Um ano depois de iniciar o acompanhamento por seis meses de 10 usuários de crack, rotina relatada nas páginas do Estado de Minas entre 12 e 15 de agosto, a reportagem reencontrou oito desses personagens e constatou que na guerra contra o vício as batalhas são extremamente difíceis, retratadas nos exemplos da maioria dos entrevistados
Depois de 11 meses, o jovem, de classe média alta, foi localizado em Ribeirão das Neves, na Clínica de Recuperação SiloéEm três meses de clínica, Fred engordou, ganhou massa muscular e recuperou o aspecto corado“Até ver minha foto publicada no jornal, ninguém acreditava que eu realmente usava crackA imagem chocou muito minha família, principalmente minha mãe, que sabia de tudo mas nunca tinha me visto usando o cachimbo”, diz o designer visual.
Em janeiro, quando conversou com a reportagem em uma cracolândia na Pampulha, Fred estava de partida para a casa da noiva, carioca
Com a pequena fortuna nas mãos, ele veio para BH e já desembarcou no Bairro da LagoinhaPermaneceu por três dias na cracolândiaChegou a ser dado como desaparecidoSó ligou quando acabou o dinheiroDesesperado, bateu à porta da casa dos pais, que, mais uma vez, concordaram em interná-loPermaneceu menos de uma semana em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, e depois internou-se por vontade própria na Clínica Siloé.
DIONE Com 44 anos, a dona de casa Dione de Deus consome drogas desde os 15No início do ano, depois de tentar suicídio, foi internada contra sua vontade
Depois de completar o período regular de internação, ela deixou a casa em novembro, contra a vontade dos coordenadores da comunidadeNão houve argumentos capazes de convencer a interna: ”Já estava cansada de ficar confinadaO perigo está lá fora”, diz.
Relembre o especial sobre crack
Na primeira semana de liberdade, Dione não quis voltar para sua casa, onde ficaria sozinhaFoi aceita de volta na residência do pai, mas ainda não ganhou as chaves das portas nem tem acesso a dinheiroUma semana depois, voltou a trabalharPassou por perícia para atuar como caixa de supermercado“Sou uma nova pessoa, que quer viver sem a droga”, garante Dione, que se apoia na terapia, no uso de medicamentos e na solidariedade dos irmãos e dos filhos
WAGNER Dono de bancas de jornal, Wagner Patrocínio foi encontrado pela reportagem quando alternava a presença em uma cracolândia na Pampulha com momentos amparado pela mulherDepois de seis meses acompanhado, Waguinho tentou fugir três vezes de uma clínica em Ribeirão das Neves e foi levado pela esposa, a funcionária pública e ativista de direitos humanos Ângela Chaves Pereira, para se tratar em Patos de Minas
Depois de muita insistência, Ângela conseguiu internar Wagner em agosto, depois que ele estava havia um ano usando crack e praticamente vivendo na ruaA internação na Clínica Quintino foi involuntária, ou seja, contou com indicação médica, mas deu-se contra a vontade do pacienteA decisão de internar o marido à força trouxe ainda mais problemas para a esposa“Ele ficou muito bravo comigo porque sabe que só eu posso tirá-lo de lá”, desabafa
Ângela passou a ser chantageada por Waguinho a cada visita mensal e nos telefonemas autorizados pela clínica, onde ele ficará internado até janeiro“Foi um tempo de estresse e de tensãoEle me pressionando, e eu tendo que servir de escudo contra toda a revolta dele e as fissuras pela drogaMas graças a Deus, em momento algum pensei em tirá-lo antes do tempo”, contou a uma amiga em uma rede social.
MARCUS VINíCIUS O pedreiro Marcus Vinícius Dias, de 31 anos, morador de Gonzaga, no Vale do Rio Doce, foi encontrado pela reportagem no início de um tratamento em uma comunidade terapêuticaForam seis meses se tratando, e,no último encontro Marcus estava trabalhando na mercearia de um irmão, em sua cidade
Ele sempre prometia dar a volta por cimaCom o tempo, porém, os novos problemas com as drogas ficaram incompatíveis com o trabalho“Tive recaídas, mas não usei crackSó cocaína”, diz Marcus, que está temporariamente em Contagem, na casa de outro irmãoEle não faz relações com as recaídas dos últimos meses, mas se mostra muito triste ao contar que o irmão Milton, principal entusiasta de sua recuperação, sofreu um acidente na BR-381 em agosto, já está há quatro meses no hospital e vai precisar reaprender a andar e falar“Ele está melhorando, mas o acidente pegou todos de surpresaEle é muito querido”, conta.
A mulher de Marcus, Lívia Mara de Sousa Assunção, de 33, continua em Gonzaga e confessa que se cansou da luta contra a dependência do marido“De uns tempos para cá ele ficou muito instável e o acidente do Milton piorou a situaçãoDefinitivamente, o bilhete de entrada na droga é muito fácil, mas o de saída é dificílimo”, desabafa LíviaApesar de os problemas se repetirem, ela explica que é visível a mudança na cabeça do marido“Ele conseguiu perceber o quanto a droga faz mal para ele, mas não consegue se livrar e fica angustiado, desesperado”, diz
Agora, Marcus afirma que está mais tranquilo e que vai trabalhar no Rio de Janeiro“Estou indo no início do anoVou trabalhar temporadas de 20 dias como carpinteiro e passar um tempo em casa”, contaNos bolsos, leva dois tipos de remédios calmantes para controlar a ansiedade, como parte de um tratamento que ele garante estar seguindo.
Tratamento difícil
Para o médico Valdir Campos, da Comissão de Controle de Drogas da Associação Médica de Minas Gerais, os insucessos no tratamento do crack podem ser explicados pela dificuldade de se obter tratamentos em rede“A dependência química não pode ser vista só como uma questão biológicaIsso é parte do problemaTemos ainda o fator psicológico e as questões sociais, que interferem diretamente no problema”, diz o especialista.