São Brás do Suaçuí – A chuva forte da tarde de sexta-feira, com raios e ventania, mostrou que a igreja matriz da primeira metade do século 18 dedicada ao padroeiro São Brás está bem protegida. Periodicamente, o titular da paróquia, padre Lúcio Álvaro Marques, faz revisão no telhado para evitar infiltrações, como também nos sistemas elétrico e de segurança. Tudo isso para garantir a tranquilidade dos fiéis e conservação do acervo, que tem peças atribuídas a Padre Félix, filho do mestre de obras e louvado (perito) português Manuel Francisco Lisboa e irmão de Aleijadinho.
Entusiasmado, o restaurador e historiador Carlos Magno Araújo mostra as imagens de São Sebastião e São Benedito, num altar, e a de São Sebastião, em outro. “Pesquisei o assunto durante muito tempo até chegar a uma conclusão. O trabalho do Padre Félix não tem a expressão artística e a qualidade do acervo deixado por Aleijadinho, mas precisava ser pesquisado e identificado.” Segurando a imagem de São Sebastião, padre Lúcio revela que a atribuição só valoriza o patrimônio da igreja, pois “o que era suposição agora tem comprovação por meio de estudos”.
Outro artista presente na igreja é o Mestre do Cajuru, de quem não se sabe o nome, apenas a origem portuguesa. Ele atuou em Minas no período joanino (ver abaixo), embora antecipando a linguagem do estilo rococó. Entre as características estão os traços repetitivos (mão direita rígida, nuvens em forma de elos entrelaçados etc.) quase como uma assinatura; uso de figuras alongadas, com cabelos em mechas de delicados fios, sempre voltados para trás, caindo às costas como um rabo de cavalo; e olhos grandes e amendoados, posicionados lateralmente nas faces. O retábulo do lado esquerdo (de quem olha para a capela-mor) exibe as imagens de Nossa Senhora do Carmo, Santo Elias e Santa Tereza de Ávila; o da direita, Nossa Senhora do Rosário; e mais à frente, de São Miguel Arcanjo. “As figuras esculpidas pelo Mestre do Cajuru eram longilíneas.”
Nas Gerais do século 18 (ver abaixo) destacaram-se ainda Manoel João Pereira, que trabalhava com pedra e madeira e retratava os anjos sempre sorridentes; Rodrigo Francisco, especialista em peças de terracota e tecido encolado (algodão enrijecido com cera); Valentim Correia Paes, responsável pelas imagens que saem nas procissões da semana santa em São João del-Rei; José Coelho de Noronha, autor da talha da Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, em Caeté, e foi referência para Aleijadinho; Mestre Oliveira, com acervo na Região Centro-Oeste; Mestre Piranga e Francisco Xavier de Brito.
Os artistas
Francisco Vieira Servas (1720-1811) – Nascido em Portugal, trabalhou como entalhador e escultor em madeira nas igrejas de Nossa Senhora da Conceição, em Catas Altas; no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos e de Nossa Senhora da Conceição, em Congonhas; e de Nossa Senhora do Rosário, de Mariana. Criou estilo próprio na concepção dos altares, com destaque para um elemento denominado arbaleta (arremate sinuoso) (foto).
Mestre Piranga – Pode ter sido o nome de uma oficina formada pelos portugueses José de Meireles Pinto, Antônio de Meireles Pinto e Luiz Pinheiro, de quem não se sabe a nacionalidade. Ganhou esse nome pelo trabalho desenvolvido na região do Rio Piranga, afluente do Rio Doce, na Zona da Mata. Deixou obras em Catas Altas da Noruega e várias localidades do Vale do Rio Piranga.
Mestre do Cajuru – De origem portuguesa, trabalhou em Minas no período joanino, embora antecipando a linguagem do estilo rococó. Entre as características estão os traços repetitivos (mão direita rígida, nuvens em forma de elos entrelaçados etc.) quase como uma assinatura; uso de figuras alongadas, com cabelos em mechas de delicados fios, sempre voltados para trás, caindo às costas como um rabo de cavalo; e olhos grandes e amendoados, posicionados lateralmente nas faces.
Manoel João Pereira – Brasileiro, trabalhava com pedra e madeira. A sua área de atuação foi a antiga Comarca do Rio das Mortes, com destaque para as cidades de Prados, São João del-Rei (distrito de São Gonçalo do Amarante) e Resende Costa, atualmente na Região do Campo das Vertentes; e Lavras, no Sul de Minas. Como destaque, as figuras humanas, o coroamento do retábulo e lavabo da sacristia da Capela de São Francisco de Assis, que fica na Igreja de São Francisco de Assis, em São João del-Rei. Os anjos são sempre sorridentes.
Rodrigo Francisco – Brasileiro. Escultor em terracota, fez também peças em madeira e imagens em tecido encolado (algodão enrijecido com cera) em igrejas de São João del-Rei, Tiradentes e Prados, no Campo das Vertentes.
Jerônimo Félix Teixeira – É autor dos dois altares colaterais do Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, e da portada (entrada principal) da igreja, considerada a primeira em estilo rococó (foto). A peça serviu de inspiração para Aleijadinho fazer as portadas monumentais que entraram para a história.
Valentim Correia Paes – Nasceu em Tiradentes. Fez muitas das imagens que saem em procissão na semana santa em São João del-Rei, onde viveu durante muitos anos. O seu trabalho ainda é pouco conhecido.
Mestre Oliveira – Trabalhou em Oliveira, Itapecerica e Campo Belo, na Região Centro-Oeste. Deixou um grande acervo nas igrejas. As obras de qualidade artística ainda precisam ser estudadas.
José Coelho de Noronha (1704-1765) – Português. É responsável pela talha da Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, em Caeté. Aleijadinho teve Noronha como referência para sua obra.
Padre Félix – Irmão de Aleijadinho. O seu trabalho não tem a expressão artística e a qualidade do acervo deixado por Antonio Francisco Lisboa e só agora está sendo pesquisado.
Francisco Xavier de Brito – Português. Foi um dos principais nomes do barroco mineiro, tendo sido também um dos mestres de Aleijadinho. Escultor e entalhador, foi responsável pela capela-mor da Basílica de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto e de obras de relevância no Rio de Janeiro.
Fonte: Carlos Magno Araújo, restaurador e historiador de São João del-Rei
Memória
Tecido na fé
Em julho de 2010, o EM destacou o trabalho do escultor Rodrigo Francisco que dominou nas Gerais do século 18 uma técnica rara no Brasil colonial, embora conhecida em países de colonização espanhola e situados na Cordilheira dos Andes, caso da Bolívia, Peru e Equador. Os restauradores e historiadores Edmilson Barreto Marques e Carlos Magno Araújo encontraram mais de 40 peças na Região do Campo das Vertentes, de autoria de Rodrigo Francisco, das quais a metade produzida em tecido de algodão. A identificação contou com a referência de um documento, datado de 1753, com o nome do artista, que atestava o pagamento pela execução da imagem de São Joaquim da Matriz de Santo Antônio, em Tiradentes. Na época, o recibo foi encontrado pelo pesquisador Olinto Santos Filho, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).