Pedro Ferreira
No dia em que o muro de arrimo em uma obra da Rua Cabo Verde, no Bairro Cruzeiro, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, desabou, causando o afundamento de metade da rua e colocando três prédios em risco, surgem polêmicas envolvendo o nome da empresa apontada como responsável pela situação. A Edifica Empreendimentos, Arquitetura e Engenharia integrou o consórcio condenado pela Justiça pelo deslocamento de terra na edificação de um shopping no Bairro Anchieta, que abalou a estrutura de cinco prédios em 2010 e deixou 28 famílias desalojadas. Anos antes, em outra obra da empresa, no Bairro Sagrada Família, Região Leste, também houve deslocamento do muro de arrimo e uma casa vizinha foi atingida.
Na Rua Cabo Verde, 16 famílias – 44 pessoas – estão desalojadas após a interdição de três prédios vizinhos à obra. Ontem, elas foram levadas para um hotel na Avenida Afonso Pena, no Anchieta, com despesas pagas pela Edifica. “Nem todas as famílias quiseram ir para o hotel”, informou um dos sócios da empresa, Gustavo Lourenço Valadares Gontijo. Ele ainda justificou que todas as questões judiciais envolvendo os prédios vizinhos ao Shopping Plaza Anchieta já foram resolvidas e que a Edifica pagou as indenizações devidas. “A nossa construtora era dona de um terreno e fez permuta com o shopping, que era responsável pela obra”, disse.
O trabalho de contenção começou ontem mesmo. Vários caminhões despejaram pedras no buraco cavado pela construtora onde serão construídos três níveis de garagem subterrânea. A empresa vai tentar estabilizar o terreno colocando pedra, areia e outros materiais para drenar a água da chuva. “Vão tentar reconstruir o talude para conter essa erosão da rua e evitar que afete a estrutura dos prédios. O método que eles estão usando está errado e vai ter outro tipo de contenção”, disse o engenheiro civil e perito Lincoln Dias Oliveira, contratado pelos moradores. A metodologia é a mesma adotada no Plaza Shopping para evitar desmoronamento.
EMBARGO Segundo o especialista, os problemas na Cabo Verde começaram há um ano e meio. Na época, ele foi contratado pela Edifica para fazer um laudo técnico. “A obra ficou embargada por seis meses e tivemos várias reuniões no Ministério Público. Houve um ajuste de conduta para modificar o projeto. Eles abandonaram a estaca cravada e passaram a usar estaca escavada, o que a gente propôs. Resolveu o problema porque parou de trincar os prédios vizinhos e a rua, mas aquela parte do muro que desabou agora já estava feita antes. Em vez de eles fazerem uma intervenção para reforçar o muro, eles deixaram como estava”, disse Lincoln. O laudo feito há um ano e meio já mostrava que a rua estava trincada. “Já era para ter desabado há mais tempo se eles não tivessem mudado a metodologia depois do ajuste de conduta com o Ministério Público”, disse o engenheiro.
Ontem, o que sobrou do asfalto da Rua Cabo Verde foi coberto com lona plástica, assim como parte do barranco, para diminuir a infiltração de água no solo, que está encharcado. A segunda etapa da obra será a reconstrução da rua, que foi totalmente interditada. Gustavo Gontijo acredita que em dois dias começará a providenciar o aterro e que em seis dias tudo estará pronto, mas vai aguardar o prazo dado, de 10 dias, para uma nova avaliação por questão de segurança. Se o laudo for positivo, os moradores retornam para suas casas, segundo ele.
Dia de mudança para desocupar prédios
Os moradores dos três prédios interditados passaram o dia de ontem fazendo mudança. Pouco depois do desabamento, às 5h30, o Corpo de Bombeiros anunciou a interdição do Edifício Andrea, no número 308, que faz divisa com o terreno em obras. O prédio tem quatro pavimentos e um apartamento por andar. Todas as unidades estão ocupadas e têm 16 moradores, segundo o síndico, o auditor de empresas Ademir Chagas de Oliveira, de 60 anos. Por volta das 10h, o coordenador da Defesa Civil municipal, coronel Alexandre Lucas, avisou aos moradores que outros dois imóveis haviam sido interditados. O Edifício Tiago, no número 297, tem três andares e seis apartamentos, quatro ocupados, por 12 pessoas, segundo a subsíndica, a bancária Selma Carvalho Costa, 48. Já o Edifício Cabo Verde, na esquina com a Rua Muzambinho, tem o mesmo número de andares e apartamentos, com ao menos 16 pessoas.
Alguns moradores foram para casas de parentes e amigos, outros para o hotel pago pela construtora. O funcionário público Francisco Porto, de 40, foi o primeiro a contratar caminhão de mudança. Desde o dia 24 ele estava dormindo na casa da mãe. “Ontem retirei minhas roupas e agora vou levar os móveis. Um amigo nos cedeu um apartamento vazio. Já estamos nos precavendo contra um possível colapso do prédio”, contou ele, que mora com a esposa.
Vizinho de Francisco, a aposentada Maria do Carmo Nunes, de 62, estava revoltada. Tremendo, ela se queixou aos gritos em frente ao edifício onde mora com um filho, uma filha e o genro. “Ninguém está suportando mais a situação que estamos vivendo. Estou há três dias sem dormir, não estou me alimentando mais”, disse. “Cadê as autoridades competentes? Por favor, achem uma solução para as nossas vidas. Se não fizerem nada aqui, o prédio vai desabar. Olha a rachadura onde já está”, continuou, apontando as fendas no asfalto.
A maior parte das críticas dos moradores se dirige à construtora Edifica, responsável pela obra. “Desde o começo essa obra está dando problema. Os primeiros sinais de que algo daria errado foi a ruptura do passeio em frente. Fizeram um concerto, aplicaram massa, mas foi apenas um serviço de alvenaria”, disse o professor aposentado Manoel Alexandre de Souza, de 79, que mora no Edifício Andrea e está alojado na casa de uma filha.