A pequena Letícia Ferreira, de 4 anos, parecia espantada, surpresa. Depois, porém, percebeu que podia relaxar e abriu um sorriso. Aquele homem que entrava em seu quarto, segurando um cajado dourado, com barba branca, botas pretas e roupa vermelha de veludo era mesmo o Papai Noel. Ou um dos vários clones do velhinho bonachão que se espalham pelo mundo nesta época. “Gosta de flauta?”, perguntou. A garota fez que não com a cabeça, tímida. “E de violão?” Ela balançou a cabeça que sim. “Olhe que violão bonito eu trouxe pra você”, disse o homem, tirando um instrumento em miniatura de dentro do saco que carregava.
A cena se passou na manhã de ontem em um dos leitos da ala pediátrica do Hospital Belo Horizonte, no Bairro Cachoeirinha, Região Nordeste de BH. O Papai Noel era encarnado pelo corretor de imóveis Pedro Reis, de 60. Ele é uma das várias pessoas que se deixam inspirar pela proximidade do Natal, que parece incitar e multiplicar gestos de solidariedade. Os voluntários são tantos que acabam se esbarrando em serviço, como ocorreu entre o presenteador Pedro e um grupo de estudantes da capital. Em Vespasiano, outro Papai Noel fez a alegria da criançada. Mesmo debaixo de chuva, ele distribuiu presentes a todos que apareceram.
Pedro atua como Bom Velhinho desde 1994. Ele diz que distribuiu cerca de 5 mil brinquedos neste ano em 50 lugares, como hospitais, creches, asilos e outras entidades. Uma delas foi o Instituto São Rafael, escola estadual localizada no Barro Preto, Região Centro-Sul, com alunos portadores de cegueira total ou outros problemas visuais. Ele arrecada os mimos entre amigos e empresas. “Papai Noel tem que saber lidar com crianças, idosos, enfermos. Tem que dar uma palavra de conforto. Em um hospital, às vezes encontramos pessoas meio desanimadas, mas não podemos acompanhar o ambiente. Temos que mudar o clima”, explica.
surpresa A garota Letícia Ferreira estava internada desde terça-feira da semana passada. “Ela teve pneumonia e derrame pleural. Fez uma cirurgia para limpar um pulmão e colocou um dreno”, explicou a mãe dela, a desempregada Radmila Tábata Ferreira, de 25. Depois que o Papai Noel saiu do quarto, a criança, sentada na cama, ergueu o pequeno violão envolto na embalagem e pediu: “Abre aqui pra mim”. Presente igual foi dado a Ademar Macedo Santos, de 4, que estava em outro quarto. Ele estava recebendo soro por um tubo preso a uma veia. “Teve convulsão na sexta-feira e foi internado sábado. Estamos tentando descobrir o que é”, disse a mãe dele, a operadora de caixa Ana Cláudia Lopes, de 24.
Ademar costuma ser um garoto agitado, mas andava meio abatido entre as quatro paredes do quarto. “Já chorou para ir embora”, contou Ana Cláudia. Com a visita do Papai Noel, ele se reanimou. Além de ficar dedilhando as cordas do violão, fez desenhos com os lápis coloridos e folhas de papel que recebeu. “Este é o menino mais bonito que tem no hospital”, elogiou Pedro, que distribuiu também balinhas. “É muito gratificante dar alegria às crianças e outros pacientes, levantar a autoestima deles”, constatou.
ESTUDANTES
Pedro estava no começo da visita ao hospital quando chegou um grupo de quase 30 estudantes, a maior parte deles matriculados no ensino médio do Colégio Magnum. Os voluntários fazem parte do Grupo Reação, criado neste mês. A atividade de estreia foi uma espécie de intervenção urbana, em que houve oferta de abraços grátis na Praça da Estação, no Centro. Depois eles visitaram uma creche na Vila Cafezal, Região Centro-Sul. A ida ao Hospital Belo Horizonte era a terceira atividade da turma, que sábado vai ao Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus, no Bairro Floramar, Região Norte.
“Participar me faz sentir em paz. A gente vai com o intuito de ajudar, de se entregar para aquelas pessoas, mas acontece que elas também se entregam muito. A gente ensina e aprende”, disse Maria Cecília Araújo, de 17, que cursará o 3º ano do ensino médio em 2014 e participa de grupos voluntários desde os 11 anos. Na manhã de ontem, ela e colegas percorreram a ala pediátrica e alegraram os adultos no centro de terapia intensiva (CTI). “O clima de hospital é pesado, mas é onde nossa presença é mais necessária”, observou a moça.
Ela e outras jovens começaram uma animada conversa com a enfermeira aposentada Elizabeth Pereira, de 65, internada havia uma semana. “Sou cardíaca, meu coração estava querendo parar. Senti muita dor no peito. Já tive dois enfartes. Não sei quando vou ter alta”, contou. Diante do leito vizinho, Lucas Sanches, de 17, futuro aluno do 3º ano, tocava violão enquanto as colegas Carolina Nogueira e Erika Amânio, da mesma idade, cantavam a música Sozinho, celebrizada na voz de Caetano Veloso. Deitado, o aposentado José Rosa da Silva, de 79, apertou um botão para elevar um pouco a cabeceira da cama.
Acompanhou tudo atentamente e aplaudiu ao final. “Parabéns”, exclamou. Ele disse que foi internado após ter hemorragia interna, cuja causa ainda não sabia. “Aqui você fica meio estressado, para baixo. Só pensamento ruim. Eles animam a gente, nos distraem”, disse. Assistente social do hospital, Patrícia Silva reforçou: “Esse trabalho é muito importante para o paciente. Ajuda na recuperação, muda a rotina, cria um momento de relaxamento e alegria”.