Jornal Estado de Minas

Pais de menina morta em piscina de clube fazem alerta para evitar outras mortes

Pais de Mariana de Oliveira, de 8 anos, que morreu 12 horas depois de ficar presa em equipamento de piscina em clube de Belo Horizonte, lembram do jeito doce da menina e buscam forças na fé e na Justiça para enfrentar o sofrimento

Valquiria Lopes
'No dia em que se despediu de mim para ir ao clube, ela estava sentada neste canto do sofá. Disse que queria ir, aproveitar o sol e o calor para brincar com a prima', Marco Aurélio de Oliveira, ao lado da mulher, Ieda, mostra foto das filhas, Mariana e Júlia - Foto: Marcos Michelin/EM/D.A. Press
Um anjo de asas douradas apareceu em sonhoDisse estar bem, brincando muito e felizQue já levou mais de 60 tombos e mesmo assim não se machucouE revelou ainda, envolto em uma coroa de luz branca, que já havia comido muitas frutas diferentes, mas que não podia trazê-las para a irmãO “encontro” com a irmã foi descrito por Júlia de Oliveira, de 12 anos, aos pais, Marco Aurélio e Ieda de Oliveira, depois de uma trágica experiência vivida pela família


Júlia sonhou com Mariana de Oliveira, de 8, que se afogou em uma piscina do Jaraguá Country Club, na Pampulha, em Belo HorizonteEla ficou presa pelos cabelos no equipamento de sucção de água e morreu no Hospital Odilon Behrens na madrugada do dia 4, 12 horas depois de ser socorrida no clubeO tio e padrinho de Mariana, o empresário Fernando de Oliveira, de 60, e a irmã de uma funcionária da família contam que tiveram sonhos parecidos com a garotaNa vida real, é na fé em Deus e no apoio de parentes e amigos que os pais e a irmã da menina buscam forças para superar a tristeza

Na sexta-feira, a família recebeu a reportagem do Estado de Minas em casa, no Bairro Ipiranga, na Região Nordeste da capitalOs pais desabafaram e falaram da saudade da pequena Mariana, que para eles parece estar em todos os cantos

“No dia em que se despediu de mim para ir ao clube, ela estava sentada neste lado do sofáDisse que queria ir, aproveitar o sol e o calor para brincar com a prima”, lembrou Ieda.

O quarto de Mariana continua intacto, como se a presença dela ainda fosse realBem em frente à porta do cômodo no qual ela dormia e passava parte do dia se divertindo com suas bonecas, Júlia se entretia com um livro“Elas gostavam de brincar juntasEram muito amigas”, contou Marco AurélioA mãe revelou ter sido doloroso retirar objetos pessoais de Mariana do quarto de JúliaE que ainda não vê o momento como oportuno para desmontar o quarto da filha que se foi“A hora certa vai chegar”.

Por ora, a família anda vive sem muita noção do passar do tempoFalta ânimo para voltar ao trabalho e à vida normalEles acreditam ser necessário viver o luto e a dor
Mas, conscientes, dizem que não vão cultivar tristeza em casaUm dos passos para superar o sofrimento já foi dadoA família aceitou o convite de parentes para viajar por uma semanaVai estar distante, mas com a filha no coração.

 

Entrevista - Marco Aurélio e Ieda de Oliveira
Casal aponta falhas de segurança e pede que caso sirva de alerta para evitar mortes
'Se existem responsáveis, queremos que sejam punidos'

 

'No dia em que se despediu de mim para ir ao clube, ela estava sentada neste canto do sofá. Disse que queria ir, aproveitar o sol e o calor para brincar com a prima', Marco Aurélio de Oliveira, ao lado da mulher, Ieda, mostra foto das filhas, Mariana e Júlia - Foto: Marcos Michelin/EM/D.A. PressComo era a Mariana em casa, no dia a dia?
Marco Aurélio – Era uma menina muito evoluída e bondosa, queria resolver o problema de todosQueria, por exemplo, arrumar casa para todo mundo morarAmável, doce e educada, ela espalhava alegria por onde passavaDizia todos os dias à nossa funcionária que a amava“Eu te amo Teca, tá?”Passava pelo porteiro do prédio, o senhor Elias, e o abraçava diariamenteAgora, ele nos pergunta: ‘Como vou ficar sem a Mariana?’ Ela fazia diferençaEnchia os lugares de alegria quando chegavaEm um restaurante que costumamos ir, ela conhecia os garçons e todos eles a chamavam pelo nomeNa escola, era inteligente e queridaEm família, um presente, uma menina meiga e especial.

Como foi receber a notícia da morte?
Ieda – Foi um choqueSabíamos que tinha sido somente um acidente na piscina, não tínhamos noção da gravidadeNaquela noite, quando ela estava internada, um dos médicos disse que ela seria sedada, mas a neurologista resolveu fazer uma ressonância e adiantou que a lesão cerebral tinha sido muito grande e que o resultado havia sido péssimo.

Vocês tinham esperança de que ela ficasse bem?
Marco Aurélio – No hospital, tínhamos certeza de que ela iria se recuperarMariana nunca adoeceu, nunca teve uma gripeEra uma menina forteMas, após o resultado da ressonância, a esperança diminuiuA neurologista adiantou que ela tinha 99% de chance de viver em estado vegetativoTivemos medo do piorContinuamos em casa em oração, mas às 5h20 do sábado fomos chamados ao hospital pela assistente socialEla disse que não poderia adiantar nada por telefone, mas que precisávamos ir até láFoi quando recebemos a notícia da morte.

Como vocês reagiram?

Ieda – Queríamos que ela acordasse e foi muito duro saber que isso não aconteceria maisFoi uma dor muito grandeEssa história não tem nada de bom, mas Deus foi muito justo com ela, porque não quis que ela vegetasse sobre uma cama, o que não combinaria com a alegria e a esperteza de MarianaApesar do sofrimento, estamos lutando para entender isso, já que nossa filha ficou sem opçãoEstamos tentando nos reerguerDesde o dia da morte dela, estamos recebendo um apoio descomunal de nossos parentes e amigosAté mesmo pessoas desconhecidas nos procuram para prestar solidariedade.

Vocês acreditam que Mariana tinha uma missão?
Ieda – Acredito que todos nós temos uma missão na TerraMariana foi vítima de uma tragédia, de um descaso, de uma irresponsabilidadeMas se ela tinha uma missão, acredito que a morte dela ocorreu para proteger outras pessoas, outras criançasServiu para evitar que outras pessoas se acidentem naquela piscina e em todas as outras que tenham uma armadilha como aquela.

Seria como se a morte dela acendesse um alerta para outros clubes?

Marco Aurélio – Sim, claroPorque a morte da Mariana foi provocada por falhas de gestão e de infraestruturaEla sabia nadar muito bemJá nadou comigo no mar e em cachoeirasTemos piscina em casa e sempre achamos importante que nossas filhas soubessem nadar muito bemMas, naquele dia, ela foi sugada por um equipamento que não deveria estar ali, ou que deveria ter uma proteção para não provocar acidentesInfelizmente, foi com nossa filhaMas o caso dela serve de exemplo para que se observem as condições das piscinas de todo o país, bem como de qualquer instalação que nós, pais, pressupomos que sejam seguras por estarem em estabelecimentos especializados.

Quais as falhas que vocês apontam?
Marco Aurélio – Houve uma sequência de erros, desde a parte de infraestrutura até a gestão do clubeA primeira grande falha foi a instalação do equipamento de sucção naquele local, sem nenhuma proteção, o que deixa qualquer pessoa em riscoDiante de um acidente, outros problemas se revelaram, como a falta de salva-vidas próximo à piscina, o desconhecimento deles sobre o local da chave que desliga a bomba de sucção e o despreparo deles para o salvamentoDe modo geral, também percebemos que falta fiscalização nesses lugaresSerá que não existem regras para a construção de piscinas, e se existem, por que não foram fiscalizadas pelos órgãos públicos? E será que as pessoas que estão à frente da diretoria de piscinas do clube são preparadas para essa função? São perguntas que ainda estamos nos fazendo.

O que vocês pretendem fazer?
Marco Aurélio – Não temos revoltaNosso sentimento é de indignação porque perdemos nossa filha por um total descasoVamos esperar o laudo da perícia e a conclusão do inquérito policial para decidir qual decisão tomarDinheiro algum vai fazer diferença nessa hora, porque perdemos nosso presente de DeusMas, se existem responsáveis na esfera criminal, queremos que eles sejam punidosE que o caso da Mariana possa contribuir para que as exigências legais para construção e manutenção de piscinas sejam mais rígidas e, acima de tudo, cumpridas