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Estado de Minas

Obras, buzinas e alto-falantes atropelam lei do silêncio e atormentam moradores

Reclamações são feitas pelo número 156. Reportagem do Estado de Minas acompanhou barulhos em vias movimentadas do Centro-Sul, Nordeste e Venda Nova


postado em 20/01/2014 06:00 / atualizado em 20/01/2014 07:14

Mateus Parreiras

Anúncio de som de carro com pamonha chega a 93dB no Bairro São Pedro, um problema frequente em Belo Horizonte (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press.)
Anúncio de som de carro com pamonha chega a 93dB no Bairro São Pedro, um problema frequente em Belo Horizonte (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press.)

Levando pães e confeitos em cestas adaptadas em bicicletas, os entregadores que atravessam as ruas de BH bem cedo se destacam com suas buzinas. Cada vez que pressionam o instrumento para anunciar seus produtos eles provocam perturbação sonora que atinge picos acima de 85 decibeis (dB) a uma distância de 20 metros. A reportagem do Estado de Minas acompanhou esses trabalhadores empurrando bicicletas em morros e vias movimentadas do Centro-Sul, Nordeste e Venda Nova. Roberto Ancelmo dos Santos, de 33 anos, trabalha na região do Bairro Cidade Nova e garante que sua buzina não perturba. “Os clientes já estão acostumados. Muita gente não quer sair de casa para buscar uma rosca ou pão doce e compra de mim. Vendo mais nas oficinas, construções e portas de empresas”, afirmou ele, que inicia sua jornada às 7h. Apesar de alegar que não causa incômodos, Roberto não acionou a buzina nenhuma vez para que a reportagem medisse a pressão sonora causada pelo instrumento.

Entre os bairros Santo Antônio e São Pedro, no Centro-Sul, os entregadores circulam a partir das 7h. A reportagem seguiu um, para checar o nível de incômodo causado pela buzina. Cada vez que ele pressionava a borracha da buzina, o ruído chegava a 87dB a uma distância de 20 metros, se aproximando ao nível de ruído emitido por um bate-estacas. Ao longo de 10 quarteirões, ele vendeu para três fregueses, ao custo de expor moradores das 63 edificações por onde passou ao barulho insistente. “Não é possível que ainda hoje haja gente que fica fazendo barulho para vender as coisas como no meu tempo, há 60 anos. Pior é quem compra e não tem a mínima consideração com os vizinhos”, reclamou o aposentado Ary Ferreira da Cunha, de 76, morador do Santo Antônio.

Os bairros São Pedro e Santo Antônio concentram outras fontes de ruídos, como carros de anúncios. Um dos mais tradicionais é o que oferece pamonha, mingau de milho verde, biscoitos e outros guloseimas por meio de um alto-falante no teto do veículo. Apenas um que passou pela Rua Cristina, entre as ruas Leopoldina e Lavras foi campeão de perturbação ao alcançar um pico de 93dB medidos a 20 metros. O ruído poderia ser comparado ao funcionamento de um compressor de ar.

Nem mesmo à noite, moradores têm sossego. Pela Lei do Silêncio, a tolerância de ruídos dentro do local de incômodo, da meia-noite às 7h não pode ultrapassar 45dB. Mas a coleta de lixo na madrugada registra quase o dobro de poluição sonora. Na quinta-feira, a reportagem registrou em apartamentos dos bairros São Pedro e Santo Antônio a passagem dos trabalhadores da coleta domiciliar. Em certos momentos a algazarra que alguns deles fizeram ao gritar e esmurrar a lataria do caminhão chegou a 81,1dB.

Mas, conforme a lei, apesar do incômodo, a coleta de lixo e obras públicas não estão sujeitas aos limites legais. “As equipes da limpeza noturna são orientadas, em reuniões periódicas, a trabalhar respeitando os limites de ruído. No episódio no São Pedro e Santo Antônio, as providências tomadas para que o fato não se repita. Em situações extremas, em que há reincidência do descumprimento da norma, poderá ocorrer até demissão dos envolvidos”, informou a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU). Em caso de barulho excessivo, o cidadão deve ligar para o 156 informando o local, a data e o horário da ocorrência e, se possível, a placa do caminhão.


Do gramofone ao avião
O barulho que causa reclamações diversas já atravessa mais de seis décadas em BH. Há exatos 65 anos surgiu o primeiro conjunto de normas editado como Lei do Sossego (Lei 71/1948), regulamentada (Decreto 24/1949) pelo prefeito Otacílio Negrão de Lima. Em vez de fiscais de posturas, as autuações pelo descumprimento das regras ficavam a cargo dos agentes do Departamento de Educação e Cultura.

Como na época não era tão fácil ter um medidor de pressão sonora (decibelímetro) portátil, as normas não previam limites de som. Infração era “todo e qualquer som, que, pela duração ou estridência, perturbe o sossego público, após as 22 horas, e os excessos, a qualquer tempo”, dizia o texto da época. As fontes poluidoras também diferiam das atuais. Segundo a PBH, as atividades que mais geraram reclamações em 2013 foram bares, restaurantes, casas de shows, comércio, templos religiosos, clubes, academias de ginástica e construção civil. Na lei sexagenária havia menção a alto-falantes, rádios, gramofones, radiolas e até cães e pássaros poderiam gerar multas aos donos que incomodassem os vizinhos.

Enquanto o Código de Trânsito Brasileiro considera infração o uso exagerado da buzina e a proíbe em áreas próximas a hospitais, a lei do silêncio mais antiga de BH restringia o uso “a um acionamento durante a noite”. Veículos parados eram proibidos de buzinar e após as 22h só poderiam usar com os faróis. Até pilotos de avião poderiam ser multados caso voassem “sobre a cidade a menos de 200 metros, salvo para início e fim de vôo”. Talvez a parte mais interessante seja que, além das denúncias, os fiscais percorriam as vias públicas a partir das 22h para autuar os infratores.


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