Por “questões de segurança”, Marcelo foi morar debaixo de um dos viadutos que cruzam a Avenida Cristiano Machado – batizado Oswaldo França Júnior, escritor mineiro –, do lado do Bairro Silveira, Região Nordeste da capitalDurante o dia (menos aos domingos), das 9h às 15h, ele faz ponto do outro lado do corredor de transporte, na confluência com a Avenida José Cândido da Silveira, no Bairro Cidade Nova, na mesma regiãoAo longo do “expediente”, Marcelo fatura os trocados que lhe valem a sobrevivência desprovida de quase tudo, menos do gosto inabalável pela leitura.
Mesmo enfrentando o preconceito de ser morador de rua e de expor os livros sobre um pedaço de pano protegido por plástico, Marcelo não desanimaHá dias em que fatura R$ 10/R$ 20, mas em outros passa em branco, “mas dá para ir levando”Ele precisa de uma segunda via da certidão de nascimento para tirar novos documentos, o que lhe permitirá requerer ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) aposentadoria por invalidezComo não tem mais parentes vivos na Bahia, ele está tentando um contato com o viúvo da última tia que tinha, em Salvador, para que ele providencie seu novo registro civil.
Marcelo, que completa 43 anos em 9 de abril, ganha livros de e para todos os gostosSeu gênero predileto é romance, mas lê outros “para passar o tempo”
Antes de pegar a mochila carregada de livros e ir para o outro lado da Avenida Cristiano Machado, por meio de uma extensa passarela, para “ganhar o dia”, Marcelo testa a muleta e solta um de seus pensamentos rascunhados num caderno roto: “Seria tão bom se todos os sonhos bons se tornassem realidade e as tristes realidades não passassem apenas de sonhos”Ele está confiante que vai sair das ruas tão logo volte a ter uma identidadePor enquanto – reconhece – ele é apenas um rosto às margens de uma calçada, uma pessoa que não tem como provar que existeContudo, nos livros, ele tira forças para acreditar que, dia deste, ele vai voltar a ser um cidadão brasileiro.