A morte de duas crianças sugadas por equipamentos em piscinas em Belo Horizonte e Caldas Novas (GO) escancaram a falta de segurança dentro d’água. Não há no Brasil lei que regulamente a adoção e a fiscalização de procedimentos para diminuir riscos, como a presença de salva-vidas e a instalação de ralos e mecanismos que evitem a sucção de partes do corpo. As iniciativas são isoladas. As normas sobre o assunto passam longe do estado. Belo Horizonte conta com uma lei de 2010 que disciplina a segurança em piscinas, mas, além de considerada superficial por especialista, ela nem sequer foi regulamentada. Em entrevista ao Estado de Minas, Marco Aurélio de Oliveira, de 50 anos, pai de Mariana Silva Rabelo de Oliveira, de 8 anos, afirmou que considera que a filha foi assassinada. Ela foi sugada pela tubulação do toboágua de uma piscina do Jaraguá Country Club, na Pampulha, na sexta-feira e ficou presa debaixo d’água por vários minutos.
Além da morte de Mariana, o acidente que envolveu Kauã Davi de Jesus Santos, de 7, chocou o país. O menino morreu no sábado, três dias depois de ter o braço sugado pelo ralo da piscina no condomínio Residencial Privè das Thermas I, em Caldas Novas. Números do Datasus, banco de dados do Sistema Único de Saúde (SUS), mostram que os casos são mais comuns do que se imagina. Minas registrou 269 acidentes em piscinas no ano passado. O número é 43% maior em relação aos acidentes em 2012, quando foram registradas 188 ocorrências.
Este ano, em apenas cinco dias, a corporação registrou 21 mortes relacionadas a afogamentos. Nesse balanço, não são consideradas ocorrências como o de Mariana, resgatada pelo Serviço Móvel de Urgência (Samu), que atendeu 48 chamados por afogamento no ano passado. O Samu não informou o número de mortes nem as ocorrências dos primeiros dias do ano. De acordo com a Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (Sobrasa), afogamentos são a segunda causa de morte de crianças até 9 anos no país, atrás apenas de acidentes de trânsito. Mais da metade dos casos estão relacionados a piscinas.
Apesar das estatísticas, sem lei nacional para a segurança nas piscinas, o risco transborda em clubes, parques aquáticos e condomínios. “Não existe padronização nem fiscalização no Brasil em relação aos salva-vidas e ralos e equipamentos de sucção. A lei depende de iniciativa de cada estado e município. É por isso que estamos focados na orientação de estabelecimentos com piscinas para prevenir acidentes”, afirma o presidente da Sobrasa, coronel Joel Prates Pedroso.
Em Minas, as regras ficam por conta de cada município, e segundo os bombeiros, a fiscalização é restrita a incêndio e pânico. Em 2010, o prefeito Marcio Lacerda sancionou a Lei 9.824, que disciplina a prevenção de acidentes em piscinas na capital. Segundo a lei, donos de piscinas coletivas ou públicas devem dispor de salva-vidas, entre outras medidas. O texto, entretanto, jamais foi regulamentado e não saiu do papel.
Na Assembleia Legislativa não faltam tentativas de aumentar a segurança nas piscinas. O Projeto de Lei 244/2011 obriga estabelecimentos com piscinas de uso coletivo a instalar dispositivos que interrompam o processo de sucção da piscina. O texto está pronto para ser analisado em plenário. Já o PL 3.376/2012 obriga piscinas em locais coletivos e públicos a terem salva-vidas, além de equipamentos para garantir a segurança dos usuários. A proposta ainda está no início da tramitação.
O presidente da Federação dos Clubes do Estado de Minas Gerais (Fecemg), que tem cerca de 30 filiados, Marcolino de Oliveira, disse que “cada clube tem tomado as providências individualmente”.
Apenas bom senso da administração
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) tem protocolos que regulamentam a instalação de equipamentos em parques aquáticos e a construção de piscinas. São esses os parâmetros que norteiam clubes e outras entidades, informou o presidente do Barroca Tênis Clube, Geovani Magalhães. “Fazemos tudo dentro das normas da ABNT, mas não há fiscalização. Isso depende do bom senso de quem está à frente da instituição”, afirma ele, ressaltando que a fiscalização municipal fica restrita a alvará e vigilância sanitária, como a qualidade da água. O estabelecimento não tem salva-vidas.
Em nota, a prefeitura informou que a Lei 9.824 “está em vigor e não isenta infratores das penalidades cíveis e penais cabíveis em cada caso”, mas não esclareceu se já houve fiscalização nem como a norma é cobrada sem regulamentação.
“É uma lei vazia, pois não trata da causa determinante dos acidentes causados pela sucção dos ralos”, afirmou Odele Souza. Há 16 anos, a filha dela, Flávia Souza Belo, hoje com 26 anos, teve os cabelos sugados pelo ralo da piscina de um condomínio em São Paulo. Desde então, ela vive em estado vegetativo. A luta diária se transformou, em 2007, no blog flaviavivendoemcoma.blogspot.com.br. Odele ajudou a elaborar Projeto de Lei 7.414/2010, que está parado na Câmara dos Deputados e regulamenta a segurança nas piscinas. “Existem dispositivos como a tampa FSB, que nem são tão caros e evitam a sucção. Há também dispositivos de liberação de vácuo que desligam com a aproximação de alguém”. conta.
Piscina segura
Recomendações da Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (Sobrasa)
» O responsável deve manter atenção integral à criança
» Clubes devem ter guarda-vidas equipado com flutuador de resgate
» O uso de cilindro de oxigênio é
restrito ao guarda-vidas e deve estar em local visível
» Restrinja o acesso, no caso de piscinas particulares, com grades ou cercas transparentes com portões autotravantes
» Use ralos antiaprisionamento e adote mecanismos de desligamento do funcionamento da bomba para evitar a sucção de cabelo e partes do corpo