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Estado de Minas

Prática do apadrinhamento no Natal acaba muitas vezes em adoção

Nos casos de apadrinhamento, a criança passa fins de semana ou datas especiais com parentes provisórios e depois retornam aos abrigos. Mas nem sempre ficam lá


postado em 25/12/2013 06:00 / atualizado em 25/12/2013 07:30

O empresário Valbio, a mulher, Liamar e a filha adotiva, de 4 anos, cuja guarda agora é disputada pelos pais biológicos: decisão judicial abalou famílias na mesma situação (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press - 5/10/13)
O empresário Valbio, a mulher, Liamar e a filha adotiva, de 4 anos, cuja guarda agora é disputada pelos pais biológicos: decisão judicial abalou famílias na mesma situação (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press - 5/10/13)


Natal é época de apadrinhamento, que muitas vezes vira adoção. É o que comprova a história de Mirtes Delfina da Cruz Pereira, de 44 anos, vendedora, que procurou o Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam) em 2011. Ela queria levar alguma criança para passar o feriado do dia 25 com ela e a família. Só podem sair do abrigo crianças entre 4 e 7 anos, mas chegou aos seus braços um menino de 9 anos. Robert queria conhecer uma família para, pelo menos, passar o Natal. O primeiro presente que o garoto pediu foi rever um irmão mais novo, que estava em outro abrigo da capital. Lá se foi Mirtes atrás do caçula. Encontrou Diego por meio do Cevam, mas ele já tinha uma família permanente para apadrinhamento.


Robert passou seu primeiro Natal em família, mas não sabia ainda que Ariane e Arielle seriam suas irmãs em um futuro muito próximo. Nem que Mirtes e o marido Carlos Roberto se tornariam seus pais. No ano seguinte, Diego estava disponível para apadrinhamento e a vendedora não pensou duas vezes: levou os irmãos para casa. As aulas começaram e a família não conseguiu mais ficar longe dos meninos.

Nos casos de apadrinhamento, a criança passa fins de semana ou datas especiais com parentes provisórios e depois retornam aos abrigos. Mas nem sempre ficam lá. “Comecei a me manter informada sobre escola, cadernos, fomos vivenciando tudo aquilo. Não tinha jeito mais, eles eram nossos”, disse Mirtes.

JUNTOS NOVAMENTE Os dois irmãos estavam na fila de adoção. Robert estava disponível para receber pais estrangeiros. Mas Mirtes não conseguia mais pensar na possibilidade de ficar sem seus meninos e colocou seu nome na lista do Juizado da Infância e Juventude. Rapidamente, conseguiu a guarda de Robert. Diego, aos 6 anos, havia sido adotado por uma família, mas não se adaptou e voltou ao abrigo. “Ele perguntou por mim e pelo irmão. Fiz as entrevistas novamente e consegui ficar com o caçula”, contou.

O Natal deste ano, segundo Mirtes, será completo. Agora, ela e Carlos Roberto têm Ariane, de 24, Arielle, de 18, Robert, de 12, e Diego, de 8. “Nossas famílias o abraçaram como nossos. Deus faz as coisas certas, eles vieram na hora certa. Não somos ricos, tudo que temos é do nosso suor, mas o amor por eles é maior que tudo”, disse a mãe.

Uma disputa que mexe com o país


M. E., de 4 anos, está com os pais adotivos há dois anos e meio. Será o terceiro Natal com a família que a acolheu e a expectativa é de que não seja o último, mesmo diante de uma batalha judicial enfrentada pelos pais adotivos pela sua guarda definitiva. O pai, o empresário Valbio Messias da Silva, de 49, contou que ele e a esposa estão no processo de reinserção, encontrando-se esporadicamente, sempre que há uma definição judicial, com a família biológica da menina. A pequena ainda não foi incluída no processo, que deve durar pelo menos cinco meses.

A menina foi adotada quando tinha 1 ano e 10 meses. Ela estava em um abrigo desde os 2 meses, quando o Ministério Público de Minas Gerais solicitou à Justiça a destituição do poder dos pais por denúncias de maus-tratos. Lá ela ficou, candidata à adoção. Valbio e Liamar Dias estavam na fila e conseguiram a guarda provisória. Mas, ao longo do processo, os pais biológicos, Robson Ribeiro e Maria da Penha Nunes, conseguiram mostrar que estavam reabilitados e que queriam a filha de volta. Em decisão na 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), três desembargadores entenderam que a criança deveria voltar à família biológica e viver ao lado dos seis irmãos. Começava um calvário para todos os envolvidos.

Valbio e Liamar conseguiram liminar para manter a menina com eles, mas dias depois a medida foi derrubada. Começou então o processo de reiserção, com recursos ainda tramitando na Justiça. Na semana que vem, o Judiciário entra em recesso, e só retorna em 20 de janeiro. Durante esse tempo, M. fica com os pais substitutos, que não conseguem pensar na saída dela de casa. “Todo Natal com ela é especial, tenho tanta esperança de que tudo vai se resolver que tenho certeza de que este não será o último dela com a gente”, disse Valbio.

O caso ganhou repercussão nacional, mobilizou famílias, especialistas e juristas nas redes sociais e em manifestações. Alguns defendem o que está no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), segundo o qual pais biológicos devem ter prioridade sempre na guarda da criança. Outros, revoltados com a decisão, querem que a garota continue com quem já criou laços, vínculos e que ela reconhece como sua família.

Em meio à polêmica, quem adotou recentemente uma criança ficou em pânico, como os casais Flávia e José Guilherme, Ricardo e Rosângela e Mirtes e Carlos Roberto. Todos agora estão se sentindo desamparados. “Ficamos muito inseguros com esse caso. Só ficaremos seguros quando virmos o documento dele com o nosso nome”, disse Flávia, que com o marido tem a guarda provisória de Samuel. No aniversário dele de 1 ano, em 30 de setembro, eles decidiram, por esse motivo, não fazer uma festa muito grande. Comemoraram com amor, carinho e ressalvas. O medo é de que antes que saia a guarda definitiva a mãe biológica reivindique o filho. “Não podemos mais pensar nossa família sem ele. É nosso filho. Ficamos em pânico só de pensar na possibilidade de acontecer com a gente o que houve com a aquela família”, afirmou a mãe.

SUSTO A professora de educação infantil Rosângela Souza, mãe de Eduarda, contou que ela e o marido, Ricardo, tinham a pretensão de adotar mais duas ou três crianças, mas o caso os preocupou e os fez recuar, por enquanto. “A vontade ainda não passou, mas estamos muito assustados”, disse. Eles têm a guarda provisória da menina. “Quando esse caso estourou, todos nós fomos tomados por pânico. Quem me dá garantia de que não vai acontecer conosco? Só vamos ter paz de verdade quando chegar o registro dela, com meu nome e o do meu marido”, afirmou. Segundo Rosângela, o retorno que ela teve do juizado é de que o processo de adoção pode durar até quatro anos.

A repercussão do caso fez o telefone da casa da vendedora Mirtes Delfina, de 44, tocar sem parar. Amigos e parentes queriam saber como estava a situação de Robert e Diego, se já eram filhos definitivos, se havia a possibilidade de acontecer o mesmo com eles. A resposta não era tão animadora. Ela e o marido têm a guarda provisória dos irmãos, por quem a mãe biológica pode decidir brigar a qualquer momento. “Eles sofreram muitos maus-tratos e abandono. Só queremos que sejam felizes agora, que tenham um futuro digno. Damos a eles tudo que demos às nossas filhas”, disse Mirtes.

ADOÇÃO
Os interessados devem comparecer ao Serviço de Atendimento ao Cidadão do Juizado da Infância e da Juventude, na Avenida Olegário Maciel, 600, sala 106, Centro de Belo Horizonte, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. Lá, receberão formulário e a lista de documentos necessários. Também será agendada uma participação no curso de preparação para adoção. Contato: (31) 3207-8100.

Apadrinhamento

O Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam) fica na Rua dos Goitacazes, 71, Belo Horizonte. Contato: (31) 3224-1022 ou www.cevambrasil.com.br.

 

NA FILA DE ADOÇÃO

44%

Das crianças pleiteadas em
2012 tinham até 1 ano

35%

Das famílias optam por crianças de cor branca ou parda. 33% não têm preferência

2.865

Jovens entre 13 e 17 anos estão disponíveis
para adoção no Brasil

308

Crianças entre 0 e 4 anos estão no
Cadastro Nacional de Adoção



"É preciso ter uma certa formalidade, mas há hoje um excesso. Vejo que estão fazendo mais mal do que bem", Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) (foto: JUAREZ RODRIGUES/EM/D.A PRESS-14/11/11)
"A lei da adoção é preconceituosa"


Diante de uma criança em situação degradante ou de maus-tratos, o Juizado da Infância e da Juventude procura, antes de optar por adoção, tios, avós e parentes próximos que tenham interesse em ficar com ela. Não havendo essa possibilidade, o menor vai para um abrigo e seu nome e características são incluídos em uma lista. Os candidatos a adotar manifestam o interesse, passam por palestras, cursos e análises para que a Justiça identifique se realmente estão aptos a ser pais. Somente quando a fila anda são chamados a conhecer a criança em um dos abrigos cadastrados.

O processo é longo, detalhado, e, na avaliação do presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam), Rodrigo da Cunha Pereira, precisa evoluir. “A lei de adoção é preconceituosa”, disse. Ele se refere à prioridade legal dada à família biológica, enquanto, segundo ele explica, a psicanálise já comprovou que a relação entre pais e filhos pode ser construída, independentemente de laços sanguíneos. Em março, segundo Rodrigo, o IBDFam foi convidado pelo Ministério da Justiça para ajudar na implantação de políticas de adoção no país. A intenção era acelerar o processo e diminuir a fila, aumentando o encontro entre crianças em abrigos e pais interessados.

A primeira sugestão foi modificar o artigo que estabelece o privilégio da família biológica sobre a família adotiva. Segundo ele, o caminho até a mudança é muito lento, por isso o IBDFam começa a se mobilizar para criar um Estatuto da Adoção. “Muitas adoções, para que aconteçam, dependem de desemperrar a máquina judiciária. É preciso ter uma certa formalidade, mas há hoje um excesso. Vejo que estão fazendo mais mal do que bem. É preciso proteger a essência, não a formalidade”, defendeu. Para ele, o caso da menina de 4 anos que pode voltar para os pais biológicos, mesmo estando há quase três anos com os adotivos, ameaçou todos os processos em vigor no país. “Gerou uma insegurança em todos os pais que estão com guarda provisória.”


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