Conversas telefônicas interceptadas pela Polícia Civil indicando que uma quadrilha burlou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) fazem referência a falhas de segurança no teste. Em uma ligação feita em 15 de outubro, um homem conversa com José Cláudio Oliveira, de 41 anos, apontado pela polícia como coordenador do esquema. Na ocasião, faltavam 11 dias para início do Enem e o suspeito chega a ser irônico ao falar da segurança durante as provas do teste nacional.
Um homem pergunta: “O Vítor te passou o negócio?”. Cláudio responde que sim e conta: “Eu falei para ele que vou ter o gabarito do Enem também”. “O Enem é mais fácil?”, questiona o interlocutor. “É mais fácil, ‘né’? Bagunçado, ‘né’? É tudo escolinha pública que aplica”, comentou. “É esse povinho de colégio que toma conta. Não tem detector de metal, não tem nada no banheiro, é tudo uma zona”, completa.
Na mesma conversa, o valor do gabarito é discutido. As respostas do Enem são avaliadas em R$ 70 mil. “Você pode me passar R$ 70 mil e você pode cobrar aí R$ 100 mil”, diz o acusado. Para a polícia, esse é o indicativo de que José Cláudio conversava com outro corretor, que queria agenciar candidatos para ganhar dinheiro. Se o negócio fosse fechado e resultasse em aprovação, o coordenador ficaria com os R$ 70 mil e o agenciador não identificado levaria R$ 30 mil “por fora”.
Já em 27 de outubro, às 18h11, quando as provas ainda estavam ocorrendo, outro corretor liga para José Cláudio e pergunta se o cabeça do esquema já havia enviado o gabarito a uma candidata que estava fazendo a prova. “Já mandei. Tem meia hora. Ela já saiu?”, quis saber o acusado, ouvindo resposta negativa.
No dia seguinte, a conversa grampeada flagrou o segundo homem apontado como participante do esquema do Enem. O funcionário público aposentado Quintino Ribeiro Neto conversa com uma pessoa não identificada, comemorando o desempenho de uma das concorrentes. “Ela pegou o rosa, mas fez o gabarito no amarelo, tudo certinho”, avisa Quintino ao interlocutor. Ele também comenta que conferiu o gabarito e que o piloto acertou 75% da prova. Juntando com a redação, cujo tema foi Lei Seca, a candidata conseguiria ser aprovada. “Ela é muito criativa. Na hora lá, no primeiro dia, ela mandou uma mensagem perguntando ‘cadê a cor’?”, acrescentou. “Ela não tem medo do negócio”, completou Quintino.
A dupla também lamenta o resultado negativo de outra pessoa. “Teve um engano lá no computador e o número dele ficou de fora”, disse Quintino. Porém, ele sugere ajudar o rapaz e diz que vai levá-lo para uma prova em Teresópolis, onde fica uma das faculdades particulares de medicina em que foi comprovado o golpe.
Segundo as investigações, a quadrilha que fraudou vestibulares de 11 faculdades em Minas e no Rio de Janeiro chegou a oferecer para candidatos serviços em outras 16 instituições, mas nelas não foi comprovado problema. Entre elas estão unidades de referência, como a UnB, de Brasília, e a PUC de Campinas, além de universidades em Mato Grosso, Goiás, São Paulo e outras em Minas, caso da Unipam, de Patos de Minas, e Atenas, de Paracatu.