Pompéu – Desde pequena, a agricultora Léia Faria, de 39 anos, ouve histórias de que um tesouro está enterrado no lugar onde existiu o casarão de Joaquina Bernarda da Silva de Abreu Castelo Branco (1752-1824), uma importante personagem mineira do século 19 e com estreitos laços com a família real portuguesaEm 1808, por exemplo, ela enviou centenas de gados e outros mantimentos para matar a fome de dom João VI (1767-1826) e dos cerca de 10 mil súditos que fugiram da invasão das tropas de Napoleão Bonaparte (1769-1821) e desembarcaram, no Rio de Janeiro, sem alimentação suficiente para todosJá em 1822, Joaquina enviou tropas de cavalos e mantimentos para reforçar o exército de dom Pedro I (1798-1834) na luta pela independência do Brasil.
O tesouro em questão seria um presente de João VI em gratidão à ajuda financeira de JoaquinaHá quem acredite que se trata da escultura de um cacho de bananas folheado com ouroOutros afirmam que o objeto tem o formato de uma única banana coberta com pó do precioso metalAinda há quem sugere um pote com objetos valiososMuita gente, porém, alerta que tudo não passa de uma lenda que surgiu em razão da riqueza acumulada por Joaquina, considerada uma grande empreendedora à frente de seu tempo.
Ela deixou aos herdeiros, segundo escreveu o historiador Gilberto Cézar no artigo “As duas faces da matriarca”, publicado na edição de 14 junho de 2008 da Revista de História, “11 fazendas, 40 mil cabeças de gado e algumas centenas de escravos, fora baixelas de prata e bandejas e barras de ouro, entre outros tesouros”Para se ter ideia do tamanho das terras da amiga da corte, basta dizer que suas fazendas abrangiam áreas que hoje pertencem às cidades de Abaeté, Dores do Indaiá, Paracatu, Pitangui, Pequi, Papagaios, Maravilhas, Martinho Campos e Pompéu
Foi nessa última cidade que Joaquina e o marido, o capitão Inácio de Oliveira Campos, passaram os últimos anos de vidaO sobrado-sede, com 79 cômodos, foi erguido de esteio de aroeira, em sistema de pau a pique, no Pompéu Velho, um povoado a 22 quilômetros de Pompéu e a 190 de Belo HorizonteO imóvel foi derrubado em 1954
ESPERANÇA O certo é que, de lá para cá, muita gente revirou aquele solo na esperança de encontrar algum objeto de valor e – quem sabe – até mesmo o cacho de banana folheado em ouroLéia, a agricultora, mora a menos de 100 metros do terreno, hoje ocupado por um canavialEla mesma cavacou a terra e retirou dois objetos antigosO primeiro é uma enxada com a lâmina toda enferrujadaA ferramenta teria sido usada por escravos de Joaquina e foi negociada a um colecionador fora de Pompéu por R$ 700: “Eu precisava do dinheiro”
O segundo objeto encontrado por Léia tem cerca de 20 centímetros e é exibido com orgulho pela mulherTrata-se de uma chave de ferro de uma das janelas de madeira da antiga fazendaA agricultora já garimpou ofertas pela peça, mas o valor oferecido por um senhor da sede do município está bem aquém do que ela deseja“Ele me ofereceu R$ 150Acho que a chave vale bem mais do que isso
SINAIS Vandeir percorreu parte do terreno com seu detectorO equipamento emitiu alguns sinais, mas o barulho foi provocado pelo arame de uma cerca debaixo de algumas árvores de mamonasEle ainda tentou garimpar algo no antigo cemitério dos negros, mas o aparelho só apitou nas proximidades de outra cerca de arame farpado
Em seu livro Dama do Sertão, Antônio Campos Guimarães descreve uma ordem de Joaquina ao mestre de obras Tomé Dias: “Tomé: quero construir, a quatrocentos metros do lado esquerdo do casarão, um cemitério com uma capela e uma cruz de aroeira para a minha família (cemitério dos brancos)Do mesmo lado, distante mil metros, um cemitério para os meus escravos (cemitério dos negros), cercado com lascas de aroeira, bem fundo, para que os tatus não comam os meus negros depois de mortos, e uma cruz do mesmo tamanho da cruz do cemitério da minha família”.
Tanto o cemitério dos brancos, onde está sepultado o corpo de Joaquina, quanto o dos negros estão às margens da estrada de terra que liga Pompéu a PapagaiosOs dois locais são pontos turísticos da região, mas foram alvos da ação de vândalosA capela do cemitério dos negros e o piso em seu entorno devem ser reformados pela prefeitura.
MEMORIAL
O Conselho Municipal do Patrimônio Cultural, Artístico e Histórico de Pompéu pretende construir uma praça ou um marco no local onde havia o casarão de dona Joaquina“Seria uma extensão do museuOs moradores da região poderiam, inclusive, vender (mimos) relacionados à memória da Dama do Sertão, aumentando a renda deles”, disse Hugo de Castro.