhos de rosas, jabuticaba e uva, fazem doces, quitandas e trabalhos manuais, mantêm a hospedaria na Ala do Retiro e recebem ajuda de benfeitores, como a Missão Central dos Franciscanos, da Alemanha
A vida começa cedo no convento, que guarda monumentos de fé, como as capelas dos Aflitos, com o Cristo crucificado e Nossa Senhora das Dores, aos seus pés, de Nossa Senhora do Carmo e de Santo Antônio, na Ala do Retiro, a Sala dos Oratórios e a Sala do Capítulo (reuniões), com um oratório, para orações noturnasAs freiras se levantam às 5h e participam de uma dia de ofícios, trabalho, estudos, meditação e atividades que só terminam às 20h30
“Para viver aqui é preciso coragem e vocaçãoÉ um chamado de DeusNão estamos isoladas do mundo, mas rezando por eleNo mosteiro há computador e televisão, para vermos noticiários”, conta a abadessa, que tem a companhia de sua irmã de sangue Maria Auxiliadora, que chegou a Macaúbas há 54 anosUsando um delicado anel de prata com a imagem de Cristo crucificado, irmã Marisa, há 25 anos no Mosteiro de Macaúbas, é determinada“Renunciamos ao convívio com a família, casamento e vida socialNo mosteiro começa a minha vida para a eternidade”
Ela adianta que em 1º de janeiro e depois no primeiro domingo de cada mês, durante a missa das 10h30 na capela aberta ao público, haverá orações especiais pela celebração do tricentenárioOs católicos podem também assistir à missa diária celebrada às 7h.
Memória
De volta ao altar
Em 17 de setembro de 2011, as irmãs do Mosteiro de Macaúbas participaram de missa festiva para reentronizar (levar de volta ao altar da capela-mor) a imagem de Nossa Senhora de LourdesDurante quatro meses, a peça francesa –1,65m de altura e integrante do acervo desde 1892 – foi restaurada numa das celas, então transformada em ateliêÀ frente do serviço, a especialista Carla Castro SilvaA recuperação se deu graças à parceria entre a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia e o mosteiro, com recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS Cultural)Na oportunidade, foram também comemorados os 500 anos da aprovação da Regra da Ordem da Imaculada Conceição – Ad Statum Prosperum –, fundada por Santa Beatriz da Silva MenezesO EM documentou o restauro, sendo o primeiro veículo de comunicação autorizado a entrar na clausura
Cronologia
1708 –Félix da Costa parte de Penedo (AL), em companhia de seus irmãos, e chega a Santa Luzia três anos depois
1712 – Depois de viajar para o Rio de Janeiro, Félix da Costa obtém do bispo dom frei Francisco de Sá e São Jerônimo licença para usar hábito e pedir esmola a fim de construir uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição
1712 –Em 8 de maio, em segunda viagem ao Rio, Félix da Costa obtém licença para fundação de um recolhimento
1714 –Em 12 de agosto, tem início a construção da Ermida de Nossa Senhora da Conceição e de um pequeno prédio para residência das futuras recolhidasO local escolhido fica no encontro do rio das Velhas e Vermelho, em Santa Luzia
1716 –Em 1º de janeiro, o vigário de Roça Grande, padre Lourenço Valadares Vieira, abençoa a capelaEntram para o recolhimento 12 moças, sendo sete parentes de Félix da Costa
1716 – Em 2 de novembro, o governador da capitania de São Paulo e Minas de Ouro, Brás Baltazar da Silveira, concede a primeira carta de sesmaria com referência exclusiva à ermidaNove anos mais tarde, é concedido novo documento, legalizando a posse de um terreno usado pelo recolhimento para criação de gado
1727 – O bispo do Rio de Janeiro, dom Antônio Guadalupe, autoriza a construção de um novo prédioO recolhimento fica sob sua subordinação direta
1767 / 1768 – O contratador de diamantes e desembargador João Fernandes manda construir uma ala, dividia em celas, e um mirante, que ficam conhecidos como Ala do SerroOs ambientes foram erguidos como parte do pagamento do dote de suas filhas, ali internadas, com Chica da Silva
1770 –Em 9 de novembro, Ignácio Correa Pamplona assina contrato para construir a ala à direita da sacristia, igualmente dividida em celas
1778 – Em 30 de março, o padre Manuel Dias da Costa Lana vai a Portugal, como procurador do recolhimento, para obter o reconhecimento do local pela CoroaA antiga resistência à instalação de ordens religiosas em Minas retardava o cumprimento da missa do padreSomente 11 anos depois é concedido o benefício régio, por despacho da rainha Maria I, que aprova o estabelecimento e o toma sob sua proteção
1847 – O recolhimento passa a funcionar também como colégioA nova escola ganha reconhecimento e se torna uma das mais tradicionais de Minas
Século 20– Nas primeira décadas, o colégio entra em decadênciaO motivo está na chegada a Minas de congregações religiosas europeias com grande experiência na educação de meninas
1933 –Antigo recolhimento se torna Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Macaúbas
1963 – Em 8 de fevereiro, construção é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)Quinze anos depois, é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), e em 1989, pela Prefeitura de Santa Luzia