Já faz um ano que não há mais fogo nem fumaça, mas os riscos e as lições do incêndio que matou 242 pessoas na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), em 27 de janeiro de 2013, continuam inflamados nas casas noturnas de Belo Horizonte. A força-tarefa formada pelo Corpo de Bombeiros (Cobom) e pela prefeitura logo depois da tragédia revelou finalmente o retrato do problema e como ele está disseminado nas baladas na capital. Foram vistoriadas 264 casas no ano passado e 223 (84%) apresentaram irregularidades, segundo o Cobom. Vinte e três foram interditadas, incluindo nove que continuam fechadas. O trabalho deu início a uma corrida por segurança, no entanto, a própria corporação admite que muitos estabelecimentos ainda estão irregulares. O EM visitou 10 boates e casas de shows e constatou que seis fizeram adaptações na estrutura para atender exigências legais.
Além de escancarar os riscos, a tragédia transformou a população em fiscal. As denúncias ao Cobom cresceram 169% no ano passado, em relação a 2012. Das 7.952 ligações, quase um quinto (1.544) se referiam a casas noturnas. As reclamações também aumentaram no Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC) da prefeitura. Denúncias sobre prevenção a incêndios subiram 77%, passando de 74 (2012), para 131 (2013). A maior fiscalização resultou também num aumento de 40% no número de projetos de segurança contra incêndio e pânico protocolados nos bombeiros. Enquanto em anos anteriores a média era de 160 projetos, no ano passado, foram 224.
A força-tarefa vistoriou boates, casas de shows, restaurantes com música ao vivo e bufês. Segundo o subcomandante da Companhia de Prevenção e Vistoria do 1º Batalhão, tenente Rodrigo Turci, as casas interditadas apresentavam risco iminente aos frequentadores: “Elas não tinham saída de emergência, iluminação, sinalização e extintores”. Uma delas tinha capacidade para até 1 mil pessoas. Os nomes dos nove estabelecimentos não foram divulgados.
Além das irregularidades, a maior parte dos estabelecimentos não cumpria todos os requisitos exigidos pela legislação, com sinalização inadequada, extintores fora da validade, iluminação queimada, entre outras falhas. “Muitas tinham itens de segurança, mas não tinham o projeto. Os empresários não davam tanta importância a essas questões”, explica o assessor de comunicação do Cobom, capitão Frederico Pascoal. Segundo ele, o problema não foi completamente sanado. “Um ano depois, muitas ainda não regularizaram por causa dos custos das adaptações. As irregularidades continuam, mas houve um aumento da procura para aprovar projetos de incêndio”, ressalta.
ALVARÁ Na fiscalização da prefeitura, 106 estabelecimentos (40%) foram flagrados sem o laudo técnico de segurança e 100 (38%) tinham problemas no alvará de localização e funcionamento, documento básico para abertura do empreendimento. Para o secretário adjunto municipal de Fiscalização, Alexandre Salles, a legislação municipal, que passou a exigir no ano passado o auto de vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) para liberação do alvará não precisa de mudanças. “O que funciona é uma efetiva fiscalização e a denúncia da população”, informou.
Uma das casas na corrida pela segurança é o Alambique, na Avenida Raja Gabaglia, no Bairro Estoril, Região Oeste. O estabelecimento passou por uma série de mudanças para atender as normas do Cobom e da prefeitura e, agora, aguarda vistoria para receber o AVCB. “Fizemos mais saídas de emergência, instalamos reservatório de 15 mil litros de água para o projeto de incêndio, reforçamos as placas indicativas. Estamos há 25 anos no segmento e tenho certeza de que a casa é totalmente segura”, conta um dos sócios da casa, Ademir Pinto. A prova de fogo para o Alambique ocorreu em agosto, quando um incêndio destruiu uma creperia vizinha. “Fomos nós que apagamos o fogo com o nosso sistema”, conta.
A casa de shows Engenho de Minas, no Santa Efigênia, Leste de BH, passou por uma série de mudanças. “Fizemos o isolamento acústico da casa, como exigiu a prefeitura, e usamos forro antichamas. Abrimos as portas para fora”, informou a dona do estabelecimento, Eliane Machado. “Conseguimos o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros em dezembro”, comemora.
SEGURANÇA
NA BALADA
Situação encontrada pelos bombeiros em BH
IRREGULARIDADES MAIS FREQUENTES
» Falta de projeto de incêndio
» Extintor de incêndio vencido
» Iluminação de emergência queimada
» Sinalização falha
EXIGÊNCIAS DOS BOMBEIROS
» Rede de hidrantes, cobrindo área máxima de 30 metros cada em casas acima de 750 metros quadrados
» Iluminação e sinalização de emergência
» Portas vaivém com abertura para o fluxo de saída
» Brigada de incêndio (casas acima de 750 metros quadrados)
» Extintores portáveis cobrindo área máxima de 15 metros cada
» Pelo menos duas portas em pontos distintos, de tamanho proporcional à quantidade de pessoas
» Barras antipânico nas portas para estabelecimentos com capacidade superior a 200 pessoas
» Acabamento em material não combustível
ITENS DESEJÁVEIS, AS NÃO OBRIGATÓRIOS
» Ventilação
» Sprinklers (aspersores de água no teto)
» Porta corta-fogo
Fonte: Corpo de Bombeiros