Congonhas – A madeira se transformou em arte e a pedra-sabão em fé. Do barro nasceu a beleza e do tecido de algodão brotou o encantamento. Materiais e sentimentos, conduzidos por mãos talentosas, fizeram o esplendor do barroco mineiro e marcaram a história do Brasil colonial, tendo como expoente Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), cujo bicentenário de morte será lembrado até 18 de novembro de 2014. Mas uma dezena de outros artistas, entre eles o irmão do “mestre do barroco”, Padre Félix, com obras em São Brás do Suaçuí, na Região Central, trabalharam e deixaram um legado precioso em igrejas e capelas das Gerais, embora muitos permaneçam desconhecidos da população e pouco estudados pelos especialistas, diz o historiador e restaurador Carlos Magno Araújo, de São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes.
Há 30 anos debruçado sobre livros e documentos, revisitando cidades do Ciclo do Ouro e, principalmente, restaurando imagens e retábulos das três fases do barroco (nacional português, joanino e rococó), Carlos Magno encontrou nomes importantes e contemporâneos de Aleijadinho. “Antonio Francisco Lisboa ficou famoso nacionalmente a partir da década de 1920, depois da Semana de Arte Moderna (1922), quando escritores, poetas e artistas plásticos de São Paulo chegaram a Ouro Preto e passaram a valorizar o patrimônio dos séculos 18 e 19. A figura dele se tornou, então, um símbolo da arte colonial”, explica o restaurador. “O Padre Félix foi pouco estudado e acabo de atribuir a ele quatro imagens em São Brás do Suaçuí”, adianta o especialista.
No altar, ladeando as imagens de Cristo crucificado e Santana, estão dois anjos tocheiros de autoria de Servas –”conforme os documentos, ele recebeu pagamento por quatro anjos ”, afirma Luciomar. Impossível não querer ver bem de perto as esculturas em policromia medindo 1,70m. Sem tocar na madeira, mas visivelmente impressionado com a expressão dos tocheiros, Carlos Magno conta que Servas trabalhou também como entalhador e escultor nas igrejas dedicadas a Nossa Senhora da Conceição, em Congonhas e Catas Altas, e de Nossa Senhora do Rosário, em Mariana. Ainda com a assinatura de Servas, a basílica tem a tarja de madeira com dois anjos no alto do arco-cruzeiro.
“Os escultores faziam apenas a talha das imagens, ficando a policromia a cargo de outros artistas. Não podemos esquecer os policromadores ou pintores das imagens, a exemplo de Manoel da Costa Ataíde, Joaquim José da Natividade e João Nepomuceno. Na verdade, um policromador podia dar mais grandeza a uma imagem que não estivesse bem feita, como também destruir uma próxima à perfeição”, avalia Carlos Magno. Ao lado, Luciomar esclarece que a coroa portuguesa era muito rigorosa com os chamados ofícios mecânicos, fazendo questão da qualidade. “Para fazer as imagens, o artífice tinha que ter a chamada carta de obrar”, diz Luciomar.
O grande número de escultores, entalhadores, pintores e outros artistas em Minas, nos séculos 18 e 19, está relacionado à construção de igrejas e capelas nos tempos áureos da exploração do ouro. “As obras demoravam muito para ficar prontas e os elementos artísticos eram colocados tardiamente. Ao longo do tempo, as irmandades iam melhorando a estética dos templos e contratando gente”, diz Carlos Magno, lembrando que cada um desses profissionais tinha uma oficina com equipe. Aleijadinho, por exemplo, trabalhava com 20 pessoas em Ouro Preto.
INSPIRAÇÃO Muito visitado devido à presença dos 12 profetas no adro e capelas com as cenas da paixão de Cristo, de autoria de Aleijadinho, o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos tem ainda o traço do português Jerônimo Félix Teixeira nos dois altares colaterais da basílica, com as imagens de São Francisco de Paula e Santo Antônio. “É a primeira vez que aparece o estilo rococó em Minas”, diz Luciomar, realçando o significado de Jerônimo para o patrimônio mineiro.
Na entrada principal do santuário, os pesquisadores mostram outra marca de Jerônimo Félix Teixeira. Esculpida em pedra-sabão está a portada, que tem no alto uma coroa de Cristo e os símbolos da Irmandade do Senhor Bom Jesus de Matosinhos – os cravos e os estigmas (chagas) de Jesus. “Essa obra é considerada a primeira em estilo rococó e serviu de inspiração para Aleijadinho fazer outras em várias igrejas, como a de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, e a de São João Batista, em Barão de Cocais”, diz Carlos Magno.
Saiba mais
Variações de um estilo
Nacional português – Os retábulos (altares) nesse estilo são a representação mais antiga do barroco em Minas. Apresenta elementos em forma de conchas, guirlanda de flores, colunas em espiral e outros. São referências a Catedral da Sé, de Mariana, e a Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, em Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto. Ficou em moda do fim do século 17 até aproximadamente 1720.
Joanino – Ficou em evidência de 1735 a 1765 e o nome se deve ao rei de Portugal, dom João V. Como características, colunas com anjos, atlantes e figuras humanas. Está presente nas igrejas de Nossa Senhora do Pilar e de Nossa Senhora da Conceição, de Ouro Preto.
Rococó – Última fase do barroco, vigorando até 1830. Tem como característica a eliminação dos excessos e predominância de tons claros (branco, bege e azul). Há presença do elemento decorativo denominado rocalha, de onde derivou o nome rococó. São exemplos as igrejas de São Francisco de Assis, em Ouro Preto e São João del-Rei, e a de Nossa Senhora do Carmo, em Mariana.